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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 29, 2010

Irã: quem atira a primeira pedra?






Ainda o Irã...

Irã: quem atira a primeira pedra?





O presidente Lula empreendeu uma delicada operação diplomática para evitar que o Irã utilize a energia nuclear para fins bélicos. As nações mais poderosas do mundo, capitaneadas pelos EUA, logo expressaram sua indignação e discordância: como um "paiseco" como o Brasil ousa querer ditar regras na política internacional?
Marx, Reich e Erich Fromm já nos haviam prevenido que preconceito de classe costuma ser um tabu arraigado. Como alguém que nasceu na cozinha tem o direito de ocupar a sala de jantar?
Pelo critério de George Bush, lamentavelmente preservado por Obama, o Irã faz parte das nações que integram o "eixo do mal". Não morro de amores pela terra dos aiatolás, considero o governo iraniano uma autocracia fundamentalista e discordo do modo patriarcal que o Irã trata as suas mulheres, como seres de segunda classe. Diga-se de passagem, assim também faz o Vaticano, razão pela qual as mulheres são impedidas de acesso ao sacerdócio.
Mas não custa questionar o cinismo dos senhores do mundo com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU: por que Israel tem o direito de possuir arsenal nuclear e o Irã não? Ele jogaria uma bomba nuclear sobre outras nações? Ora, isso os EUA já fez, em 1945, sacrificando milhares de vidas inocentes em Hiroshima e Nagasaki. O Irã desencadearia uma guerra mundial? Ora, o Ocidente civilizado já promoveu duas, a segunda vitimando 50 milhões de pessoas. O nazismo e o fascismo surgiram no Oriente? Todos sabemos: foram criações diabólicas de dois países considerados altamente civilizados, Alemanha e Itália.
Os árabes, ao longo de 800 anos, ocuparam a Península Ibérica. Deixaram um lastro de cultura e arte. A Europa ocupou e saqueou a África e a Ásia, e o lastro é de miséria, mortandade e extorsão. O Irã é uma ditadura? Quantas não foram implantadas na América Latina pela Casa Branca? Inclusive a do Brasil, que durou 21 anos (1964-1985). Há pouco, a Casa Branca apoiou o golpe militar que derrubou o governo democrático de Honduras.
Fortalecido belicamente o Irã poderia ocupar países vizinhos? E o que dizer da ocupação usamericana de Porto Rico, desde 1898, e agora do Iraque e do Afeganistão? E com que direito os EUA mantêm uma base naval, transformada em cárcere clandestino de supostos terroristas, em Guantánamo, território cubano?
Respaldado em que lei internacional os EUA implantaram 700 bases militares em países estrangeiros? Só na Itália existem 14. Na Colômbia, 5. E quantas bases militares estrangeiras há nos EUA?
Há que admitir: o Irã não está preparado para se integrar no seio das nações civilizadas... Nações que financiam, pelo consumo, os cartéis das drogas, tratam imigrantes estrangeiros como escória da humanidade; fazem do consumismo o ideal de vida.
E convém lembrar: fundamentalismo não é apenas uma síndrome religiosa. É, sobretudo, uma enfermidade ideológica, que nos induz a acreditar que o capitalismo é eterno, fora do mercado não há salvação e a desigualdade social é tão natural quanto o inverno e o verão.
Lula candidato era discriminado pelo elitismo brasileiro por não dominar idiomas estrangeiros. Surpreendeu a todos por falar a linguagem dos pobres e revelar-se exímio negociador em questões internacionais.
Sem o apoio do Brasil não avançaria essa primavera democrática que, hoje, semeia esperança de tempos melhores em toda a América Latina. Os eleitores dão as costas às velhas oligarquias políticas e escolhem governantes progressistas.
Essa nova geopolítica latino-americana, que oficializará em 2011 a União das Nações Latino-Americanas e Caribenhas, certamente preocupa Washington. A crise financeira bate as portas das nações mais poderosas do mundo e a Europa entra num período de recessão. O livre mercado, o Estado mínimo, a moeda única (euro), a ciranda especulativa, mergulham numa crise sem precedentes.
Tudo indica que, daqui pra frente, o mundo será diferente. Se melhor ou pior, depende do resultado do embate entre duas forças contrárias: os que pensam a partir do próprio umbigo, interessados apenas em obter fortunas, e os que buscam um projeto alternativo de sociedade, menos desigual e mais humano. É a antiética em confronto com a ética.
[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org

do Blog do Turquinho

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