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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 01, 2013

Superlotadas, prisões brasileiras não fazem separação adequada de detentos

Por Pedro Peduzzi

Da Agência Brasil

Inspeção feita no mês de março pelo Ministério Público (MP) em 1.598 estabelecimentos prisionais constatou que, além de superlotadas, a maioria dessas instituições não tem separado de forma adequada os presos, nem dado a eles suficiente assistência material, de saúde ou de educação. O relatório A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro, divulgado nessa quinta-feira (27) pelo MP, informa que, apesar de terem capacidade para 302.422 pessoas, tais estabelecimentos abrigam 448.969 presos, com déficit de quase 150 mil vagas e ocupação 48% acima de sua capacidade.

A superlotação ocorre em todas as regiões do país e em todos os tipos de estabelecimentos – penitenciárias, cadeias públicas, casas de albergado, colônias agrícolas ou industriais e hospitais de custódia, entre outros. O estudo não aborda as condições de carceragens, nem de custódias em delegacias porque estas serão objeto de levantamento próprio.

O MP constatou também que os presos não estão sendo separados de forma adequada. Em 79% dos 1.269 estabelecimentos, não há separação entre presos provisórios ou definitivos; em 1.078 (67%), não há separação em função dos regimes (aberto, semiaberto ou fechado); em 1.243 (aproximadamente 78%), não há separação entre presos primários e reincidentes; em 1.089 (68%), não há separação em função da periculosidade ou do delito; e em 1.043 (65%), presos de diferentes facções criminosas convivem sem separação.

A inspeção identificou a presença de grupos ou facções criminosas em 287 estabelecimentos, além de constatar que 91% dos estabelecimentos não separam os presos adultos dos idosos (acima de 60 anos).

Dos 1.598 locais visitados, em 780 não havia camas e 365 não tinham colchões para todos os detentos. Em 1.099 estabelecimentos, os presos não dispunham de água quente para banho e, em 636, não eram fornecidos produtos de higiene pessoal. Além disso, 66% dos estabelecimentos (1.060) não forneciam toalha de banho e em 42% (671) não havia distribuição de preservativos.

“Isso acaba favorecendo a geração de mercados paralelos nessas unidades”, ressaltou Roberto Antônio Dessié, coordenador do estudo e membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Faltam também bibliotecas em 968 (60%) instituições prisionais e espaço para prática esportiva em 756 (47%) delas. Em 155 estabelecimentos (10%), falta local para banho de sol.

De acordo com o MP, entre março de 2012 e fevereiro de 2013, foram registradas 121 rebeliões no sistema prisional e, em 23 delas, foram feitos reféns. Nesse período, houve 769 mortes, das quais 110 foram classificadas como homicídios e 83 como suicídios. O relatório registra a ocorrência de 23.310 fugas, 3.734 recapturas e 7.264 retornos espontâneos, bem como apreensão de drogas em 654 estabelecimentos prisionais (40% do total visitado).

Quanto à disciplina, o relatório do MP denuncia que 37% (ou 585 estabelecimentos) não observam o direito de defesa do preso na aplicação de sanção disciplinar e que, em quase 65% deles, não há qualquer serviço de assistência jurídica na própria unidade.
Presente à cerimônia de lançamento do relatório, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considera  fundamental a presença de pelo menos um advogado ou defensor público em cada uma dessas instituições, de forma a facilitar a assistência jurídica dos detentos. Para ele, com isso, será possível mudar esse quadro de violência, abuso e de prisões abusivas.

"Essa deveria ser uma meta institucional, e acho que ela é absolutamente factível”, disse o ministro. Segundo ele, esse cenário poderia ser alcançado por meio de parcerias com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou com a ajuda da advocacia voluntária que vem sendo feita por várias instituições. “Claro que com a Defensoria Pública coordenando esse trabalho”, completou Mendes.


Foto: José Cruz/ABr
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*Centrodosocialismo 

Sonegação Regulamentação por uma Mídia Democrática

Todos à porta da Globo: OCUPE A REDE GLOBO DIA 03/07



OCUPE A REDE GLOBO – Assembleia temática “democratização da mídia”

R. Von Martius, 22 – Jardim Botânico – RJ

17:00 – Protocolaremos na Globo o documento da Receita Federal que comprova a sonegação da Globo.

17:30 – Início da Assembleia Temática “Democratização da Mídia”

Durante a assembleia recolheremos assinaturas do abaixo-assinado da Lei da Mídia Democrática.

Organização:
Cidadania Sim! Pig Nunca mais.
Barão de Itararé

Globo: desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil: mostre o DARF

"(...) Mesmo que a Globo tenha pago a dívida, o que ela terá de provar mostrando o Darf, isso não a exime do crime contra o fisco. Quando um ladrão de galinha é flagrado com a galinha em sua panela, o fato de devolvê-la ao dono não lhe tira a desonra de ter roubado. A gente fica imaginando quantas vezes isso não aconteceu antes, quando sua influência junto às autoridades era ainda maior do que hoje. Sendo que sonegação fiscal é o menor crime da Globo. Seus crimes políticos são piores: mensalão dos EUA pra jogar contra o Brasil e apoiar um golpe de Estado; edição de debates em favor de Collor; tentativa de fraudar eleições no Rio de Janeiro, contra o Brizola; tentativas sucessivas de aplicar um golpe em Lula e agora em Dilma. A sonegação e o Darf são o menor problema. Vale um cartaz: não é só o Darf. "

Mensalão da Globo: se pagou, mostra o DARF!
Miguel do Rosário - O Cafezinho - 29/06/2013 – 11:15 pm
Minha fonte me liga para contestar a informação divulgada pela Globo, via UOL, (clique aqui), de que ela quitou a dívida de R$ 615 milhões com a Receita Federal.

A dívida é a soma do impostos mais juros e multa, resultantes de um auto de infração no qual a Receita detectou a intenção da Globo de fraudar o fisco. Em valores atualizados, chegaria perto de R$ 1 bilhão.

“Se ela pagou, então mostra o Darf, o povo quer saber”, diz o garganta profunda deste humilde blogueiro. Darf, como todo bom pagador de impostos sabe, é o documento da receita onde o contribuinte registra o pagamento de uma dívida tributária.

“Se tivesse pago, o processo não estaria constando como ‘em trânsito’, conforme se pode verificar com uma Consulta Processual no site da Receita Federal”.

Eu, um simples blogueiro leigo em assuntos tributários, que não trabalho na Receita, posso apenas repetir os garotos que protestam na rua e dizer à Globo: desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil: mostre o DARF.

Eu consultei o site da Receita e, de fato, consta lá “em trânsito” no processo que investiga a fraude da Globo. O leitor mesmo pode acessar o site da Receita e checar:

http://comprot.fazenda.gov.br/E-Gov/cons_generica_processos.asp
*Saraiva

Outras folgadas vitórias: Plebiscito 68 X 32 Referendo

OUTRAS FOLGADAS VITÓRIAS


Outras folgadas vitórias:

Plebiscito 68 X 32 Referendo;
Constituinte 73 X 27 Imobilismo.
O povão espera que tais vitórias, por enquanto no plano das pesquisas, se tornem realidade entre as quatro linhas do gramado nacional.

Mães de Maio denunciam:

""A burguesia se divertindo com os instrumentos de repressão ao povo"

"A burguesia se divertindo com os instrumentos de repressão ao povo. O mesmo caveirão que é usado para subir em favelas e humilhar gente humilde, o mesmo usado para reprimir os protestos na avenida."
Mães de Maio



*Mariadapenhaneles

Maria Lucia Karam: Por que legalizar as drogas?

Sem pressão social, Congresso vai parar de trabalhar', diz Erundina


Para deputada, é preciso aproveitar o momento para avançar na aprovação de uma reforma política que amplie os mecanismos de participação direta da sociedade nos rumos do país
por Tadeu Breda, da RBA publicado 28/06/2013 10:18, última modificação 28/06/2013 18:53
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Valter Campanato/ABr
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Erundina é autora da PEC 90, cuja tramitação avançou na Câmara após as manifestações
São Paulo – Se a sociedade deixar de pressionar, o Congresso vai parar de trabalhar, acredita a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). A parlamentar conversou com a reportagem ontem (27), por telefone, sobre o frenesi legislativo que, graças aos protestos populares que se espalham pelo país, acometeu a Câmara e o Senado nos últimos dias. “Claro que as pessoas não podem ficar nas ruas a vida inteira, mas, se não aproveitarmos o momento para criar mecanismos de participação direta da sociedade na política, o tempo vai passar, o Congresso vai se desmobilizar e os problemas voltarão.”
Na avaliação de Erundina, prefeita de São Paulo entre 1989 e 1992, as recentes manifestações demonstram que a classe política tem sido “omissa” em relação aos anseios do povo – isso para dizer o mínimo. “A representação, como a conhecemos, está esgotada, esvaziada, sem legitimidade e sem credibilidade”, opina. Para ela, a agitação de deputados e senadores, agora, pode ser vista como uma confissão de culpa. “Não aprovaram os projetos antes porque não quiseram.”
Daí a importância de aproveitar a força das ruas para finalmente aprovar uma reforma política que, entre outros fatores, aumente os espaços de participação popular na definição dos rumos do país. “Ficou bastante evidenciada nessa mobilização a vontade das pessoas de participar das decisões. E hoje não existem mecanismos diretos de participação”, critica. “Os governos decidem questões importantes sem ouvir ninguém. A única instituição que o governo consulta é o Congresso, e o Congresso não está nem aí para a sociedade.”
Erundina está otimista: acredita que, agora que tomaram as ruas, os brasileiros não deixarão de manifestar suas vontades políticas. “Não acredito que vá arrefecer o movimento, até pelas conquistas que foram obtidas”, diz. “O cancelamento do reajuste das tarifas é um fator adicional para reforçar a vontade de reivindicação, de exigir e denunciar aquilo que está ruim na vida do povo.”
A deputada espera aproveitar essa conjuntura favorável para aprovar na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 90, de sua autoria, que inclui o transporte público como um dos direitos sociais reconhecidos pelo artigo 6º da Carta. Esse é um dos caminhos possíveis para uma futura gratuidade das tarifas de ônibus, trem e metrô nas grandes cidades brasileiras, como propõe o Movimento Passe Livre (MPL).
Por que a senhora resolveu apresentar a PEC 90?
Tenho discutido o passe livre no transporte público desde quando fui prefeita de São Paulo, entre 1989 e 1992. A primeira ideia de tarifa zero foi apresentada pelo meu governo. Não se viabilizou porque tinha minoria na Câmara dos Vereadores. Nem sequer discutiram a proposta. Houve também campanha contrária da mídia, porque a implantação da tarifa zero implicaria em aumento do IPTU nos imóveis de maior valor. Foi uma campanha pesada, me ameaçando inclusive de cassação. Eu queria instituir o IPTU progressivo. O IPTU é um imposto justo, porque é direto e incide sobre a propriedade. Seria progressivo, porque cobraria mais dos grandes imóveis, como shoppings, supermercados e terrenos destinados à especulação imobiliária. Os imóveis de até 60 metros quadrados estariam isentos, enquanto os imóveis maiores teriam alíquota maior. O PT, meu partido na época, apoiou.
Mas por que surgiu a ideia de apresentar a proposta em 2011?
Na verdade, a ideia nunca morreu. Mas em 2005 um grupo de jovens começou a querer conhecer melhor a proposta. Participei de debates em universidades e centros acadêmicos em vários estados. O engenheiro Lúcio Gregori, que foi meu secretário de Transportes na época da prefeitura, foi quem elaborou a proposta. Ele também passou a ser procurado para discutir a tarifa zero com os segmentos da sociedade. Em 2011, houve uma forte mobilização do Movimento Passe Livre em São Paulo, que foi crescendo. Daí surgiu a ideia de considerar o transporte público como um direito social na Constituição, como acontece com saúde e educação. Então apresentei a PEC 90, que ficou sem tramitar até agora.
E por que não havia avançado até agora?
Por insensibilidade do governo e do Congresso. Esse clamor popular serviu para acordar a classe política. O sistema está esvaziado. Há 13 anos estou no Câmara, e há 13 anos participo de comissões que discutem a reforma política. Mas nada acontece. Quando as propostas chegam ao plenário, as lideranças e partidos se recusam a votar. Com esse “basta” que foi dado pelo povo, as coisas parecem ter mudado. E não acredito que vá arrefecer o movimento, até pelas conquistas.
O cancelamento do reajuste das tarifas é um fator adicional para reforçar a vontade de reivindicação, exigir e denunciar aquilo que está ruim na vida do povo. Ficou bastante evidenciada nessa mobilização a vontade de participar das decisões políticas. E não existem mecanismo de participação. Os governos decidem questões importantes sem ouvir ninguém. A única instituição que o governo consulta é o Congresso, e o Congresso não está nem aí com a sociedade. Esse movimento está criando condições políticas para que se enfrente a reforma política. Na última comissão formada para discutir o tema, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) não conseguiu sequer aprovar o relatório final. E isso depois de mais de dois anos de discussões e audiências públicas. Agora não será tão fácil deixar de responder aquilo que é uma necessidade da cidadania. Os partidos todos estão em xeque. O Congresso e os governos, também. Foram, no mínimo, omissos.
Como a senhora enxerga essa “pressa” que agora atingiu os parlamentares, que estão aprovando um monte de projetos parados?
É a força do povo, é o poder popular, o povo exercendo seu poder político. Uma das teses que defendemos no Congresso é exatamente a democracia participativa. Agora, com o plebiscito para a reforma política, haverá força para que o Congresso seja obrigado a fazer as mudanças na legislação atendendo aspectos fundamentais exigidos pela população. E um deles certamente será a participação direta, para além da democracia representativa, que está em crise. A representação, como a conhecemos, está esgotada, esvaziada, sem legitimidade e sem credibilidade. As duas Casas começaram a se mexer. É uma confissão de culpa. Não aprovaram os projetos antes porque não queriam.
Está sendo satisfatória a reposta do Congresso?
Na questão dos transportes, desonerar um ou outro tributo não é suficiente para enfrentar problema, que é estrutural. Não é só a tarifa. Existe uma inversão de prioridades do transporte público pelo transporte individual. A maioria dos investimentos é feita no transporte individual: grandes túneis, avenidas largas etc. Até agora, não há participação do transporte individual no custeio do transporte coletivo. Mas, enfim, é um começo. Se a sociedade se desmobilizar... Claro que as pessoas não podem ficar nas ruas a vida inteira, mas, se não aproveitarmos o momento para criar mecanismos de participação direta da sociedade, o tempo vai passar, o Congresso vai se desmobilizar e os problemas voltarão. O povo já demonstrou sua garra. O país nunca havia visto nada parecido, e ainda menos da forma que se deu, espontaneamente, sem atrelamento a partidos ou sindicatos. É um fenômeno que se diferencia de todas as mobilizações que o país já teve.

Marilena Chauí: "convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda

 Marilena Chauí: "convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência"



As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo

por Marilena Chauí


Observações preliminares

O que segue não são reflexões sobre todas as manifestações ocorridas no país, mas focalizam principalmente as ocorridas na cidade de São Paulo, embora algumas palavras de ordem e algumas atitudes tenham sido comuns às manifestações de outras cidades (a forma da convocação, a questão da tarifa do transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiança com relação à institucionalidade política como ponto de chegada) bem como o tratamento dado a elas pelos meios de comunicação (condenação inicial e celebração final, com criminalização dos “vândalos”) permitam algumas considerações mais gerais a título de conclusão.

O estopim das manifestações paulistanas foi o aumento da tarifa do transporte público e a ação contestatória da esquerda com o Movimento Passe Livre (MPL), cuja existência data de 2005 e é composto por militantes de partidos de esquerda. Em sua reivindicação especifica, o movimento foi vitorioso sob dois aspectos: 1. conseguiu a redução da tarifa; 2. definiu a questão do transporte público no plano dos direitos dos cidadãos e, portanto, afirmou o núcleo da prática democrática, qual seja, a criação e defesa de direitos por intermédio da explicitação (e não do ocultamento) dos conflitos sociais e políticos.

O inferno urbano

Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política? As perguntas são justas, mas a perplexidade, não, desde que  voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre o foco dos movimentos populares: a situação da vida urbana nas grandes metrópoles brasileiras.

Quais os traços mais marcantes da cidade de São Paulo nos últimos anos e que, sob certos aspectos, podem ser generalizados para as demais? Resumidamente, podemos dizer que são os seguintes:

- explosão do uso do automóvel individual: a mobilidade urbana se tornou quase impossível, ao mesmo tempo em que a cidade se estrutura com um sistema viário destinado aos carros individuais em detrimento do transporte coletivo, mas nem mesmo esse sistema é capaz de resolver o problema;

- explosão imobiliária com os grandes condomínios (verticais e horizontais) e shopping centers, que produzem uma densidade demográfica praticamente incontrolável além de não contar com uma rede de água, eletricidade e esgoto, os problemas sendo evidentes, por exemplo, na ocasião de chuvas;

- aumento da exclusão social e da desigualdade com a expulsão dos moradores das regiões favorecidas pelas grandes especulações imobiliárias e o conseqüente aumento das periferias carentes e de sua crescente distância com relação aos locais de trabalho, educação e serviços de saúde. (No caso de São Paulo, como aponta Hermínia Maricatto, deu-se a ocupação das regiões de mananciais, pondo em risco a saúde de toda a população); em resumo: degradação da vida cotidiana das camadas mais pobres da cidade;

- o transporte coletivo indecente, indigno e mortífero.  No caso de São Paulo, sabe-se que o programa do metrô previa a entrega de 450 k de vias até 1990; de fato, até 2013, o governo estadual apresenta 90 k. Além disso, a frota de trens metroviários não foi ampliada, está envelhecida e mal conservada; além da insuficiência quantitativa para atender a demanda, há atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle das operações. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTU, que também são de responsabilidade do governo estadual. No caso do transporte por ônibus, sob responsabilidade municipal, um cartel domina completamente o setor sem prestar contas a ninguém: os ônibus são feitos com carrocerias destinadas a caminhões, portanto, feitos para transportar coisas e não pessoas; as frotas estão envelhecidas e quantitativamente defasadas com relação às necessidades da população, sobretudo as das periferias da cidade; as linhas são extremamente longas porque isso as torna mais lucrativas, de maneira que os passageiros são obrigados a trajetos absurdos, gastando horas para ir ao trabalho, às escolas, aos serviços de saúde e voltar para casa; não há linhas conectando pontos do centro da cidade nem linhas inter-bairros, de maneira que o uso do automóvel individual se torna quase inevitável para trajetos menores;

Em resumo: definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, as montadoras de veículos, empreiteiras da construção civil e empresas de transporte coletivo dominam a cidade sem assumir qualquer responsabilidade pública, impondo o que chamo de inferno urbano.


2. As manifestações paulistanas

A tradição de lutas

Recordando: A cidade de São Paulo (como várias das grandes cidades brasileiras) tem uma tradição histórica de revoltas populares contra as péssimas condições do transporte coletivo, isto é, a tradição do quebra-quebra quando, desesperados e enfurecidos, os cidadãos quebram e incendeiam ônibus e trens (à maneira do que faziam os operários no início da Segunda Revolução Industrial, quando usavam os tamancos de madeira – em francês, os sabots – para quebrar as máquinas – donde a palavra francesa sabotage, sabotagem). Entretanto, não foi este o caminho tomado pelas manifestações atuais e valeria a pena indagar por que. Talvez porque, vindo da esquerda, o MPL politiza explicitamente a contestação, em vez de politiza-la simbolicamente, como faz o quebra-quebra.

Recordando: Nas décadas de 1970 a 1990, as organizações de classe (sindicatos, associações, entidades) e os movimentos sociais e populares tiveram um papel político decisivo na implantação da democracia no Brasil pelos seguintes motivos: 1. introdução da idéia de direitos sociais, econômicos e culturais para além dos direitos civis liberais; 2. afirmação da capacidade auto-organizativa da sociedade; 3. introdução da prática da democracia participativa como condição da democracia representativa a ser efetivada pelos partidos políticos. Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas.

Isso quase desapareceu da cena histórica como efeito do neoliberalismo, que produziu: 1. fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial como de serviços) dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta; 2. refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs, cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais; 3. surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda desorganizada e que por isso ainda não tem suas próprias formas de luta e não se apresenta no espaço público e que por isso mesmo é atraída e devorada por ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam a competição, o isolamento e o conflito inter-pessoal, quebrando formas anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.

Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestações guardaram da tradição dos movimentos sociais e populares a organização horizontal, sem distinção hierárquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, diversamente dos movimentos sociais e populares,  tiveram uma forma de convocação que as transformou num movimento de massa, com milhares de manifestantes nas ruas.

O pensamento mágico

A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração  desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de massa, entretanto é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso dessas redes, que possui algumas características que o aproximam dos procedimentos da midia:

1. é indiferenciada: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva, etc. e calhou ser por causa da tarifa do transporte público;

2. tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL), à medida que cresceu passou á recusa gradativa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetáculo de massa. (Dois exemplos confirmam isso: a ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York e que, antes de se dissolver, se tornou um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o caso do Egito, mais triste, pois com o fato das manifestações permanecerem como eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade, deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para outra);

3. assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários e, portanto, não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, deste ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de comunicação de massa. A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicação, qual seja, a idéia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer mediação;

4. a recusa das mediações institucionais indica que estamos diante de uma ação própria da sociedade de massa, portanto,  indiferente à determinação de classe social; ou seja, no caso presente, ao se apresentar como uma ação da juventude, o movimento  assume a aparência de que o  universo dos manifestantes é homogêneo ou de massa, ainda que, efetivamente, seja heterogêneo do ponto de vista econômico, social e político, bastando lembrar que as manifestações das periferias não foram apenas de “juventude” nem de classe média, mas de jovens, adultos, crianças e idosos da classe trabalhadora.

No ponto de chegada, as manifestações introduziram o tema da corrupção política e a recusa dos partidos políticos. Sabemos que o MPL é constituído por militantes de vários partidos de esquerda e, para assegurar a unidade do movimento, evitou a referência aos partidos de origem. Por isso foi às ruas sem definir-se como expressão de partidos políticos e, em São Paulo, quando, na comemoração da vitória, os militantes partidários compareceram às ruas foram execrados, espancados, e expulsos como oportunistas – sofreram repressão violenta por parte da massa. Ou seja, alguns manifestantes praticaram sobre outros a violência que condenaram na polícia,

A crítica às instituições políticas não é infundada, mas possui base concreta:

a)    no plano conjuntural: o inferno urbano é, efetivamente, responsabilidade dos partidos políticos governantes;

b)    no plano estrutural: no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como consequência,  a relação de representação não se concretiza porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação;

c)    a crítica ao PT:  de ter abandonado a relação com aquilo que determinou seu nascimento e crescimento, isto é, o campo das lutas sociais auto-organizadas e ter-se transformado numa máquina burocrática e eleitoral (como têm dito e escrito muitos militantes ao longo dos últimos 20 anos).

Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema político-partidário montado pelos casuísmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do partido político como instituição republicana e democrática. Assim, sob este aspecto, apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são corruptos por essência. Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem empresas  capitalistas movidas por interesses privados. Dessa maneira,  a recusa dos meios de comunicação e as críticas a eles endereçadas pelos manifestantes não impediram que grande parte deles aderisse à perspectiva da classe média conservadora difundida pela mídia a respeito da ética. De fato, a maioria dos manifestantes, reproduzindo a linguagem midiática, falou de ética na política (ou seja, a transposição dos valores do espaço privado para o espaço público), quando, na verdade, se trataria de afirmar a ética da política (isto é, valores propriamente públicos), ética que não depende das virtudes morais das pessoas privadas dos políticos e sim da qualidade das instituições públicas enquanto instituições republicanas. A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a coalizões absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção. Em lugar da ideologia conservadora e midiática de que, por definição e por essência, a política é corrupta, trata-se de promover uma prática inovadora capaz de criar instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática.

Ora, ao entrar em cena o pensamento mágico, os manifestantes deixam de lado que, até que uma nova forma da política seja criada num futuro distante quando, talvez, a política se realizará sem partidos, por enquanto, numa república democrática (ao contrário de uma ditadura) ninguém governa sem um partido, pois é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para concretização dos objetivos e das metas dos governantes eleitos. Bastaria que os manifestantes se informassem sobre o governo Collor para entender isso: Collor partiu das mesmas afirmações feitas por uma parte dos manifestantes (partido político é coisa de “marajá” e é corrupto) e se apresentou como um homem sem partido. Resultado: a) não teve quadros para montar o governo, nem diretrizes e metas coerentes e b) deu feição autocrática ao governo, isto é, “o governo sou eu”. Deu no que deu.

Além disso, parte dos manifestantes está adotando a posição ideológica típica da classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais e, portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmação de muitos manifestantes, enrolados na bandeira nacional, de que “meu partido é meu país”, ignorando, talvez, que essa foi uma das afirmações fundamentais do nazismo contra os partidos políticos.

Assim, em lugar de inventar uma nova política, de ir rumo a uma invenção democrática, o pensamento mágico de grande parte dos manifestantes se ergueu contra a política, reduzida à figura da corrupção. Historicamente, sabemos onde isso foi dar. E por isso não nos devem surpreender, ainda que devam nos alarmar, as imagens de jovens militantes de partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e ensangüentados durante a manifestação de comemoração da vitória do MPL. Já vimos essas imagens na Itália dos anos 1920, na Alemanha dos anos 1930 e no Brasil dos anos 1960-1970.

Conclusão provisória

Do ponto de vista simbólico, as manifestações possuem um sentido importante que contrabalança os problemas aqui mencionados.

Não se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicação, que finalmente os jovens abandonaram a “bolha” do condomínio e do shopping center e decidiram ocupar as ruas (já podemos prever o número de novelas e mini-séries que usarão essa idéia para incrementar o programa High School Brasil, da Rede Globo). Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos poderes executivos municipais, estaduais e federal, assim como as do poder legislativo nos três níveis. Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência, indicaram uma nova possibilidade de práxis política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.

Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes. Com isso, podemos fazer algumas indagações. Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios têm idéia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade), têm idéia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?

Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má-vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

1. estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano e, portanto, enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte que, como todo sabem não se relacionam  pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?

2. estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?

3. estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

4. estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela não faria o subsídio implicar em cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo. Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota. Depois disso, em inúmeras audiências públicas, ela apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio. Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio juntamente com outros recursos da Prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público, e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU. Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas  manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei. A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada. Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra ela. Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.  

Fonte: http://midiafazmal.wordpress.com/2013/06/27/marilena-chaui-sobre-manifestacoes-2013-2/