Opinião pública, o que é?
Pergunto
aos meus reflexivos botões qual seria no Brasil o significado de
opinião pública. Logo garantem que não se chama Merval Pereira, ou Dora
Kramer, ou Miriam Leitão. Etc. etc. São inúmeros os jornalistas nativos
que falam em nome dela, a qual, no entanto, não deixa de ser misteriosa
entidade, ou nem tão misteriosa, segundo os botões.
A
questão se reveste de extraordinária complexidade. Até que ponto é
pública a opinião de quem lê os editorialões, ou confia nas elucubrações
de Veja? Digo, algo representativo do pensamento médio da
nação em peso? Ocorre-me recordar Edmar Bacha, quando definia o País
-como Belíndia, pouco de Bélgica, muito de Índia. À época, houve quem
louvasse a inteligência do economista. Ao revisitá-la hoje, sinto a
definição equivocada.
Os nossos privilegiados não
se parecem com a maioria dos cidadãos belgas. A Bélgica vale-se da
presença de uma burguesia autêntica, culta e naturalmente refinada.
Trata-se de tetranetos da Revolução Francesa. Só para ser entendido
pelos frequentadores do Shopping Cidade Jardim em São Paulo: não
costumam levar garrafas de vinho célebre aos restaurantes,
acondicionadas em bolsas de couro relampejante, para ter certeza de uma
noite feliz. Até ontem, antes do jantar encharcavam-se em uísque.
Exame de consciência
Em
contrapartida, a minoria indiana, sabe das coisas e leu os livros. Já a
maioria, só se parece com a nossa apenas em certos índices de pobreza,
relativa ou absoluta. No mais, é infelicitada por conflitos, até hoje
insanáveis, étnicos e religiosos. Nada de Bélgica, tampouco de Índia.
Nem por isso, a diferença, ainda brutal, existe entre brasileiros ricos e
pobres, embora desde o governo Lula tenha aumentado o número de
remediados.
O Brasil figura entre os primeiros na classificação da má distribuição de renda, pecha mundial. Na semana passada, CartaCapital publicou
ampla reportagem de capa sobre vários índices do nosso atraso, a
mostrar que crescimento não é desenvolvimento. De fato, o Brasil sempre
teve largas condições de ser um paraíso terrestre, como vaticinava
Americo Vespucci, e não foi porque faltou o comando de quem quisesse e
soubesse chegar lá. Sobrou espaço para os predadores, ou seja, aqueles
que, como dizia Raymundo Faoro, querem “um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem povo”.
A
opinião pública que os Mervais, Doras e Mirians da vida acreditam
personificar, é no máximo, na melhor das hipóteses para eles, a dos seus
leitores. Há outra, necessariamente, daqueles que não se abeberam a
essas fontes, e muitos sequer têm acesso à escrita. Votam, contudo, e
são convocados pelas pesquisas de opinião. À pressão midiática, que
ignoram por completo, preferem optar por Lula e Dilma Rousseff. Temos de
levar a sério esta específica e majoritária opinião pública claramente
expressa e, em termos práticos, mais determinante que a outra.
A
opinião pública que a mídia nativa pretende personificar já condenou o
chamado mensalão e decidiu os destinos da CPI do Cachoeira. A opinião
pública da maioria está noutra. O resultado do confronto há de ser
procurado nas pesquisas e nas eleições, é o que soletram meus botões.
Eles são exigentes e me forçam a um exame de consciência. Por que as
circunstâncias me levam à referência frequente a mídia nativa? Acontece
que a mídia é, sim, personificação da minoria. Aquela do deixa como está
para ver como fica.
“Não há diferenças”
A
mesma que conspirou contra Getúlio democraticamente eleito e contra a
eleição de Juscelino. Ou que apoiou Jânio Quadros em 1960, tentou evitar
Jango Goulart depois da renúncia e enfim implorou o golpe perpetrado
pelos gendarmes fardados em 1964, e o golpe dentro do golpe em 1968. A
mesma que desrespeitou o anseio popular por eleições diretas em 1984 e
engendrou uma dita redemocratização, de todo patética, em 1985, e hoje
ainda dá uma de galo no papel impresso e no vídeo. Será que a rapaziada
se dá conta do que está a acontecer de verdade?
A
mídia nativa, é fácil demonstrar, na sua certeza de representar a
opinião pública do País todo pratica aquilo que definiria como
jornalismo onírico. Neste mister, o Estadão de quinta 26
supera-se. Estampa na primeira página que a presidenta Dilma mente ao
afirmar, ao cabo de um longo encontro com Lula em Brasília, a ausência
de diferenças entre ela e seu mentor. A presidenta responde obviamente a
uma pergunta e diz: “Não há diferenças entre nós e nunca haverá”. Então
por que perguntam se estão certos de que seu sonho é a própria verdade?
Por Mino Carta. Reproduzido da CartaCapital