Bancadas religiosas: Quando o pior é possível!
Nossos Tons
Por: Julio Marinho
O
casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão de direitos humanos e
direitos civis, ponto. Ou somos todos iguais ou não somos. Entretanto,
as bancadas religiosas do Congresso nacional fazem todo o possível para
nos fazer acreditar que existe um "meio-termo" de igualdade. Assim, essa
horda de desqualificados políticos e pseudo-detentores da moral e dos
bons costumes alheios, continua sua saga obscurantista e
fundamentalista, já que, a única coisa que pretendem é obrigar toda a
sociedade a viver segundo seus dogmas, crenças e regras. Aliás, regras
essas que eles mesmos não seguem. Mas isso nem chega a ser uma novidade,
afinal de contas, fundamentalistas têm horror às diferenças, temem a
liberdade e parecem não compreender o mundo lá fora.
A
imposição de uma fé como oficial e a consequente exclusão das outras
(inclusive com perseguições declaradas) deixou seu rastro perverso no
passado. No presente, muitos conflitos continuam sendo alimentados a
partir de convicções ou sob a justificativa de crença. Mas, um Estado
Democrático de Direito não pode permitir que se perpetue em seu seio uma
voz exclusiva da moral de qualquer religião, pelo menos não em um país
que se diz LAICO.
Então
como explicar a luta ferrenha e constante desses setores religiosos na
negação dos direitos civis (principalmente o casamento igualitário) dos
cidadãos LGBT's? Não vemos tanto empenho em questões como o trabalho
escravo, o trabalho infantil, a exploração sexual de crianças e
adolescentes, a falta de infraestrutura na educação e saúde, a falta de
saneamento básico em TODOS os Municípios brasileiros, o caos do
transporte público etc. A sensação que fica é de que, a única coisa
importante para a trupe dos farsantes da fé, é se certificar de que os
homossexuais jamais conquistem o direito ao casamento civil e,
consequentemente, tenham assegurados os seus direitos como qualquer
outro cidadão. Aliás, esses cidadãos, que veem diariamente seus direitos
sendo vilipendiados, pagam seus impostos e, já que têm os mesmos
deveres, deveriam, teoricamente, gozar dos mesmos direitos.
O
discurso implícito é algo como: o mundo tal como existe, normal e
regular, é um mundo de homens e mulheres heterossexuais, pontilhado por
alguns que não o são, e em relação aos quais se deve promover um
arremedo de "aceitação" e "tolerância", ou seja: aceitamos e toleramos
que existam, qualquer coisa a partir dai já se constituí em um
"privilégio". Tudo isso acontece sob o olhar pachorrento e complacente
do Estado. Uma interiorizada e inconsciente(?) miopia típica de quem,
mesmo sendo "laico", se situa, afinal de contas, na heteronormatividade.
E por quê? Por causa da pressão do lobby católico/evangélico versão
fundamentalista?
Já vimos
esse filme antes e sabemos muito bem qual é o trágico final. Num
passado, não muito remoto, essas religiões impuseram um estado de terror
e perseguição que agora se repete. A diferença fica apenas por conta
dos personagens. Se antes também perseguiam índios, negros, mulheres e
infiéis, agora o foco são os LGBT's. Exemplos é que não nos faltam.
O
documento oficial "Dum Diversas" (publicado em 18 de Junho de 1452 pelo
Papa Nicolau V), é um belo exemplo de como os religiosos "amavam" seus
semelhantes. "[...] nós lhe concedemos, por estes documentos, com nossa
Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar,
capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos
e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos,
ducados, condados, principados e outras propriedades [...] e reduzir
suas pessoas à perpétua escravidão [...]."
Lembrem-se
que essas declarações pareciam bem razoáveis na época e, mesmo que a
igreja tenha vindo a público pedir desculpas por essas barbaridades,
hoje o Papa Bento XVI é capaz de dizer, sem o menor constrangimento, que
o casamento entre pessoas do mesmo sexo é capaz de ameaçar a paz
mundial. "[...] as tentativas de casamento entre um homem e uma mulher
[...] juridicamente equivalentes a formas radicalmente diferentes de
união, são um atentado contra a verdade da pessoa humana e uma ferida
grave infligida à justiça e à paz. [...] O casamento deve ser protegido e
reconhecido como uma união entre um homem e uma mulher", considerando
que os casamentos homossexuais "prejudicam" e "contribuem para a sua
desestabilização [do casamento heterossexual] obscurecendo o seu caráter
especial e o seu papel social insubstituível". Essas declarações,
provavelmente, serão alvo de um novo pedido de desculpas no futuro.
Repetindo assim o que já fizeram em relação aos julgamentos sumários, às conversões forçadas e às fogueiras nas quais eram queimados os acusados de heresia, pelos abusos sexuais cometidos por padres pedófilos, pelos abusos cometidos contra os índios durante o período colonial, pela escravidão dos povos afro-descendentes (negros) que aqui sofreram massacre e desrespeito às suas culturas, pela campanha de depreciação contra o povo judeu e, de certa forma, pelo papel ambíguo da Santa Sé durante a perseguição nazista aos judeus, homossexuais, negros, ciganos, doentes mentais, deficientes motores, comunistas etc., na II Guerra Mundial, só para citar alguns exemplos.
E
por falar em nazismo, aqui temos um ótimo exemplo de até que ponto pode
chegar o fanatismo religioso. Esse trecho, retirado do Discurso no
Reichstag, 1936, de Adolf Hitler, é bem revelador: "Por isso, estou
convencido de que estou agindo como o agente do nosso Criador. Lutando
contra os judeus, eu estou fazendo o trabalho do Senhor. [...] Eu
acredito, hoje, que estou agindo em harmonia com o todo poderoso
Criador. Exterminando os judeus, estou lutando pelo trabalho do Senhor".
As palavras de Adolf Hitler ficaram gravadas na história. Ele fez o que
fez porque acreditava que a fé era mais forte do que a razão,
acreditava que a aceitação cega de um crença ou dogma tinha mais valor
do que uma investigação baseada na razão e na lógica. Exatamente como
ainda fazem hoje, outros fanáticos religiosos.
"Os
caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da Igreja Católica e
ninguém fala nada. É pra Igreja Católica 'entrar de pau' em cima desses
caras, sabe? 'Baixar o porrete' em cima pra esses caras aprender (sic). É
uma vergonha". (Pastor silas malafaia)
Já
imaginou uma bancada cristã publicando algo assim? Pois o que pretendem
fazer hoje é exatamente o mesmo que já fizeram no passado, ou seja, a
imposição de seus dogmas e crenças. Levando-se em conta, é claro, a
ótica da perseguição e o controle perverso das liberdades, existem
muitas semelhanças entre o que era dito no passado, e o que dizem hoje
nossos congressistas.
"Todos
os dias da minha vida pregarei o que diz a Palavra, que a prática do ato
íntimo entre dois homens ou duas mulheres é e continuará sendo pecado e
ponto. Não discuto o que é pregado no púlpito fora do momento da
pregação". "Me apavora chegar em Brasília toda terça-feira [...] e saber
como o diabo está infiltrado no governo brasileiro. E não é só no
governo brasileiro, é no governo do mundo. Satanás tem levantado homens e
mulheres e a Igreja não tem se atinado a isso [...] satanás levantou
seu ativismo neste país. Senhoras e senhores, existe um ativismo de
satanás contra a santidade da família brasileira [...] Eu fui prestar
agora um serviço à nação brasileira, levantei um plebiscito e precisava
do apoiamento de 1/3 da casa [...] Queremos saber se a nação brasileira
aprova a união de dois homens e de duas mulheres que estão aí à torto e a
direito difamando aquilo que é sagrado e santo. Imaginem vocês - a
causa é boa, sim ou não?". "A AIDS é uma doença gay. A AIDS é uma doença
que veio desse povo, mas se você falar, vai colocar eles numa situação
constrangedora não vão conseguir verba". "Vamos agarrar o diabo pelos
chifres e esfregar a cara dele no chão. É hora de se levantar". (Marcos
Feliciano, pastor e deputado federal)
"Estou
me lixando para esse pessoal aí [do movimento gay]. O que esse pessoal
tem a oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer
para vocês que são jovens que, no dia em que vocês tiverem um filho, se
for gay, é legal e vai ser o 'uhuhu' da família? Esse pessoal não tem
nada a oferecer". (Deputado federal Jair Bolsonaro)
"Não sou
preconceituosa e não discrimino. Só que eu tenho que ter o direito de
não querer um homossexual como meu empregado, eventualmente". "Digamos
que eu tenha duas meninas em casa e a minha babá é lésbica. Se a minha
orientação sexual for contrária e eu quiser demiti-la, eu não posso".
(Deputada estadual Myrian Rios)
"o
projeto é um protesto contra os privilégios dados aos gays" (Vereador
Carlos Apolinário ao aprovar a criação do Dia do Orgulho Heterossexual).
Enfim, a
pergunta que fica é: Como o reconhecimento legal de um relacionamento
amoroso de uma pessoa, que está comprometida com um parceiro do mesmo
sexo, pode, de alguma forma, diminuir, comprometer ou ameaçar o
casamento de outras pessoas de sexo diferente?