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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 11, 2014

Sentir vergonha do próprio país é coisa de gente sem-vergonha

Sugerido por Osvaldo Ferreira
Da Istoé
Marcelo Zero*
Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha do meu país.
Não sinto vergonha dos 36 milhões de brasileiros que conseguiram sair daquilo que Gandhi chamava de a "pior forma de violência", a miséria.
Agora, eles podem sonhar mais e fazer mais. Tornaram-se cidadãos mais livres e críticos. Isso é muito bom para eles e muito melhor para o Brasil, que fica mais justo e fortalecido. E isso é também muito bom para mim, embora eu não me beneficie diretamente desses programas. Me agrada viver em um país que hoje é um pouco mais justo do que era no passado.
Também não sinto vergonha dos 42 milhões de brasileiros que, nos últimos 10 anos, ascenderam à classe média, ou à nova classe trabalhadora, como queiram.
Eles dinamizaram o mercado de consumo de massa brasileiro e fortaleceram bastante a nossa economia. Graças a eles, o Brasil enfrenta, em condições bem melhores que no passado, a pior crise mundial desde 1929. Graças a eles, o Brasil está mais próspero, mais sólido e menos desigual. Ao contrário de alguns, não me ressinto dessa extraordinária ascensão social. Sinto-me feliz em tê-los ao meu lado nos aeroportos e em outros lugares antes reservados a uma pequena minoria. Sei que, com eles, o Brasil pode voar mais alto.
Não tenho vergonha nenhuma das obras da Copa, mesmo que algumas tenham atrasado. Em sua maioria, são obras que apenas foram aceleradas pela Copa. São, na realidade, obras de mobilidade urbana e de aperfeiçoamento geral da infraestrutura que melhorarão a vida de milhões de brasileiros. Estive no aeroporto de Brasília e fiquei muito bem impressionado com os novos terminais e com a nova facilidade de acesso ao local. Mesmo os novos estádios, que não consumiram um centavo sequer do orçamento, impressionam. Lembro-me de velhos estádios imundos, inseguros, desconfortáveis e caindo aos pedaços. Me agrada saber que, agora, os torcedores vão ter a sua disposição estádios decentes. Acho que eles merecem. Me agrada ainda mais saber que tido isso vem sendo construído com um gasto efetivo que representa somente uma pequena fração do que é investido em Saúde e Educação. Gostaria, é claro, que todas as obras do Brasil fossem muito bem planejadas e executadas. Que não houvesse aditivos, atrasos, superfaturamentos e goteiras. Prefiro, no entanto, ver o Brasil em obras que voltar ao passado do país que não tinha obras estruturantes, e tampouco perspectivas de melhorar.
Tranquiliza-me saber que o Brasil tem um sistema de saúde público, ainda que falho e com grandes limitações. Já usei hospitais públicos e, mesmo com todas as deficiências do atendimento, sai de lá curado e sem ter gasto um centavo. Centenas de milhares de brasileiros fazem a mesma coisa todos os anos. Cerca de 50 milhões de norte-americanos, habitantes da maior economia do planeta e que não têm plano de saúde, não podem fazer a mesma coisa, pois lá não há saúde pública. Obama, a muito custo, está encontrando uma solução para essa vergonha. Gostaria, é óbvio, que o SUS fosse igual ao sistema de saúde pública da França ou de Cuba. Porém, sinto muito orgulho do Mais Médicos, um programa que vem levando atendimento básico à saúde a milhões de brasileiros que vivem em regiões pobres e muito isoladas. Sinto alívio em saber que, na hora da dor e da doença, agora eles vão ter a quem recorrer. Sinto orgulho, mas muito orgulho mesmo, desses médicos que colocam a solidariedade acima da mercantilização da medicina.
Estou também muito orgulhoso de programas como o Prouni, o Reuni, o Fies, o Enem e os das cotas, que estão abrindo as portas das universidades para os mais pobres, os afrodescendentes e os egressos da escola pública.
Tenho uma sobrinha extremamente talentosa que mora no EUA e que conseguiu a façanha de ser aceita, com facilidade, nas três melhores universidades daquele país. Mas ela vai ter de estudar numa universidade de segunda linha, pois a família, muito afetada pela recessão, não tem condição de pagar os custos escorchantes de uma universidade de ponta. Acho isso uma vergonha.
Não quero isso para o meu país. Alfabetizei-me e fiz minha graduação e meu mestrado em instituições públicas brasileiras. Quero que todos os brasileiros possam ter as oportunidades que eu tive. Por isso, aplaudo a duplicação das vagas nas universidades federais, a triplicação do número de institutos e escolas técnicas, o Pronatec, o maior programa de ensino profissionalizante do país, o programa de creches e pré-escolas e o Ciência Sem Fronteiras. Gostaria, é claro, que a nossa educação pública já fosse igual à da Finlândia, mas reconheço que esses programas estão, aos poucos, construindo um sistema de educação universal e de qualidade.
Tenho imenso orgulho da Petrobras, a maior e mais bem-sucedida empresa brasileira, que agora é vergonhosamente atacada por motivos eleitoreiros e pelos interesses daqueles que querem botar a mão no pré-sal. Nos últimos 10 anos, a Petrobras, que fora muito fragilizada e ameaçada de privatização, se fortaleceu bastante, passando de um valor de cerca de R$ 30 bilhões para R$ 184 bilhões. Não bastasse, descobriu o pré-sal, nosso passaporte para o futuro.
Isso seria motivo de orgulho para qualquer empresa e para qualquer país. Orgulha ainda mais, porém, o fato de que agora, ao contrário do que acontecia no passado, a Petrobras dinamiza a indústria naval e toda a cadeia de petróleo, demandando bens e serviços no Brasil e gerando emprego e renda aqui; não em Cingapura. Vergonha era a Petrobrax. Pasadena pode ter sido um erro de cálculo, mas a Petrobrax era um crime premeditado.
Vejo, com satisfação, que hoje a Polícia Federal, o Ministério Público, a CGU e outros órgãos de controle estão bastante fortalecidos e atuam com muita desenvoltura contra a corrupção e outros desmandos administrativos. Sei que hoje posso, com base na Lei da Transparência, demandar qualquer informação a todo órgão público. Isso me faz sentir mais cidadão. Estamos já muito longe da vergonha dos tempos do "engavetador-geral". Um tempo constrangedor e opaco em que se engavetavam milhares processos e não se investigava nada de significativo.
Também já se foram os idos vergonhosos em que tínhamos que mendigar dinheiro ao FMI, o qual nos impunha um receituário indigesto que aumentava o desemprego e diminuía salários. Hoje, somos credores do FMI e um país muito respeitado e cortejado em nível mundial. E nenhum representante nosso se submete mais à humilhação de ficar tirando sapatos em aeroportos. Sinto orgulho desse país mais forte e soberano.
Um país que, mesmo em meio à pior recessão mundial desde 1929, consegue alcançar as suas menores taxas de desemprego, aumentar o salário mínimo em 72% e prosseguir firme na redução de suas desigualdades e na eliminação da pobreza extrema.
Sinto alegria com esse Brasil que não mais sacrifica seus trabalhadores para combater as crises econômicas.
Acho que não dá para deixar de se orgulhar desse novo país mais justo igualitário e forte que está surgindo. Não é ainda o país dos meus sonhos, nem o país dos sonhos de ninguém. Mas já é um país que já nos permite sonhar com dias bem melhores para todos os brasileiros. Um país que está no rumo correto do desenvolvimento com distribuição de renda e eliminação da pobreza. Um país que não quer mais a volta dos pesadelos do passado.
Esse novo país mal começou. Sei bem que ainda há muito porque se indignar no Brasil.
E é bom manter essa chama da indignação acessa. Foi ela que nos trouxe até aqui e é ela que nos vai levar a tempos bem melhores. Enquanto houver um só brasileiro injustiçado e tolhido em seus direitos, todos temos de nos indignar.
Mas sentir vergonha do próprio país, nunca. Isso é coisa de gente sem-vergonha.
(*) Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB 
*Nassif
*CibeliaPires

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