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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 29, 2010

Irã: quem atira a primeira pedra?






Ainda o Irã...

Irã: quem atira a primeira pedra?





O presidente Lula empreendeu uma delicada operação diplomática para evitar que o Irã utilize a energia nuclear para fins bélicos. As nações mais poderosas do mundo, capitaneadas pelos EUA, logo expressaram sua indignação e discordância: como um "paiseco" como o Brasil ousa querer ditar regras na política internacional?
Marx, Reich e Erich Fromm já nos haviam prevenido que preconceito de classe costuma ser um tabu arraigado. Como alguém que nasceu na cozinha tem o direito de ocupar a sala de jantar?
Pelo critério de George Bush, lamentavelmente preservado por Obama, o Irã faz parte das nações que integram o "eixo do mal". Não morro de amores pela terra dos aiatolás, considero o governo iraniano uma autocracia fundamentalista e discordo do modo patriarcal que o Irã trata as suas mulheres, como seres de segunda classe. Diga-se de passagem, assim também faz o Vaticano, razão pela qual as mulheres são impedidas de acesso ao sacerdócio.
Mas não custa questionar o cinismo dos senhores do mundo com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU: por que Israel tem o direito de possuir arsenal nuclear e o Irã não? Ele jogaria uma bomba nuclear sobre outras nações? Ora, isso os EUA já fez, em 1945, sacrificando milhares de vidas inocentes em Hiroshima e Nagasaki. O Irã desencadearia uma guerra mundial? Ora, o Ocidente civilizado já promoveu duas, a segunda vitimando 50 milhões de pessoas. O nazismo e o fascismo surgiram no Oriente? Todos sabemos: foram criações diabólicas de dois países considerados altamente civilizados, Alemanha e Itália.
Os árabes, ao longo de 800 anos, ocuparam a Península Ibérica. Deixaram um lastro de cultura e arte. A Europa ocupou e saqueou a África e a Ásia, e o lastro é de miséria, mortandade e extorsão. O Irã é uma ditadura? Quantas não foram implantadas na América Latina pela Casa Branca? Inclusive a do Brasil, que durou 21 anos (1964-1985). Há pouco, a Casa Branca apoiou o golpe militar que derrubou o governo democrático de Honduras.
Fortalecido belicamente o Irã poderia ocupar países vizinhos? E o que dizer da ocupação usamericana de Porto Rico, desde 1898, e agora do Iraque e do Afeganistão? E com que direito os EUA mantêm uma base naval, transformada em cárcere clandestino de supostos terroristas, em Guantánamo, território cubano?
Respaldado em que lei internacional os EUA implantaram 700 bases militares em países estrangeiros? Só na Itália existem 14. Na Colômbia, 5. E quantas bases militares estrangeiras há nos EUA?
Há que admitir: o Irã não está preparado para se integrar no seio das nações civilizadas... Nações que financiam, pelo consumo, os cartéis das drogas, tratam imigrantes estrangeiros como escória da humanidade; fazem do consumismo o ideal de vida.
E convém lembrar: fundamentalismo não é apenas uma síndrome religiosa. É, sobretudo, uma enfermidade ideológica, que nos induz a acreditar que o capitalismo é eterno, fora do mercado não há salvação e a desigualdade social é tão natural quanto o inverno e o verão.
Lula candidato era discriminado pelo elitismo brasileiro por não dominar idiomas estrangeiros. Surpreendeu a todos por falar a linguagem dos pobres e revelar-se exímio negociador em questões internacionais.
Sem o apoio do Brasil não avançaria essa primavera democrática que, hoje, semeia esperança de tempos melhores em toda a América Latina. Os eleitores dão as costas às velhas oligarquias políticas e escolhem governantes progressistas.
Essa nova geopolítica latino-americana, que oficializará em 2011 a União das Nações Latino-Americanas e Caribenhas, certamente preocupa Washington. A crise financeira bate as portas das nações mais poderosas do mundo e a Europa entra num período de recessão. O livre mercado, o Estado mínimo, a moeda única (euro), a ciranda especulativa, mergulham numa crise sem precedentes.
Tudo indica que, daqui pra frente, o mundo será diferente. Se melhor ou pior, depende do resultado do embate entre duas forças contrárias: os que pensam a partir do próprio umbigo, interessados apenas em obter fortunas, e os que buscam um projeto alternativo de sociedade, menos desigual e mais humano. É a antiética em confronto com a ética.
[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org

do Blog do Turquinho

Lula - Brasil não negocia de cabeça baixa






Lula - Brasil não negocia de cabeça baixa

Ministro não troca pressão por vaga no Conselho de Segurança

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, acha “infantil” a ideia de estremecimento entre Brasil e EUA por causa do Irã. Mas deixa clara a irritação com a ação americana contra o acordo de Teerã.


“Eles têm o poder de veto, mas não podem violentar a nossa consciência”, afirmou o ministro, para quem a subserviência em troca de um assento no Conselho de Segurança da ONU é inaceitável.


O presidente Lula também reagiu à secretária Hillary Clinton: para ele, armas nucleares é que deixam o mundo inseguro.

O Brasil de Homer Simpson e Garrincha






O Brasil de Homer Simpson e Garrincha

sábado, 29 de maio de 2010


Isso não pode ser verdade, a Dilma não tem a minima condições de ser Presidente, acorda povo Brasileiro, vcs não vê televisão ?? [adriano cardoso] [sbc/sp]

(comentário de um leitor da Folha On-line em matéria sobre pesquisa Sensus dando empate técnico entre Dilma e Serra na margem de erro – erros de redação mantidos)

O brasileiro não é politizado, vamos admitir. Não temos tradição de debater política como argentinos, uruguaios ou chilenos. No máximo é aquela generalização básica de que “político é um espertalhão que rouba o dinheiro dos impostos”. Outro consenso é que honesto ou ladrão, o político que chega lá é “estudado”.

E “Homer Simpson” – o vidiota preguiçoso do sofá, engolidor da Globo & Cia – não aceita a idéia de que um homem sem curso superior pode ser mais esperto que um diplomado. Para ele, na melhor das hipóteses, Lula é um ex-metalúrgico sortudo “se dando bem”. Adicione-se à avaliação de Homer pitadas do universo futebolístico da malandragem de um garrincha – onde o drible é, em última análise, enganar, levar vantagem – e teremos todos os ingredientes para que odeie o “peão” que ousou ser presidente.

Homer tem chiliques, convulsões incontroláveis, com o sucesso “injusto” do presidente. Porque o preconceito contra Lula, impregnado neste cidadão, foi construído lentamente pela mídia das elites paulistas desde os tempos das greves no ABC e da fundação do Partido dos Trabalhadores. Martela a cabeça dos Homers Simpsons há mais de 30 anos. Dividem a sociedade em castas, onde o mais rico é, naturalmente, mais estudado e portanto mais capacitado a governar os mais pobres. Ao pobre cabe conformar-se: não é rico porque não estudou e não estudou porque não é rico. É essa a “lei natural”, a “vontade de Deus” que jamais deve ser subvertida.

Por outro lado, destruir uma pessoa através dos meios de comunicação é mais fácil que construí-la. Porque Homer Simpson, anulado na infância quando deixou de ser o centro do universo, tornando-se um adulto amargo e pessimista é, por isso mesmo, mais receptivo a calúnias, racismo e preconceito que a elogios. Durante os mandatos de Lula, Globo, imprensa e oposição dançaram um heavy metal em seu cérebro. Foram tantos ensaios golpistas que não “colaram”, tanta boataria, tantos factóides infundados, tanta distorção dos fatos e omissão de outros, que a única lógica que move sua mente é sentir-se vítima central de uma enorme conspiração orquestrada por todos à sua volta.

Os cães raivosos que vemos por aí – destilando ódio e preconceito contra o PT, os petistas, Lula, Dilma, etc – são o produto, por um lado, da demonização do governo e por outro, dos bons resultados da economia e índices de crescimento que a mídia se vê obrigada a divulgar sob pena de perder a sua já debilitada credibilidade. Esse revezamento diário entre bom e ruim impede Homer de focar os fatos. Tornou-se um zumbi idiotizado por esta mídia acachapante e teve o seu senso de cidadania desconstruído por completo. Acredita que o brasileiro é um ser inferior, com DNA de vira-latas e, portanto, incapaz de superar seu destino de ser governado pelos “bacanas” da alta sociedade.

Em seus delírios esquizofrênicos, Homer entende que o PT está infiltrado em todas as esferas do poder. Imprensa, oposição, polícia, justiça, economia…”Tá tudo dominado” – suspira ofegante – pelos comedores de criancinhas do PT. E como se não bastasse, ainda tem a imprensa mundial! Homer garante: o PT extrapolou as fronteiras de seu domínio brasileiro e já alcança países como França, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e até a ONU. Por isso é que Lula e o Brasil são tão elogiados pelos editores puxa-sacos da imprensa mundial! São pagos para publicarem isso! E completa confiante: quem domina o PT-que-domina-o-mundo são Hugo Chaves, Fidel Castro e mais recentemente Mahmud Ahmadinejad!

A tragédia psiquiátrica de Homer Simpson é que mídia planta em abundância as sementes golpistas em seu cérebro. Algumas germinam, outras não. Mas todas são abandonadas por lá, à sua própria sorte; não são “descartadas”… E qualquer estudante de primeiro ano de psicologia sabe que boatos e preconceitos, uma vez incutidos na mente, lá permanecem até o “fim dos tempos”. Um exemplo claro disso: recentemente uma pesquisa do Sensus apontava empate técnico entre Serra e Dilma. O fato deixou imprensa e PSDB enfurecidos. A pesquisa foi desacreditada, o instituto acusado de ter manipulado e manchetes e discursos ecoaram em todo o país sua indignação! Em seguida, o PSDB auditou a pesquisa e não encontrou falha alguma. A imprensa silenciou e o assunto morreu. Morreu? Na cabeça de Homer continua lá. Aquela impressão de que houve manipulação não foi descartada. Para ele o Sensus sempre será “(tá tudo)dominado” pelo PT!

É consenso, por exemplo, que hoje o melhor time de futebol do Brasil é o Santos. Mas, se você colocar um Homer de qualquer outra torcida fanática para assistir a um jogo do Santos – desses das goleadas – o cérebro dele não vai traduzir o que os olhos estão vendo. Seu preconceito o impedirá de aceitar a verdade. Por mais explícita que seja. Para ele, goleada e futebol-arte só acontecem quando SEU time joga.

No fundo – por não ter o hábito de ler e discutir política – muita gente vê as eleições sob a ótica do futebol e suas torcidas em final de campeonato. Porque o futebol é tão enraizado que, para muitos, é a base da lógica no seu dia-a-dia. Porque ser torcedor fanático de um time quase sempre implica em ser preconceituoso com os demais. E esses torcedores, se tiverem que escolher entre seu time e a seleção brasileira, preferem que seu time seja campeão. Dane-se a seleção brasileira! O mesmo acontece na política brasileira. Temos visto desde o início do governo Lula, que a oposição e seus “torcedores” preferem que o Brasil afunde, desde que seu “arqui-rival”, o time do governo Lula, caia em desgraça. Um exemplo típico disso foi a campanha contra a CPMF vencida pela oposição. O imposto do cheque, introduzido por FHC para socorrer seu governo desastroso, foi extinto depois de uma campanha hipócrita, em que seus próprios criadores rasgaram a seda a favor do “pobre contribuinte”. Todos perderam. Ao invés de derrotar o governo, a oposição derrotou o Brasil: suprimiu esta verba que Lula destinou à saúde desde o início de seu mandato. Dane-se a saúde pública! Dane-se Lula e o Brasil! Finalmente a oposição fizera a diferença.

Tem gente contando os dias, as horas, os minutos e até os segundos para o término do mandato de Lula. Literalmente! Tenho visto em alguns blogues o reloginho andando pra trás… E o blogueiro destilando o veneno anti-petista usando a cartilha das Folhas, Estadões, Vejas e Globos da vida. Deve ser divertido para os donos da mídia olharem para as seus leitores-crias e ver como já desenvolvem seus argumentos por conta própria. Dezenas de Mainardizinhos, Reinaldinhos Azevedo, Arnaldinhos Jabor, Mirianzinhas Leitoas, Alis Kamel, Boris Casóis (me desculpem os que esqueci de citar aqui), brotando naturalmente do solo adubado pela trilogia preconceito, racismo e individualismo. E mais divertido ainda é ver os Homers Simpsons a sua volta, ensaiando timidamente comentários recheados da típica ortografia fajuta dos iletrados, acostumados a engolir a informação pelos olhos e ouvidos. Nunca ler ou escrever. Estes, mais frágeis, como o nosso amigo Adriano Cardoso – sbc/sp da epígrafe deste texto, vão surtar em breve.

Portanto, psicólogos, psiquiatras, casas de repouso, manicômio e médicos em geral, fiquem de prontidão: o Brasil precisará muito de vocês em janeiro de 2011, quando Dilma Rousseff receberá a faixa presidencial das mãos de Lula.


José Serra nunca foi tão José Serra






sabado, 29 de maio de 2010

José Serra nunca foi tão José Serra

-A - +A

jose-serra



José Serra pelo visto abandonou o discurso enganador de tentar se passar por um candidato lulista. Disse recentemente que o governo da Bolívia seria cúmplice do tráfico de drogas e que “entre 80 e 90% da cocaína consumida no Brasil” seria supostamente produzida no país vizinho.

Ao me deparar com essa diplomacia do candidato tucano pensei que, já que a lógica é essa, em breve veríamos Serra chamar Obama de “cúmplice do tráfico de armas para o Brasil”, pois grande parte dos fuzis utilizados pelos traficantes tupiniquins são feitos na terra do Tio Sam (o AR-15, fabricado pela estadunidense Colt, é um exemplo). Mas não, a lógica do discurso serrista era, na verdade, a de um bom e velho candidato conservador brasileiro: o preconceito e a submissão.

Serra deu essa declaração sobre a Bolívia num contexto em que falava da criação do Ministério da Segurança em um eventual governo seu. O interessante é que o tucano segue um ideário tão antiquado que falando de ‘segurança’ acabou por gerar um conflito diplomático. Se na condição de pré-candidato, o tucano já cria desavenças com nossos vizinhos, que dirá como Presidente.

Nessa mesma semana, aquele que se denomina o “mais experiente” dos postulantes à Presidência da República disse solenemente que os chineses provavelmente deviam gostar de camisinhas que fedem à pena de galinha. Além disso, que o presidente do Irã seria um ditador à moda dos anos 30, ou seja, comparou-o a Hitler.

Tudo isso somado revela algumas coisas: primeiro, um profundo preconceito contra nossos vizinhos e pelos países do Sul – e seus povos. Obviamente que tal postura tem como contrapartida uma conduta servil, submissa aos interesses das potências do Norte. São duas face de uma mesma moeda.

Segundo, também um desprezo pelo Brasil, haja vista que no momento em que o país está prestes a sagrar-se um intermediador de conflitos globais - mediando um acordo com o Irã, algo que seria nossa maior conquista em termos de política externa - José Serra faz uma declaração daquela gravidade sobre o presidente iraniano. É um corrupto, no sentido Antigo da palavra, já que coloca suas aspirações particulares acima do bem-comum, nesse caso não apenas o do Brasil, mas do mundo.

São esses os sinais que José Serra dá sobre o que seria sua presidência: uma ampliação do que foi , um governo de conflitos.

Por um lado, o Brasil tenta construir uma governança global mais democrática, de diálogo e sem a tradicional arrogância do Ocidente. Ou seja, busca-se aprofundar o “lado bom” da globalização, o lado da busca conjunta de soluções para problemas conjuntos; ao mesmo tempo em que construímos uma progressiva união regional com nossos vizinhos (e a relação Sul-Sul) para, entre outras coisas, atenuar o “lado ruim” da globalização: a competição desigual com os países industrializados.

O candidato do PSDB, por sua vez, se mostra um verdadeiro comissário de países ricos, na medida em que se propõe a fazer o contrário: minar nossas relações comerciais e políticas com nossos vizinhos (e com os países do Sul), e colocar o Brasil de cabeça na globalização econômica, o que dizimaria milhões de empregos e empresas no Brasil. Enfim, o que Serra quer é a globalização dos comentaristas da Globo.

Assim, José Serra mostra verdadeiramente a que veio. E não se trataram de “gafes” ou “desequilíbio” por parte do tucano. Não, ele se preparou a vida inteira para isso mesmo: ser um cônsul de Washington em Brasília, tal qual FHC o fora.

PS: revisando este texto, me deparei com novos desrespeitos do ainda pré-candidato (!) Serra para com o país vizinho:

O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, desconsiderou ontem a reação do governo boliviano, que atribuiu as críticas do tucano a uma provável intenção político-eleitoral.

Ela (a resposta da Bolívia) tem o valor de uma nota de R$ 3. Quanto vale uma nota de R$ 3? – questionou na sua passagem por Recife, após o lançamemnto da pré-candidatura de Jarbas Vasconcelos (PMDB) ao governo de Pernambuco.

O pré-candidato repetiu que o governo boliviano, a seu ver, “tem feito corpo mole” no combate ao narcotráfico e defendeu que o Brasil pressione “fortemente” o país vizinho, “não pela força, mas pela pressão moral”. […]

Ele ressaltou ainda que o tráfico deve ser combatido na origem e não somente entre usuários. (fonte)

Como disse um porta-voz boliviano, nas cadeias daquele país boa parte dos que estão presos por tráfico de drogas são brasileiros. E aí, como ficamos? Se se deve combater o tráfico na origem, teria o presidente José Serra coragem de “pressionar moralmente” o governo suíço a proibir a Sig-Sauer de vender suas metralhadoras, que de fato terminam nas mãos do tráfico no Rio de Janeiro?do anti tucano

Se você acha que José Serra deve ser o próximo presidente do Brasil, veja estas imagens.






Se você acha que José Serra deve ser o próximo presidente do Brasil, veja estas imagens.

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Serra presidente do Brasil


Definitivamente, conseguir alguns feitos do tucano José Serra não é para qualquer um. Por exemplo: fazer com que o funcionalismo público paulista decrete uma quase greve-geral (Saúde, Educação e Segurança), mesmo com a economia do país crescendo a ótimos 5,5% anualizados e um dos menores índices de inflação da história recente do país; realmente, para conseguir isso há que se ter uma capacidade incomum.

E enganam-se os que pensam que os feitos do governo Serra param por aí.

Para precaver nossos compatriotas de outros estados, faremos aqui uma retrospectiva do que foi o governo de Serra em São Paulo. Aliás, isso vale para muitos paulistas também, haja vista que a Grande Imprensa (talvez a única intere$$ada na vitória do tucano) omite os fatos e a responsabilidade de Serra sob os acontecimentos em São Paulo – o que faz muitos paulistas pensarem que a culpa do que ocorre aqui no estado é de Lula, de São Pedro, etc.

Aí vão as fotos, que, por incrível que pareça, retratam apenas 3 anos e alguns meses de governo Serra – é tragédia pra mais de metro:

Tropa de Choque na Universidade (USP)


Tropa de Choque contra os policiais civis


Tropa de Choque contra os professores


Revoltas nos bairros pobres da Capital


Obras mal-feitas e superfaturadas


Enchentes


Corrupção: Venda de cargos na cúpula da Polícia Civil

Desvio das verbas do SUS para a roda financeira


Recorde de roubos, estupros, seqüestros…


A despedida de Serra: uma quase greve-geral

Lula lá Der Spiegel






Lula Superstar

Der Spiegel

Com iniciativas sempre novas, o Presidente brasileiro conquista para seu país um peso cada vez maior no mundo. Seu golpe mais recente: convenceu os governantes do Irã de um acordo nuclear controverso – uma chance para evitar sanções e guerra?

Quais foram os palavrões com que ele, na altura, foi chamado: ele seria um comunista, um proletário grosseiro, um bêbado. Mas isso já faz parte do passado. Paralelamente à ascensão da nova potência econômica, o Brasil, sua reputação aumentou de forma surpreendentemente rápida; para muitos, o Presidente brasileiro vale como o herói do Hemisfério Sul, como o contrapeso mais importante de Washington, Bruxelas e Pequim.

A revista norte-americana “Time” foi um pouco mais longe, ao
denominar-lhe, há duas semanas, o “líder político mais influente do mundo”, na frente de Barack Obama.

Na sua pátria, ele já é considerado o futuro titular do Prêmio Nobel da Paz.

Agora, esse Luiz Inácio da Silva, 64, cujo apelido é “Lula”, filho de analfabetos que cresceu em uma favela, lançou novamente um golpe de mestre político: durante uma maratona de negociações, fechou com o governo iraniano uma acordo nuclear.

Na segunda-feira passada, ele apareceu em Teerã triunfante, lado o lado com o Primeiro-Ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan e o Presidente Mahmud Ahmadinejad. Todos os três estavam convictos de que a questão das sanções da ONU contra o Irã, motivadas pelo possível programa iraniano de armas nucleares, teria passado, com isso, a ser história. O mundo ocidental, que tanto insistiu na radicalização das medidas internacionais de punição, parecia surpreso e sem ação.

O contra-ataque de Washington ocorreu já no dia seguinte, começando um novo capítulo do conflito iminente sobre o programa nuclear; Pequim, em particular, por muito tempo se opôs a uma atuação mais rígida. A Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, proclamou: “Em cooperação com a Rússia e a China, chegamos a um consenso sobre um projeto forte”. A planejada resolução sobre sanções será encaminhada para todos os membros do Conselho de Segurança da ONU – também para o Brasil e a Turquia. Atualmente, por um mandato de dois anos, esses dois países têm um assento não-permanente como membros eleitos nesse Conselho de 15 países, dos quais nove membros devem aprovar a resolução antes de poder entrar em vigor.

De maneira explícita, Clinton agradeceu a Lula por seus “esforços honestos”. No entanto, podia-se notar que ela considerava a iniciativa como algo que somente atrapalhava: “Sanções rígidas serão a mensagem inequívoca transmitida para o Irã sobre o que esperamos deles”. Porém, será que a abordagem menos confrontadora de Lula do conflito acerca do programa nuclear não é mais promissora? Será que Lula Superstar, com a retaguarda coberta por um país da OTAN, a Turquia, se deixaria refrear tão facilmente?

Quem conhece sua história, não apostaria nisso: esse homem sempre superou todos os obstáculos, contradizendo todas as probabilidades. Cedo, o pai abandonou a família, a mãe mudou com os oito filhos do Nordeste brasileiro para o Sul industrializado para ter, pelo menos, uma chance de sobreviver. Só aos dez anos, o pequenino aprendeu a escrever e ler. Como engraxate e vendedor de frutas, ajudou a sustentar a família. Trabalhava em uma fábrica de tintas. Lutava para obter uma vaga de aprendiz como metalúrgico. Tinha 25 anos quando faleceram sua mulher e o filho comum que ainda não havia nascido, porque a família não tinha os meios suficientes para pagar o tratamento médico.

Ainda jovem, Lula virou militante político. Nos tempos da ditadura militar, organizou como sindicalista greves ilegais e, nos anos oitenta, várias vezes foi preso. Insatisfeito com a esquerda tradicional, ele fundou um partido próprio, o Partido dos Trabalhadores, que ele transformou, passo a passo, de um partido comunista em um partido social-democrata. Nas eleições presidenciais, sofreu três vezes uma derrota. No entanto, em 2002, conseguiu a vitória, com uma larga vantagem. Foram os pobres e miseráveis nesse país de contrastes econômicos extremos que depositaram sua esperança no líder proletário carismático. Os milionários já haviam abastecido seus jatos, temendo sua expropriação.

Porém, quem esperava ou acreditava em uma revolução ficou surpreendido. Lula, após tomar posse, levou os membros do governo para uma favela, e atenuou, por intermédio de seu programa abrangente “Fome Zero”, a miséria dos desprivilegiados. E não assustou os mercados. Preços elevados de matérias-primas e uma política econômica moderada, baseada em investimentos do exterior, bem como em recursos nacionais de formação e aprendizagem, permitiram a Lula renovar, em 2006, seu mandato.

Em dezembro, terminará o mandato de Lula, que não pode ser reeleito novamente. Do ponto de vista da política interna, ele fez muito bem seu dever de casa, construindo também a figura de sua possível sucessora no cargo. No entanto, o Presidente autoconfiante deixa seu legado mais nitidamente no ambiente da política externa: ele considera imprescindível conseguir para o Brasil, com seus 196 milhões de habitantes, um papel de grande potência mundial, conduzindo o país para um assento no Conselho de Segurança da ONU.

Lula reconheceu que, na busca deste objetivo, deve manter boas relações com Washington, Londres e Moscou. Porém, reconheceu também que contatos estreitos com países como a China, a Índia, países do Oriente Médio e da África talvez sejam ainda mais importantes. Ele se vê como homem do “sul”, como líder dos pobres e excluídos. E ele, naturalmente, também observa o deslocamento do equilíbrio: no ano passado, a República Popular da China, pela primeira vez, superou os EUA como parceiro comercial mais importante do Brasil.

Lula é o único governante de um país que se apresentou não apenas no exclusivo Fórum Econômico Mundial em Davos, mas também no Fórum Social Mundial, com posição crítica à globalização, em Porto Alegre. Sem parar, ele viaja pelo mundo, visitou 25 países somente na África, muitos na Ásia, na América Latina quase todos, sempre com uma comitiva empresarial ao lado. Está sempre proclamando sua crença em um mundo multipolar. E, sendo um orador muito carismático e um líder proletário “autêntico”, no mundo inteiro é saudado pelas massas como se fosse um pop-star.

“I love this guy”, entusiasmou-se também, em 2009, o Presidente Barack Obama, por ocasião do encontro do G20 em Londres.

Hoje, Obama não está mais tão seguro, de jeito nenhum, que Lula é o “cara”. Cada vez mais autoconfiante, o brasileiro se distancia da Washington, e procura às vezes até a confrontação. Por exemplo, no caso de Honduras.

Historicamente, os EUA consideram a América Central o seu “quintal”. Por isso, ficaram muito surpresos quando Lula, no ano passado, ofereceu abrigo ao Presidente derrubado, Zelaya, na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa e exigiu o direito de participar da solução do conflito. Brasília negou-se a reconhecer o novo Chefe de Estado e desta maneira se posicionou claramente contra Obama.

Em seguida, tudo aconteceu muito rápido. Lul viajou a Cuba, encontrou-se com Raúl e Fidel Castro e exigiu o fim imediato do embargo econômico americano. Lula comparou adversários do regime, que sofrem nas prisões de Havana, com criminosos comuns, o que deixou os anfitriões muito contentes. Lula também fez questão de aparecer em público com Hugo Chávez, que vive maldizendo Washington e censura cada vez mais a imprensa do país; na edição 20/2008 do Spiegel, Lula chamou o autocrata de “Melhor Presidente venezuelano dos últimos 100 anos”.

Quando há alguns meses recebeu Ahmadinejad em Brasília, elogiou a sua vitória eleitoral supostamente regular e comparou a oposição persa com torcedores de futebol frustrados. O Brasil também não permitiria intervenções alheias no seu programa nuclear “naturalmente pacífico”, disse.

Apesar da solidariedade demonstrada, muitos estavam céticos quando Lula partiu para Teerã para negociar um acordo nuclear com o Irã – os iranianos, nos últimos meses, demonstravam pouca disposição para um acordo. Durante uma coletiva em Moscou, Medvedev avaliou as chances de um acordo mediado pelo Brasil de no máximo 30%, enquanto Lula disse “eu vejo uma chance de 99%”. Apareceu, nessa ocasião, novamente o ego explícito do homem que veio de baixo. “Ele se considera um curador que pode operar milagres em causas na quais outros fracassaram”, diz Michael Shifter, especialista dos EUA em assuntos latino-americanos.

Se depois de 17 horas de negociações em Teerã, realmente foi conquistado um êxito ou se o acordo é apenas “uma futilidade” (Frankfurter Allgemeine Zeitung) com a qual os iranianos espertalhões pretendem enganar o mundo mais uma vez, não ficou claro, somente há indícios.

Em Viena, a AIEA comunicou cautelosamente que qualquer passo em direção a um acordo nuclear seria um progresso. Por determinação da ONU, os inspetores da AIEA são competentes para controlar instalações nucleares no mundo todo. Nos últimos tempos, encontraram cada vez mais indícios de um programa ilegal de armas nucleares do Irã e exigiram urgentemente que Teerã seja mais aberta à cooperação. Agora a conclusão dos especialistas de Viena, que nunca abandonaram as consultas com Teerã e que nunca insinuaram algo que não pudessem comprovar, será de grande peso. Que os iranianos pretendem comunicar o conteúdo do acordo à AIEA só “dentro de uma semana” é outro motivo para desconfiança.

Governos ocidentais se manifestaram de maneira muito crítica no sentido de que a resolução da ONU, publicada por Clinton imediatamente após o acordo de Teerã, serviria também para acalmar os israelenses. Alguns membros do governo de linha dura de Benjamin Netanyahu reclamam abertamente do “compromisso podre”, e o Ministro do Comércio Benjamin Ben Elieser opina que Teerã pretende “novamente fazer o mundo todo de palhaço”.

Uma avaliação bem interessante do documento Lula-Ahmadinejad-Erdogan foi feita pelo instituto americano ISIS, que sempre defendeu uma solução negociada e considera uma “opção militar” na questão nuclear iraniana impossível. Os especialistas nucleares independentes fazem uma relação detalhada de suas dúvidas e analisam os pontos fracos dos termos do acordo já conhecidos. Os iranianos assumem apenas o compromisso de transportar 1200 kg do seu urânio pouco enriquecido para a Turquia para receberem em troca combustível nuclear para o seu reator de pesquisas de Teerã. As dimensões são iguais às de um negócio proposto pela AIEA em outubro do ano passado, o que na época significaria expedir mais de 75% do urânio já produzido para o exterior e impossibilitar a construção de uma bomba atômica – uma medida para criar confiança, uma pausa para negociações. O acordo atual não considera que o Irã, por causa das novas centrífugas em Natanz, deve dispor atualmente de 2300 kg de urânio; quer dizer que o país pode permanecer com quase a metade da matéria prima para a bomba atômica e dispõe de suficiente material para uma “investida” em direção à arma nuclear.

O acordo oferece, outrossim, uma via de escape decisiva. Aos governantes do Irã é concedido o direito de recuperar o urânio da Turquia se eles acharem que qualquer cláusula do contrato “não foi cumprida”. E o que é mais importante: o acordo não inclui o compromisso de terminar o enriquecimento de urânio – “nem sonhamos com isto”, disse um representante oficial. Mas é justamente isso que a ONU exige, já após três turnos de sanções, de maneira inequívoca. Lula não deve ligar muito para isto. Ele demonstrou que virou um fator indispensável no palco internacional. Na terça-feira, o Presidente do Brasil foi festejado por seus amigos durante a Cúpula América Latina – UE em Madri por causa do seu engajamento pela paz. A sua apresentação demonstrou algo como “vejam, o molusco tem muitos braços”. E ele demonstrou que sabe nadar no aquário dos tubarões grandes. Nos bastidores, Lula Superstar costuma contar como curou os diplomatas brasileiros da síndrome de vira-lata; assim ele denomina o profundo complexo de inferioridade que muitos dos seus compatriotas até pouco tempo atrás sentiam frente a americanos e europeus. Foi em 2003, na grande estréia internacional de Lula na cúpula do G-8 em Evian na França. Todos estavam sentados no Hotel do congresso e esperaram por George W. Bush. Quando este finalmente entrou no salão, todos levantaram, só Lula ficou sentado e mandou o seu Chanceler fazer o mesmo. “Eu não participo deste comportamento servil” disse o Presidente do Brasil. “Quando eu entrei, também ninguém levantou.”

doLuis Favre

Livro de Roubini alerta que EUA sofrerão crise de dívida. Ele reserva seu otimismo apenas aos emergentes

Livro de Roubini alerta que EUA sofrerão crise de dívida. Ele reserva seu otimismo apenas aos emergentes

As novas previsões do Dr. Apocalipse

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Luciana Rodrigues –

Turco, filho de judeus iranianos, criado na Itália e com uma respeitada carreira de economista nos Estados Unidos. A trajetória pessoal de Nouriel Roubini é tão improvável como pareciam ser suas previsões sobre a economia global no longínquo setembro de 2006. Naquela ocasião, Roubini fez sua primeira advertência pública sobre os riscos de uma crise financeira global sem precedentes, cujo estopim seria a inadimplência em créditos imobiliários de alto risco. Exatos dois anos depois, o colapso do Lehman Brothers detonou um choque nos mercados não visto desde a Grande Depressão dos anos 30. Agora, a previsão mais alarmista do Dr. Apocalipse — apelido jocoso dado a Roubini pelos céticos quanto às suas “profecias” — é que, a exemplo da Grécia, os EUA também estarão, em breve, na mira do mercado, devido a seu elevado déficit fiscal.

“Os Estados Unidos tornaram-se o maior devedor do mundo, com uma dívida assombrosa de US$ 3 trilhões”, alerta Roubini no livro “A economia das crises — um curso-relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional”, escrito em co-autoria com o historiador Stephen Mihm, lançado ontem no Brasil (Editora Intrínseca, 368 páginas, R$ 39,90).

Roubini afirma que, além dos EUA, Japão e Reino Unido podem ser alvo dos “bond vigilantes”, ou seja, investidores relutantes em financiar endividamentos públicos elevados.

Mais uma vez, o economista parece acertar nas previsões. O livro foi lançado nos EUA em 11 de maio. Anteontem, ao apresentar a nova Estratégia de Segurança Nacional, Barack Obama foi o primeiro presidente americano a mencionar o déficit fiscal como uma questão estratégica para a segurança do país. O risco americano, diz Roubini no livro, é sua dependência do financiamento externo, sobretudo chinês, e o tipo de barganha — no campo geopolítico e em questões de segurança — que a China pode tentar impor se a situação fiscal nos EUA se deteriorar.

A Grécia também está no oráculo de Roubini. No livro, ele já alerta que o país “poderia perder o acesso aos mercados de dívida em algum momento de 2010”, tendo que ser socorrido por FMI e União Europeia, o que se confirmou. O desdobramento dessa crise, prevê, pode ser um contágio de outros europeus endividados e uma ruptura da zona do euro com “uma destruição parcial da própria UE”.

E não é só. Fazendo juz a seu apelido, Roubini traça um sombrio panorama para as finanças internacionais nas próximas décadas. Para ele, depois da “Grande Moderação” — as últimas décadas do século XX, quando as economias avançadas cresceram com baixa inflação — o século XXI viverá a “Grande Instabilidade”.

Num estilo direto, e talvez por isso às vezes superficial, recorrendo a uma miscelânea de referências intelectuais — que incluem os badalados economistas John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter, de correntes diversas — Roubini defende que a saída para sobreviver a essa era de instabilidade é mais regulação do setor financeiro, mais coordenação internacional e mais proteção social aos trabalhadores.

Roubini reserva seu otimismo apenas aos emergentes que, acredita, vão liderar o crescimento global. Nos dois parágrafos que destina ao Brasil, diz que o país é uma “economia dinâmica”, mas que precisa reduzir a dívida da previdência social e capacitar a força de trabalho.

do Luis Favre

Acabou o século americano






28 de maio de 2010 às 19:15

Dilip Hiro

Dilip Hiro: Acabou o século americano

A política sem rumo de Obama e uma superpotência evanescente

27/5/2010, Dilip Hiro*, Tom Dispatch – traduzido por Caia Fittipaldi

Façam a política que fizerem, todos os políticos dos quais mais se deva desconfiar do que confiar apresentam, todos, um traço comum: todos são indiferentes ao dano que causam, em muitos casos, ao mundo. George W. Bush é bom exemplo; Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, outro exemplo. No que tenha a ver com política externa, vemos acontecer a mesma coisa hoje, na Casa Branca de Obama.

O padrão-Obama de governar é claro: escolha alguém, no ‘mundo exterior’, e pressione. Ameace. Diga que você fará e acontecerá se ele não se curvar aos desejos de Washington. Quando ‘o inimigo’ não se render e, pior, se responder e falar grosso, retroceda correndo, trate de supercompensar o fracasso com vitórias em alguma outra área e entre em modo ‘reparar danos’.

Em seu pouco mais de um ano de governo, Barack Obama já deu vários exemplos de como governar à sua moda. O presidente dos EUA absolutamente é incapaz de avaliar o peso das cartas de um ou outro dos adversários que escolha atormentar, nem sabe avaliar a determinação de jogar aplicadamente com as cartas que cada um tenha.

Obama tende à retirada, ao primeiro sinal de resistência; o que mostra que não é homem nem de coragem nem de convicções, dois ingredientes cuja presença ou ausência definem os políticos profissionais e os estadistas. Insistindo numa política externa sem rumo, rateando sempre que tem de enfrentar desejos diferentes dos seus, Obama, sem querer, ajuda a dar razão aos que dizem que os EUA já não são nem superpotência nem poder emergente: são poder evanescente – e que a evanescência da ex-única-superpotência é irreversível.

Dentre os que se recusaram a ceder ante a tática linha-dura das ameaças iniciais de Obama (e ante o impacto do poder dos EUA) estão hoje, não só os presidentes de China (megapotência, das grandes) e do Brasil, potência mediana, mas também os líderes israelenses, poder apenas local e visceralmente dependente de Washington para a própria sobrevivência, e até o Afeganistão, estado-cliente. Até aí, ainda sem mencionar a junta militar de Honduras, entidade desimportante, mas que enfrentou as ordens de Obama como se fosse o Politburo da ex-URSS.

Em Honduras, Obama rateou

Quando derrubaram o governo civil e eleito do presidente Manuel Zelaya em junho de 2009, os generais hondurenhos passaram a fazer jus à vergonhosa distinção de serem os primeiros autores de golpe na América Central, da era pós-Guerra Fria. Por que o golpe? O fator decisivo foi o presidente Zelaya ter optado por um Referendum (só consultivo, que nada decidiria), para que a população se manifestasse sobre alterações a serem introduzidas na Constituição. As alterações, se houvesse, seriam feitas pelo Parlamento, votadas, aprovadas ou rejeitadas.

Ao denunciar o golpe como “terrível precedente” na região, e exigir a volta ao Estado de Direito em Honduras, o presidente Obama começou por dizer e repetir que “não queremos voltar àqueles dias negros do passado. Somos e estamos do lado da democracia.”

Para dar peso às palavras, Obama precisaria ter retirado seu embaixador de Tegucigalpa (como fizeram Bolívia, Brasil, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela) e suspenso imediatamente a ajuda dos EUA, da qual Honduras depende. Nada disso. Em vez dessas atitudes, o que se viu foi a secretária de Estado Hillary Clinton, que declarou que o governo Obama não classificaria formalmente o golpe como golpe… “por hora” – e mesmo depois de a ONU, a OEA e a União Europeia já o terem feito.

Dado que os EUA recuaram, os generais golpistas encheram-se de coragem. Com eles, encorajaram-se também os seus apoiadores no Congresso. O governo imposto de Roberto Micheletti, testa-de-ferro dos militares golpistas contratou uma renomada empresa de “Relações Públicas” em Washington, e puseram-se a trabalhar.

Bastou isso, para enfraquecer toda a “decisão” democrática do presidente dos EUA, homem de belos discursos, mas sem qualquer convicção política no que tenha a ver com política exterior. Foi quando a secretária de Estado Clinton pos-se a tagarelar sobre reconciliar o presidente deposto e o governo golpista de Micheletti, tratando-os ambos os grupos, um governo legítimo e um governo ilegítimo, como se fossem irmãos gêmeos.

Os generais hondurenhos logo viram que a tática de fingir que Washington não pia estava dando bons resultados; e empinaram o peito. Só quando Clinton disse e repetiu que o Departamento de Estado não reconheceria o resultado da eleição presidencial de novembro, porque haveria dúvidas quanto à transparência e lisura das eleições, os generais aceitaram conversar, um mês antes das eleições. Concordariam com a volta de Zelaya ao palácio, para levar o mandato até o término.

Foi quando o senador Republicano linha-dura de direita Jim DeMint, fanático apoiador dos generais hondurenhos, entrou em ação. O governo Obama só receberia aprovação para seus indicados para postos-chave na América Latina, se a secretária Clinton reconhecesse o resultado das eleições, e pouco importava o que fosse feito de Zelaya. Clinton capitulou.

Como resultado, Obama passou a ser o segundo presidente – o outro foi o presidente do Panamá – dos 34 países-membros da OEA, a apoiar a nova “eleição” presidencial em Honduras. O que talvez pareça negociação rotineira na política doméstica do Capitólio foi vista na comunidade internacional que interessa como humilhante retirada do governo Obama, ao ser desafiado por um punhado de generais hondurenhos. Vários políticos e grupos políticos, é claro, tomaram nota.

Retirada ainda mais dramática, seria imposta a Obama, quando trançou chifres com o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu.

O esperto Netanyahu levou a melhor

Ao assumir Obama, a Casa Branca anunciou com muita fanfarra que começaria imediatamente a cuidar da difícil questão Israel-palestinos. Examinando então o ‘Mapa do Caminho’ de 2003, de uma paz apoiada pela ONU, por EUA, Rússia e União Europeia, descobriram que Israel, um dia, prometera cessar completamente a construção nas colônias exclusivas para judeus, eufemisticamente chamadas pela Casa Branca e sua mídia, de “assentamentos”.

Na primeira reunião com Netanyahu em meados de maio de 2009, Obama exigiu a suspensão imediata de qualquer construção nas colônias na Cisjordânia e na parte ocupada de Jerusalém Leste, onde já vivem cerca de meio milhão de judeus. Disse que ali estaria o principal obstáculo ao estabelecimento de um Estado palestino independente. Netanyahu rugiu – e jogou a carta iraniana: que o programa nuclear iraniano seria ameaça existencial a Israel.

Obama caiu como patinho na armadilha de Netanhyahu. Em conferência conjunta de imprensa, Obama aproximou as duas questões: as conversações de paz entre israelenses e palestinos e a ameaça que o Irã representaria para a sobrevivência de Israel. Em seguida, para deleite de Netanyahu, Obama deu prazo – “até o final do ano” – a Teerã, para responder aos seus acenos diplomáticos. Assim, o astuto primeiro-ministro de Israel levou o presidente dos EUA a apertar o nó que, dali em diante, manteria atadas uma à outra as duas questões, as quais antes, sempre existiram desconectadas uma da outra. E Netanhyahu sequer precisou oferecer alguma coisa em troca do serviço que Obama prestou-lhe.

Depois, Netanyahu introduziria nova diferença entre a expansão das colônias exclusivas para judeus já existentes e a construção de novas colônias; e a nada se comprometeu, em relação às já existentes. Ainda mais, separou completamente a Cisjordânia e Jerusalém Leste, a qual, como jamais parou de repetir, seria parte integral e inseparável e “capital eterna de Israel” e, portanto, não sujeita a qualquer restrição que se definisse sobre construção nas novas (e também nas velhas) colônias exclusivas para judeus.

No mesmo estilo cenográfico de todo o governo Obama, Clinton respondeu com o que parecia ser firmeza: “Não haverá exceções no congelamento dos assentamentos”. Logo depois, se viu que não passavam de palavras ocas, que nada mudaram na questão real.

Quando Netanyahu rejeitou publicamente as exigências de Obama, de que pusesse fim a construções nas colônias na Cisjordânia, Obama subiu o cacife: sugeriu que a intransigência dos israelenses aumentaria os riscos para a segurança dos EUA.

Dia 15/10, depois de muito vai-e-vem de coxias entre os dois governos, Netanyahu anunciou que dera por encerrada a discussão com Washington sobre “os assentamentos”. Em seguida, em reunião posterior com Clinton, disse que reduziria algumas construções em algumas colônias. A jogada valeu-lhe agradecimentos efusivos da secretária Clinton, que apresentou o gesto como “concessão sem precedentes”, sinal evidente de que, sim, sim, seria possível retomar sem condições as conversações de paz entre palestinos e israelenses.

Os palestinos enfureceram-se com os EUA virarem-lhe tão acintosamente as costas. “Supus que os EUA fossem contrários à expansão das colônias ilegais”, disse um furioso porta-voz do governo palestino, Ghassan Khatib. “Precisamos de negociações para acabar com a ocupação, não de novas colônias para aprofundar a ocupação.”

Em dezembro, Netanyahu aceitou uma moratória de dez meses na construção nas colônias, mas só depois de o Estado ter autorizado a construção de mais 3.000 apartamentos na Cisjordânia ocupada. Firmes na posição assumida, os palestinos rejeitaram qualquer simulacro de conversações de paz, até que a construção de novos prédios nas colônias exclusivas para judeus venha a ser realmente paralisada.

Dia 9/3/2010, exatamente quando o vice-presidente Joe Biden chegava a Jerusalém, como parte da campanha de Washington para iniciar o “processo de paz”, as autoridades do governo de Israel divulgaram a aprovação para que se construam mais 1.600 novas casas exclusivas para judeus em Jerusalém Leste. Movimento violento e arrogante, aprofundou o desafio à autoridade de Obama e enfureceu Biden (além de Obama).

Com sua proposta de reforma da Saúde em disputa por aprovação na Câmara de Deputados, dia 24 de março, quando recebeu Netanyahu em Washington, Obama estava numa roda viva. Ao que se sabe, apresentou três condições para dar por encerrada a crise com Biden: estender o congelamento de novas construções nas colônias, para até depois de setembro de 2010; fim de qualquer novo projeto de construção em colônias em Jerusalém Leste; e retirada dos soldados de Israel para trás das linhas existentes antes da Segunda Intifada. E Obama deixou Netanyahu em reunião com assessores na Casa Branca, para só voltarem a reunir-se quando “houver alguma novidade”. Mais uma vez, como no caso dos golpistas de Honduras, a fala de Obama não passou disso: fala.

O objetivo de toda essa atividade foi conseguir que os palestinos voltassem à mesa das conversações de paz com Israel, conversações muito justificadamente suspensas pelos palestinos quando Israel atacou a Faixa de Gaza em dezembro de 2008. Netanyahu aceitaria novas conversações, desde que “sem qualquer precondição” imposta pelos palestinos.

Ao final, Netanyahu obteve praticamente tudo que queria: nem teve de aceitar precondições do governo Obama, nem teve de aceitar precondições dos palestinos. Em resumo, Obama curvou-se aos desejos de Netanyahu. O cachorro sacudiu o rabo.

Os infelizes representantes da Autoridade Palestina entenderam a mensagem. Depois de alguns protestos apenas rituais, aceitaram participar de “conversações indiretas” com o governo Netanyahu, com George Mitchell, enviado de Washington ao Oriente Médio, levando as conversas de um lado ao outro. ‘Isso’, chamado “conversações indiretas”, começou dia 9/5/2010. Ao longo dos próximos quatro meses, a dura missão de Mitchell será tentar diminuir as diferenças (cada dia maiores) entre o que Israel e os palestinos entendem por “Estado palestino” – sendo que, agora, os dois lados sabem que o governo Obama meterá o rabo entre as pernas e não pressionará Israel, aconteça o que acontecer.

Escaramuças com a China e, de repente, aquecimento

Os problemas de Obama com a República Popular da China começaram em novembro de 2009 quando, para grande desapontamento de Obama, o governo chinês não lhe deu tratamento de Alteza Real em sua primeira visita à China.

As relações Washington-Pequim esfriaram ainda mais quando o governo Obama autorizou venda no valor de 6,4 bilhões de dólares de armamento avançado a Taiwan, inclusive mísseis antimísseis, e Obama recebeu o Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, na Casa Branca (embora num salão secundário). A República Popular da China considera Taiwan província separatista e o Tibete como parte da República chinesa, o que faz do Dalai Lama chefe de grupo separatista, aos olhos de Pequim.

Altos funcionários dos EUA qualificaram seus movimentos como “um troco” que Obama estaria dando à China, a qual estaria apostando mais alto do que podia. Com esses movimentos, prosseguiu, incansável, a pressão para que Pequim valorizasse sua moeda, o yuan. O governo de Obama serviu-se de uma lei que exige que o Departamento do Tesouro notifique, duas vezes ao ano, casos de país que manipule a taxa de câmbio entre sua moeda e o dólar americano em busca de ganhos extra no comércio internacional. A data para o próximo relatório desse tipo – antessala para possíveis sanções –, 15 de abril, foi repetida ad nauseam por funcionários do Tesouro e do governo dos EUA.

Em meados de abril, Obama estava preparando um encontro sobre segurança nuclear internacional em Washington. Queria reunir o maior número possível de presidentes. No mínimo, queria reunir os líderes dos quatro países nucleares com poder de veto no Conselho de Segurança – Grã-Bretanha, França, Rússia e China.

Era o que esperava o presidente chinês Hu Jintao, sobre cuja cabeça pendia a espada obamiana, que ameaçava denunciar a China pelo crime de manipular a moeda contra o dólar. Hu declarou que não compareceria à reunião ‘nuclear’ de Obama. Obama piscou. Adiou a data para divulgação do parecer do Departamento do Tesouro, sine die. Em troca, Hu viajou a Washington e encontrou-se com Obama no Salão Oval, na Casa Branca.

Pequim – o coletivo de dirigentes muito realistas e muito experientes – não foi surpreendida por tensões montantes entre China e EUA. A atitude deles apareceu manifesta em editorial do China Daily, pouco depois da posse de Obama. “Os líderes dos EUA jamais se mostraram contidos, ao falar das suas ambições nacionais”, lia-se lá. “Para eles, está-lhes garantida a glória por direito divino, independente do que pensem os demais países.” E o editorial previa que “Obama, que defenderá os interesses dos EUA, acabará inevitavelmente em confronto com os interesses dos demais países.” Exatamente o que se vê acontecer hoje, repetidas vezes.

Esse realismo contrasta vivamente com o estado de espírito da Casa Branca, onde se crê, simploriamente, que alguns poucos discursos enunciados em capitais por todo o mundo, por um eloquente novo presidente, bastariam para restaurar o prestígio dos EUA que as políticas de George W. Bush deixou em ruínas. O que o presidente e sua entourage parecem não ver, contudo, apareceu em pesquisa do importante Pew Research Center. Mostrava-se ali que, depois da campanha pública da diplomacia de Obama, enquanto a imagem dos EUA realmente melhorara consideravelmente na Europa, México e Brasil, a melhora foi menos significativa na Índia e na China; foi apenas marginal no Oriente Médio árabe; e igual a zero na Rússia, Paquistão e Turquia .

Paralisado num modo autocongratulatório, a equipe de Obama não deu atenção à ampla gama de opções de jogo que ainda há em mãos de outras potências, para retaliar contra a pressão dos EUA. Por exemplo, não previram que Pequim ameaça impor sanções contra grandes empresas norte-americanas fornecedoras de armas a Taiwan; tampouco previram a dura resistência da República Popular da China, que não considerou, até agora, sequer a possibilidade de desvalorizar o yuan.

Há quem atribua o comportamento dos chineses a um crescente nacionalismo e ao medo, nos líderes, de que, se cederem a pressão de “estrangeiros”, abalarão a própria imagem “interna”. Mas a verdadeira razão pela qual os chineses resistem tem mais a ver com as durezas da economia, do que com qualquer preocupação com emoções populares. Nos dias iniciais da Grande Recessão de 2008-09, simbolizada pelo colapso do gigantesco banco de investimentos Lehman Brothers, a China logo farejou movimentos tectônicos em andamento no próprio equilíbrio do poder econômico internacional – com desgaste importante à, até então, “única superpotência”.

Enquanto se contraíam as economias de EUA e Europa, Pequim rapidamente adotou políticas que visavam a estimular a demanda interna e os investimentos em infraestrutura. Daí nasceu crescimento impressionante: 9% no PIB em 2009, com 12% já previstos para 2010. Com isso, até os analistas do Goldman Sachs já preveem que a China será a primeira potência econômica mundial, já a partir de 2050.

Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, não são os EUA que arrancam o resto do mundo das garras do crescimento negativo: é a China. Os EUA emergiram da carnificina financeira como a nação mais endividada do planeta, sendo a China o principal credor, com impressionantes – e sem precedentes – reservas de $2,4 trilhões em moeda estrangeira.

Suas ricas corporações endinheiradas estão comprando empresas e recursos naturais futuros da Austrália ao Peru, do Canadá ao Afeganistão onde, ano passado, o Congjiang Copper (cobre) Group, corporação chinesa, ofereceu $3,4 bilhões – um bilhão de dólares a mais que a mais alta proposta das metalúrgicas ocidentais – para assegurar-se o direito de minerar cobre de um dos mais ricos depósitos do planeta.

Karzai, o Perigo, torna-se Karzai, o Indispensável

Ao assumir a presidência, Obama não fez segredo do desagrado que lhe inspirava o presidente afegão, Hamid Karzai. Para dispensar-se de enfrentar a viciosa corrupção que contamina todo o governo afegão, altos funcionários e militares dos EUA inventaram a ideia de negociar diretamente com os governadores das províncias e distritos afegãos. Na eleição presidencial de agosto de 2009, escolheram apoiar Abdullah Abdullah, principal e importante adversário de Karzai, como todos sabiam.

Quando Karzai manipulou pesadamente as eleições para garantir a reeleição, e fez-se de surdo aos clamores de Washington para que ‘limpasse’ o governo, Obama decidiu servir-se do porrete para disciplinar mais esse regime-cliente. Em gesto dramático, embarcou para viagem de 26 horas – de Washington a Cabul –, no último fim-de-semana de março, para dar lições pessoais a Karzai sobre sua (de Karzai) incompetência para governar e combater a corrupção. Karzai, sem alternativas, deixou que Obama falasse e nada disse.

Quando, porém, Karzai soube, pelos jornais, que um militar norte-americano não identificado havia sugerido que seu meio irmão mais jovem, Ahmed Wali, principal representante do governo Karzai na província de Candahar, no sul, deveria ter seu nome incluído na lista do Pentágono de barões da droga a serem assassinados ou presos, a paciência de Karzai esgotou-se, de vez.

O presidente afegão indignado respondeu com declarações de que os EUA obravam deliberadamente para intensificar e aprofundar a guerra no Afeganistão, para conseguir permanecer na região; não para pacificá-la, mas para controlá-la. Disse também que, se Washington insistisse nessa tática suja, aliar-se-ia aos Talibã. (Karzai, de fato, foi importante arrecadador de fundos para financiar os Talibã, depois que capturaram Cabul, em setembro de 1996.)

Obama reagiu como sempre, em iguais circunstâncias: se desafiado, retrocede. De porreteador maluco, transformou-se instantaneamente em distribuidor de cenouras durante a visita de Karzai a Washington no início de maio (a qual, em março, a equipe de Obama ameaçava adiar indefinidamente).

O ponto alto do movimento de bajular Karzai – digno de ser incluído em versão contemporânea de Alice no País das Maravilhas – foi um jantar oferecido a ele pelo vice-presidente Joe Biden, em sua mansão. Karzai, além de sentir-se vingado, deve ter rido muito. Em fevereiro, Biden protagonizara movimento de ofensa operística, ao levantar-se e sair de jantar com Karzai no palácio presidencial, depois de Karzai ter desmentido que seu governo fosse corrupto e dito que, mesmo que houvesse corrupção, o grande corruptor jamais foram nem ele nem sua família.

Apesar do tratamento “tapete vermelho”, e das táticas de “ofensiva de charme” e “poder soft”, Karzai foi cristalmente objetivo e claro na entrevista coletiva; ao lado de Obama, declarou que “o Irã é nação amiga do Afeganistão, nossa nação-irmã”.

Sentimentos semelhantes foram pouco depois expressos também por outro presidente – no Brasil.

O presidente Lula do Brasil e Obama

Desde que assumiu a presidência no Brasil, em 2003, Luiz Inacio Lula da Silva, sempre que necessário, trilhou caminho diferente do prescrito por Washington. Na Rodada de Doha, a questão foi o comércio mundial. E o mesmo se tem visto nas questões de aquecimento global e das sanções contra Cuba.

Em dezembro de 2008, o presidente do Brasil presidiu reunião de 31 países latino-americanos e do Caribe, excluídos os EUA, num centro turístico em território brasileiro, Sauípe. Mês seguinte, em vez de ir ao Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, da Silva compareceu ao 8º Fórum Social Mundial em Belém, cidade à beira do rio Amazonas.

Criticou o modo como Obama desconsiderara a via democrática em Honduras e, apesar do desagrado manifesto do governo Obama e da oposição no Brasil, convidou o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad a visitar Brasília em novembro de 2009 para conversações sobre o programa nuclear iraniano – primeiro movimento importante da diplomacia brasileira sob seu governo. (Uma semana adiante, da Silva recebera calorosamente o presidente Shimon Peres de Israel, em Brasília.) Seis semanas depois, da Silva estava em Teerã – e fez história, para desconsolo patético de Washington.

Atuando em conjunto com o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, da Silva reviveu uma proposta de acordo nuclear de outubro de 2009 e, contra todas as expectativas, conseguiu definir um acordo nuclear com Ahmadinejad.

Surpreendido, de fato aturdido, com o sucesso de Brasil e Turquia, e com a pouca importância que haviam dado à ‘desaprovação’ de Washington, o governo Obama desconsiderou toda a própria política até ali e passou a exigir que o Irã cancelasse seu programa de enriquecimento de combustível nuclear. E pôs-se freneticamente a tentar impor ao Conselho de Segurança da ONU uma resolução para mais sanções contra o Irã, como se o acordo costurado por Brasil e Turquia não existisse.

A dificuldade para ver a realidade é miopia, para dizer o mínimo. A incapacidade para avaliar, do presidente dos EUA e de sua secretária de Estado, ignora todos os movimentos relevantes que agitam o mundo (real), hoje. A influência das potências ‘medianas’ no cenário mundial está aumentando. Todos os governos, no mundo, sentem – com razão – que não precisam render-se ‘preventivamente’ às exigências de Washington. Nada mais estimulante, hoje, do que esse movimento.

Esse é o caminho pelo qual essas potências ‘medianas’ (ditas “emergentes”, mas, de fato, já plenamente “emergidas”), começam a conseguir reunir-se e atuar nas questões internacionais, tomando iniciativas diplomáticas com boa chance de serem bem-sucedidas.

Hoje, em todo o mundo, do Afeganistão a Honduras, do Brasil à China, líderes globais, dos maiores aos menores, pressentem que o governo Obama mais late que morde. É evidência de que, por mais que os EUA ainda sejam potência mundial, já não são nem a única nem a determinante. Esse desgraçado “século dos EUA” está irreversivelmente a caminho do fim.

* Sobre o autor, em http://en.wikipedia.org/wiki/Dilip_Hiro

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

http://www.tomdispatch.com/post/175254/tomgram:_dilip_hiro,_obama’s_flip-flop_leadership_style/


do VIOMUNDO