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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Por que os Perrellas não foram presos? Nosso professor Nabuco responde


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O surpreendente caso do helicóptero pertencente ao deputado estadual de Minas Gustavo Perrella, apreendido com 445 quilos de cocaína, não pode levar ao prejulgamento do deputado e nem à omissão de investigações.
Quando houve a apreensão, as perguntas se sucederam. Muitos queriam saber se a polícia deveria ter prendido o deputado e se ele seria responsável criminalmente pelo transporte da droga.
A verdade é que, penalmente, ninguém é responsável por ato de seu subordinado se não colaborou conscientemente para isso. Em termos jurídicos, ninguém será punido se não tiver colaborado dolosamente com o ato praticado por seu funcionário. A rigor, a questão sobre o dolo é simples. Basta que o chefe saiba que na sua empresa ou com seu equipamento seja praticado tráfico, para que esse chefe seja responsável conjuntamente por crime de tráfico (tecnicamente, é o concurso de pessoas).
A complexidade está no âmbito das provas. É preciso a obtenção de provas de que o chefe sabe, para que ele seja responsabilizado penalmente. Isso se aplica tanto ao caso de uma pizzaria em que o entregador é flagrado com cocaína na moto, como no caso do helicóptero do deputado mineiro.
Parece claro, portanto, que o deputado deva ser minuciosamente investigado, para se chegar à conclusão sobre sua eventual responsabilidade. Em uma república, nenhum homem pode ser intocável. Por outro lado, numa democracia, não se pode presumir a culpa de quem quer que seja.
Não há dúvida que numa situação similar e de menor proporção, vivenciada por um cidadão pobre, o tratamento seria diferente. Em tais casos, o comportamento tende ao abuso, ou seja, ao mais profundo desprezo pelas garantias individuais. Mas também não há dúvida de que democracia se faz inibindo o abuso e não defendendo sua extensão a todos.
Uma outra questão que surge desse caso é a aparente sofisticação do tráfico, em que a cocaína é transportada por um helicóptero caríssimo. A crônica policial no Brasil só retrata traficantes “pé-de-chinelo”. Os chefões do tráfico, quase sempre, são moradores de favela que constroem casas no alto do morro de um luxo precário, com predileção por banheiras de hidromassagem, muito diferente dos traficantes do cinema americano.
Mas, num negócio rentável como o tráfico de drogas, provavelmente há por trás pessoas menos toscas que um Fernandinho Beira-Mar. Eles existem ou são fruto de nosso imaginário? Se existem, por que não os conhecemos?
O fato é que uma das características das organizações criminosas é a existência de tentáculos no poder público com a corrupção. Dessa forma, é provável que existam empresários do tráfico que se mantenham na impunidade através da corrupção.
Um caso como esse vem aguçar nossa imaginação. Que se investigue, então, minuciosamente a eventual existência de responsabilidade do dono do helicóptero.
Sobre o Autor
José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu e quarto-zagueiro clássico. Seu email: j.nabucofilho@gmail.com

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