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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, dezembro 30, 2013

Mídia enganou o Brasil: Jango era super-popular em 64

Eu já tinha ouvido falar da pesquisa Ibope sobre Jango, mas só hoje li esse post do Nassif, que faz alguns comentários políticos sobre a conjuntura daquela época, e lembra que outros países viveram situações similares, com grupos políticos aliando-se a corporações de mídia para aplicar golpes de Estado. Foi o que aconteceu ao Brasil.
Neste ano de 2014 que se inicia, esperemos que as comissões de verdade, tanto a nacional quanto as regionais, se dediquem mais à estudar a origem do golpe de 64: a construção de uma opinião pública artificial, baseada em meia dúzia de colunistas de jornal, numa alquimia esperta para ludibriar a soberania de centenas de milhões de brasileiros.
Em outras palavras, a mídia enganou, deliberadamente, o Brasil. Mentiu descaradamente, porque participava das conspirações para o golpe, e depois continuou mentindo, dizendo ao povo que a “democracia estava sendo restaurada”, quando acontecia o contrário: a democracia dava lugar ao totalitarismo, ao arbítrio e à truculência política.
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Segundo o Ibope, Jango teria sido reeleito em 65
dom, 29/12/2013 – 06:00 – Atualizado em 30/12/2013 – 13:21
Por Luis Nassif, em seu blog
A primeira vez que ouvi falar nas pesquisas do Ibope sobre o governo Jango foi em um congresso da Wapor (a associação latino-americana de pesquisas de opinião) em Belo Horizonte. Participei de um debate sobre o novo papel dos blogs junto à opinião pública. Um dos papers apresentados mencionava dados gerais da pesquisa, localizada nos arquivos que o Ibope doou à Unicamp.
Nesta semana, na Carta Capital, há uma entrevista de Rodrigo Martins com o historiador Luiz Antônio Dias sobre as pesquisas. Os números são impressionantes:
· Em junho de 1963, Jango era aprovado por 66% da população de São Paulo, desempenho superior ao do governador Adhemar de Barros (59%) e do prefeito Prestes Maia (38%).
· Pesquisa de março de 1964 revela que, caso fosse candidato no ano seguinte, Goulart teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Apenas em Fortaleza e Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek tinha percentuais maiores
· Havia amplo apoio à reforma agrária, com um índice superior a 70% em algumas capitais.
· Pesquisa na semana anterior ao golpe, realizada em São Paulo a pedido da Fecomercio, apontava que 72% da população aprovava o governo Jango.
· Entre os mais pobres a popularidade alcançava 86%.
· 55% dos paulistanos consideravam as medidas anunciadas por Goulart no Comício da Central do Brasil, em 13 de março, como de real interesse para o povo.
· Entre as classes A e B, a rejeição a Goulart era um pouco maior em 1964. Ao menos 27% avaliavam o governo como ruim ou péssimo na capital paulista.
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É o mais contundente documento até agora divulgado sobre o desproporcional poder político dos grupos de mídia na democracia brasileira e latino-americana no século 20.
Quase todas as ditaduras latino-americanas foram implementadas por meio de golpes de Estado legitimados por um suposto apoio da opinião pública. E esse apoio era medido exclusivamente pelo volume de notícias veiculados nos grupos de mídia, e pela mobilização que conseguiam em algumas classes sociais. Um enorme espectro da opinião pública passava ao largo desse jogo restrito.
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Depois da redemocratização, houve vários golpes de Estado institucionalizados no continente, não apenas contra governos ditos de esquerda – como o fracassado golpe contra o venezuelano Hugo Chávez – como contra governos tidos como de direita – Fernando Collor, no Brasil, Carlos Andrés Perez, na Venezuela.
Em todos os episódios, juntavam-se interesses contrariados de grupos políticos e de grupos de mídia. Levantavam-se denúncias sólidas ou meros factoides, criava-se a atoarda, passando a sensação de que a maioria da opinião pública desejava a queda do governante.
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O ponto mais relevante das pesquisas do Ibope é mostrar que a chamada opinião pública midiática sempre foi um segmento minoritário indo a reboque de uma aliança que incluíam os grupos de mídia, alguns partidos conservadores e alguns interesses do grande capital.
Esse modelo, que domina o debate econômico e político em todo século 20, chega ao fim com o advento das redes sociais.
jango_life_opt
*cafézinho

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