O funesto império mundial das corporações
Via Leonardo Boff
O
individualismo, marca registrada da sociedade de mercado e do
capitalismo como modo de produção e sua expressão política o
(neo)liberalismo, revelam toda sua força mediante as corporações
nacionais e multinacionais. Nelas vigora cruel competição dentro da
lógica do ganha-perde.
Pensava-se que a crise
sistêmica de 2008 que afetou pesadamente o coração dos centros
econômico-financeiros nos USA e na Europa, lá onde a sociedadade de
mercado é dominante e elabora as estratégias para o mundo inteiro,
levasse a uma revisão de rota. Ainda mais que não se trata apenas do
futuro da sociedade de mercado mundializada mas de nossa civilização e
até de nossa espécie e do sistema-vida.
Muitos
como J. Stiglitz e P. Krugman esperavam que o legado da crise de 2008
seria um grande debate sobre que tipo de sociedade queremos construir.
Enganaram-se rotundamente. A discussão não se deu. Ao contrário, a
lógica que provocou a crise foi retomada com mais furor.
Richard Wilkinson, epidemiologista inglês e um dos maiores especialistas sobre o tema desigualdade foi mais atento e dissse, ainda em 2013 numa entrevista ao jornal Die Zeit
da Alemanha:”a questão fundamental é esta: queremos ou não
verdeiramente viver segundo o princípio que o mais forte se apropria de
quase tudo e o mais fraco é deixado para trás?”.
Os
super-ricos e super-poderosos decidiram que querem viver segundo o
princípio darwinista do mais forte e que se danem os mais fracos. Mas
comenta Wilkinson: “creio que todos temos necessidade de uma maior
cooperação e reciprocidade, pois as pessoas desejam uma maior igualdade
social”. Esse desejo é intencionalmene negado por esses epulões.
Via
de regra, a lógica capitalista é feroz: uma empresa engole a outra
(eufemisticamente se diz que se fizeram fusões). Quando se chega a um
ponto em que só restam apenas algumas grandes, elas mudam a lógica: ao
invés de se guerrearem, fazem entre si uma aliança de lobos e
comportam-se mutuamente como cordeiros. Assim articuladas detém mais
poder, acumulam com mais certeza para si e para seus acionistas,
desconsiderando totalmente o bem da sociedade.
A
influência política e econômica que exercem sobre os governos, a
maioria muito mais fracos que elas, é extremamente constrangedor,
interferindo no preço das commodities, na redução dos
investimentos sociais, na saúde, educação, transporte e segurança. Os
milhares que ocupam as ruas no mundo e no Brasil intuíram essa dominação
de um novo tipo de império, feito sob o lema:”a ganância é boa” (greed
is good) e “devoremos o que pudermos devorar”.
Há
excelentes estudos sobre a dominação do mundo por parte das grandes
corporações multilaterais. Conhecido é o do economista norte-americano
David Korten ”Quando as corporações regem o mundo”(When the Corporations rule the World, Berret-Koehler Publisher 1995/2001)).
Mas fazia falta um estudo de síntese. Este foi feito pelo Instituto
Suiço de Pesquisa Tecnológica (ETH)” em Zurique em 2011 que se conta
entre os mais respeitados centros de pesquisa, competindo com MIT. O
documento envolve grandes nomes, é curto, não mais de 10 páginas e 26
sobre a metodologia para mostrar a total transparência dos resultados.
Foi resumido pelo Professor de economia da PUC-SP Ladislau Dowbor em seu
site. Baseamo-nos nele.
Dentre as 30 milhões de
corporações existentes, o Instituto selecionou 43 mil para estudar
melhor a lógica de seu funcionamento. O esquema simplificado se articula
assim: há um pequeno núcleo financeiro central que possui dois lados:
de um, são as corporações que compõe o núcleo e do outro, aquelas que
são controladas por ele. Tal articulação cria uma rede de controle
corporativo global. Essse pequeno núcleo (core) constitui uma super-entidade(super entity).
Dele emanam os controles em rede, o que facilita a redução dos custos, a
proteção dos riscos, o aumento da confiança e, o que é principal, a
definição das linhas da economia global que devem ser fortalecidas e
onde.
Esse pequeno núcleo, fundamentalmente de
grandes bancos, detém a maior parte das participações nas outras
corporações. O topo controla 80% de toda rede de corporações. São apenas
737 atores, presentes em 147 grandes empresas. Ai estão o Deutsche
Bank, o J.P. Morgan Chase, o UBS, o Santander, o Goldes Sachs, o BNP
Paribas entre outros tantos. No final menos de 1% das empresas controla
40% de toda rede.
Este fato nos permite entender agora a indignação dos Occupies
e de outros que acusam que 1% das empresas faz o que quer com os
recursos suados de 99% da população. Eles não trabalham e nada produzem.
Apenas fazem mais dinheiro com dinheiro lançado no mercado da
especulação.
Foi esta absurda voraciade de
acumular ilimitadamente que gestou a crise sistêmica de 2008. Esta
lógica aprofunda cada vez mais a desigualdade e torna mais difícil a
saída da crise. Quanto de desumanidade aquenta o estômago dos povos?
Pois tudo tem seu limite nem a economia é tudo. Mas agora nos é dado ver
as entranhas do monstro. Como diz Dowbor: ”A verdade é que temos
ignorado o elefante que está no centro da sala”. Ele está
quebrando tudo, critais, louças e pisoteando pessoas. Mas até quando? O
senso ético mundial nos assegura que uma sociedade não pode subsistir
por muito tempo assentada sobre a super exploração, a mentira e a
anti-vida.
A grande alternativa é
oferecida por David Korten que tem trabalhado com Joanna Macy, uma das
mais comprometidas educadoras com o novo paradigma e com um futuro
diferente e otimista do mundo. A grande virada (The Great Turning) se
dará com a passagem do paradigma “Império” para o da “Comunidade da
Terra”. O primeiro dominou nos últimos cinco mil anos. Agora chegou seu
ponto mais baixo de degradação. Uma virada salvadora é a renúncia ao
poder como dominação imperial sobre e contra os outros na direção
de uma convivência de todos com todos na única “Comunidade da Terra”,
na qual seres humanos e demais seres da grande comunidade de vida
convivem, colaboram e juntos mantém uma Casa Comum hospitaleira e
acolhedora para todos. Só nesta direção poderemos garantir um futuro
comum, digno de ser vivido.
*GilsonSampaio