O “Bagulhão” foi entregue ao então presidente da OAB nacional, Caio Mário da Silva Pereira, que havia dito que não existiam provas contundentes de tortura e prisão irregulares na época. O documento foi entregue a diversas autoridades, mas nenhuma investigação foi aberta.
Comissão da Verdade lança primeira denúncia pública contra torturadores
‘Bagulhão’ foi produzido clandestinamente dentro da prisão durante regime militar e foi entregue a advogado em garrafa de café
POR JULIANNA GRANJEIA
16/06/2014
16/06/2014
Segundo ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, documento assinado por presos que corriam riscos dentro da prisão, é prova cabal dos crimes
SÃO PAULO — A Comissão da Verdade de São Paulo “Rubens Paiva” lançou nesta segunda-feira um livro com a primeira denúncia pública contra torturadores. O documento, chamado de "Bagulhão" — termo usado entre presos —, lista o nome de 233 agentes da ditadura militar e é assinado por 35 presos políticos da época.
Produzido clandestinamente durante cerca de seis anos na prisão de Barro Branco, em São Paulo, a compilação dos registros foi datilografada e colocada dentro de uma garrafa de café e entregue ao advogado Luiz Eduardo Greenhalg (ex-deputado petista), durante uma visita a seus clientes, em 1975.
O “Bagulhão” foi entregue ao então presidente da OAB nacional, Caio Mário da Silva Pereira, que havia dito que não existiam provas contundentes de tortura e prisão irregulares na época. O documento foi entregue a diversas autoridades, mas nenhuma investigação foi aberta.
— O presidente do conselho federal da OAB havia dado uma declaração dizendo que ele gostaria, precisaria, de mais informações a respeito do que se dizia existir no Brasil naquele momento da ditadura militar, de torturas a mortes de presos políticos. O coletivo do Barro Branco, que era o presídio político de São Paulo, decidiu então atender a demanda do doutor Caio Mário e elaborar um documento com os dados que dispúnhamos naquele momento. E nós, os 35 que assinaram, nos posicionamos como vítimas, sobreviventes e testemunhas — contou o psicanalista Reinaldo Morano Filho, que foi companheiro de cela de Eduardo Leite, o Bacuri, assassinado durante a ditadura.
Entre os 233 torturadores listado estão o o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o tenente-coronel Paulo Malhães, morto em abril, e o delegado Sérgio Paranhos Fleury.
— O resgate desse documento é muito importante para o relatório final da Comissão da Verdade para a responsabilização sistêmica do Estado. Os poucos participantes do regime militar que admitem que ocorreram tortura, admitem como exceção. Então, a exceção terá que ser abordada no relatória das comissões da Verdade para dizer que não foi excesso de uma meia dúzia. Essa meia dúzia ou 233 nomes, eles precisam ser conhecidos e identificados. Os presidentes dos altos escalões sabiam o que se passavam. Esse documento, assinado por presos que corriam risco por isso, tem um peso, é uma prova cabal — disse o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, um dos signatários do “Bagulhão”.
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