Sei que é lugar comum, mas não deixo de bater na tecla de que o Natal, data máxima da cristandade transformou-se na data mais mercantilista do calendário.
A figura de Santa Klaus, divulgada pela Coca- Cola no pós II Guerra tornou-se mais marcante que a do Menino Jesus.
Em que pese que os três reis da magia trouxessem presentes significativos ao recém nascido, o dar presentes no Natal voltou a ser um ritual pagão sem nenhum significado que não seja uma falsa fraternidade e uma exibição de consumo.
O desespero de todos, cristãos e não cristãos em apressurar-se nas compras de fim de ano mostra uma carrada de cérebros lavados por propaganda maciça de que o bom da vida não é o advento daquele que viria a se tornar o Cristo, mas o desespero consumista da rua 25 de março, do Saara ou dos shoppings em todo o Brasil e no Mundo.
A própria árvore de Natal nada tem a ver com os significados cristãos, e colocar aos seus pés presentes e mais presentes remete-nos a cultos pagãos soberbamente explorados pelo comércio.
Enfim, o que deveria ser uma data de meditação, de alegria interna e glória, acaba sendo uma das mais chatas datas do calendário, motivo para glutonarias,alterações de consciência com álcool e drogas, orgias, e desavenças familiares que vem à tona em volta da mesa que deveria servir de comunhão..
Depois de sessenta anos de vida confesso que fico de saco cheio, ansioso para que passe logo esta celebração que o Igreja de Roma institucionalizou, pervertida pelo mercado. E que passados os momentos de êxtase diante de balcões e caixas registradoras possam os homens de boa vontade reencontrar o êxtase que a compreensão crística nos traz.
*Bemvindosequeira
Consumidor ergue seu troféu (Iphone) recém adquirido
Por Cléber Sérgio de Seixas
Há alguns meses, propus o seguinte desafio a uma colega de trabalho: até o fim deste ano ela não poderia comprar mais do que seis pares de sapatos. A aposta foi feita em função de eu já conhecer as tendências consumistas de minha amiga. Se a quantia de seis pares fosse ultrapassada, eu escreveria um texto em homenagem a ela. Passaram-se os meses e cá estou escrevendo este artigo, ao mesmo tempo em que a supracitada caminha para a aquisição do nono par de sapatos.
Lá pelos idos de 70, em pronunciamento à nação, o presidente norte-americano Jimmy Carter disse o seguinte: "muitos de nós tendem a idolatrar o esbanjamento e o consumo. A identidade humana não é mais definida por aquilo que se faz, mas sim por aquilo que se possui. Esta não é uma mensagem de felicidade ou tranqüilidade. Mas é a verdade e é uma advertência”. O tom melancólico do discurso do democrata Carter destoava do “espírito americano” tão afeito ao consumismo, mas deve ser inserido no contexto do momento econômico e social por que passava a potência do norte.
O país havia experimentado quase três décadas de pujante desenvolvimento econômico. Este período, denominado Era de Ouro por vários historiadores, durou de 1947 a 1973. O crescimento auferido nessa fase trouxe aos norte-americanos um estilo de vida que passou a ser copiado pelas sociedades de várias nações capitalistas. Trata-se do american way of life que, em português bem claro, é um estilo de vida centrado no consumo de bens e supostamente mais livre que o observado nas demais nações. À altura do pronunciamento de Carter, os EUA estavam numa depressão econômica em cujas raízes figuravam o envolvimento na Guerra do Vietnã e a crise do petróleo. Assim, era necessário abrir os olhos do cidadão norte-americano em relação às conseqüências do consumo desregrado. O presidente queria dizer que era hora de botar o pé no freio do consumo para evitar os nocivos efeitos inflacionários.
O capitalismo tem uma fachada atrás da qual se escondem incontáveis mazelas. Nesta fachada – constituída por shopping centers, engenhocas tecnológicas, novelas que fazem sonhar, artigos de grife etc -, os arautos do sistema entoam loas à eficiência e justiça do mesmo ao passo que teimam em identificá-lo com democracia. Esses teóricos e entusiastas não se cansam de dizer que o capital concede a liberdade de empreender para que todos possam ter oportunidades de vencer. Nada contra a liberdade e a oportunidade, tudo contra o que se esconde nos bastidores.
Se cada ser humano tivesse o mesmo padrão de consumo de um cidadão norte-americano de classe média, quantos planetas seriam necessários para satisfazer nossos caprichos consumistas? A Terra daria conta de suprir-nos? O que seria feito com os resíduos resultantes de nossa sanha consumista? As respostas a estas questões revelam o caráter excludente do sistema econômico ora hegemônico. Seguindo os atuais padrões de consumo, para que a raça humana siga sua epopéia nesse asteróide chamado Terra, é pacífico que muitos deverão continuar consumindo pouco para que poucos sigam consumindo muito. É esse fatídico pano de fundo que os gurus do capitalismo querem esconder.
A realidade é que muitos vão tentar melhorar a própria sorte, mas poucos lograrão êxito, pois não bastam boa vontade, esforço, persistência e virtudes afins para tornar possível a mobilidade social. A tragicomédia da busca pelo bem-estar nas sociedades capitalistas lembra um experimento behaviorista no qual uma haste é presa às costas de um coelho de forma a projetar à sua frente uma suculenta cenoura. A despeito de quanto corra o felpudo, nunca alcançará seu cobiçado manjar. Melhor seria o coelho olhar para si para perceber o sortilégio que o engana. Coelhos não são racionais e sim instintivos. E nós, bichos homens, seguiremos conforme o “instinto” de consumir? Em busca da riqueza, do status ou do consumo de produtos de grife, o cidadão não percebe a trama maior que o envolve.
Dentre todos os paradoxos do capitalismo, o maior deles é que, enquanto a construção da riqueza é feita de forma cada vez mais socializada, a apropriação da mesma é privilégio de uns poucos abastados. Isso gera uma multidão de desprovidos dos meios de produção necessários à materialização de sua força de trabalho. Sob tal circunstância, não resta ao trabalhador outra alternativa a não ser vender sua força de trabalho no mercado, submetendo-se às férreas leis de oferta e procura.
O desemprego pairará sempre como uma ameaça à classe trabalhadora. O neoliberalismo, atual vertente capitalista, apregoa o “fim da História”, defende a mínima intervenção estatal, declara a morte do welfare state e apresenta o desemprego como necessário à manutenção de um gigantesco exército de reserva, pré-condição para manter baixos os salários, flexibilizar (eufemismo de precarizar) as relações de trabalho e diminuir o poder dos sindicatos.
Em tal ambiente inóspito não são poucos os que se desiludem e fazem da despolitização e do individualismo suas palavras de ordem. Nesse contexto, o cidadão perde espaço para o consumidor e a busca pelo consumo substitui a luta por mudanças sociais. Aos trabalhadores caberia somente assumir o papel de consumidores.
“Consumo, logo existo”, eis um lema que poderia resumir o estilo de vida sob o capitalismo moderno, pois sob a égide do capital só é visível quem tem acesso aos bens de consumo que conferem ao portador a tão cobiçada visibilidade social. O que o indivíduo é não faz diferença e sim o que ele tem. Homens de bem cedem lugar a homens de bens. O “ter” substitui o “ser”. A relação sujeito-objeto é subvertida, promovendo o que o marxismo denomina fetichismo - no lugar de conceder ao sujeito um objeto, trata-se de prover ao objeto um sujeito.
Um dos ícones do consumismo é o automóvel. A posse de um carro confere ao proprietário um status que muitas vezes o mesmo não tem. Quantos são aqueles que vivem em função do automóvel, ou seja, direcionam parte substancial de suas rendas para manter um veículo, em detrimento de investimentos em bens mais duráveis como habitação, educação e saúde? O trânsito das grandes cidades está caótico e um dos motivos é o grande número de veículos em circulação. No caso do Brasil, o controle da inflação, o aumento da renda nos últimos anos e o amplo acesso ao crédito facilitaram a aquisição de veículos automotores.
O celular é outro exemplo. Quanto mais caro e quanto mais recursos tiver, maior o status do dono. No entanto, um artefato tecnológico cuja funcionalidade principal é aproximar pessoas que estão, via de regra, distantes, há muito se converteu num talismã cujos poderes mágicos introduzem o portador no seleto rol dos socialmente visíveis. Ter um passa ser o desejo de todos e na escolha do modelo não basta o critério de ouvir e ser ouvido. Pesquisa divulgada pela Anatel no mês passado estima que o Brasil já ultrapassou a cifra de mais de um celular por habitante.
Após a revolução industrial do século XIX, houve um aumento vertiginoso da produção. Dentro das grandes indústrias, a capacidade de produzir superava em muito a de consumir, o que gerou os excedentes de produção. Esta deixou de visar apenas a satisfação das necessidades humanas e passou a priorizar a maximização dos lucros. Por conseguinte, tornou-se premente a motivação para o consumo com vistas ao escoamento da produção.
O capitalismo atual não é nada sem seu irmão siamês, o marketing. Sem este, como fazer com que os cidadãos adquiram produtos de que não têm necessidade? Se uma pessoa possui 10 pares de sapatos, e tal quantidade é mais que suficiente para que ela tenha suas necessidades satisfeitas, como induzi-la a adquirir mais calçados? A resposta passa por associar o calçado a um estilo de vida, a um modismo ou a um status que a posse do produto possa conferir.
Em tese, os consumidores são livres em suas escolhas. Paradoxalmente, o consumo de modismos promove a homogeneização dos gostos. Basta uma breve observação para atestar que quase todos possuem celulares, quase todos têm aparelhos MP3 player, escutam as músicas do cantor(a) do momento e, em se tratando de vestuário, estão quase todos em consonância com as atuais tendências da moda.
A motivação para o consumismo vai da já citada necessidade de visibilidade social à baixa auto-estima. Há aqueles que se sentem aliviados quando vão as compras, mesmo que imediatamente depois o produto adquirido seja condenado ao desuso.
É oportuno citar o filósofo Epicuro, que no século IV a.C. afirmou que “nada é bastante para quem considera pouco o que é suficiente”. O celebrado Benjamim Franklin disse que “nenhum homem deve possuir mais bens do que precisa para viver; o resto, por direito, pertence ao Estado”. Já na epístola bíblica de Paulo a Timóteo (I Tm 6:8) é dito o seguinte: “tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes”.
Apesar da exortação bíblica, é necessário considerar as necessidades humanas dentro de um contexto histórico e sócio-cultural, variando conforme as culturas e as épocas. Assim sendo, nos sustentar, ter onde habitar, ter o que comer e o que vestir, nos dias atuais, pode não ser mais suficiente. Como destaca o grupo musical Titãs nos versos da canção Comida, “a gente não quer só comida/a gente quer comida diversão e arte/a gente não quer só comida/ a gente quer bebida, diversão, balé...”
É importante ter claro que nem todo consumo é consumismo. O consumo que se faz na esfera do que foi citado no parágrafo anterior não configura consumismo. No entanto, o consumo que se faz tendo como finalidade o reconhecimento social, o consumo pelo consumo, o consumo como fim e não como meio, configura consumismo.
Antes que esgotemos todos os recursos naturais com nosso consumismo, o planeta dará vários recados em forma de epidemias, desequilíbrios ambientais, extinção de espécies e toda sorte de catástrofes. Cabe-nos, então, ouvir os sons da natureza e entender o recado.
Persiste a seguinte indagação: é possível não ser consumista nos dias de hoje? A resposta deixo a cargo de cada um dos leitores deste artigo, mas é possível arriscar que a solução passará por valorizar mais o “ser” que o “ter”.
Ler também:
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Templo do consumo;
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Educados para o consumo;
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Homo davos em extinção.
*observadoressociais