O
pensamento débil, pós-moderno, vanguardista, não pôde sequer
compreender a situação em que o mundo vive atualmente, muito menos
explicá-la, e, o que é pior, muito menos encontrar o caminho para a
transformação revolucionária da sociedade.
Entrevista com Jorge Martin, da Corrente Marxista Internacional – CMI
Não pode ser de outra forma, porque, definitivamente, esses intelectuais
de salões elegantes, representantes desse pensamento, tomados por uma
vaidade que se avizinha à prepotência, os mesmos que exaltam o
pós-moderno, o light, os que advogam pelo fim das ideologias e da luta
de classes, somente estão interessados em seu prestígio como
profissionais a serviço do poder dentro das instituições acadêmicas
universitárias.
Conversamos com Jorge Martin, membro
do Comitê de Redação da página web “In Defence of Marxism”
(www.marxist.com/es), editor da revista política da Corrente Marxista
Internacional, “América Socialista”, sobre a atualidade do pensamento de
Marx em uma época em que não há outra saída além da luta pelo triunfo
do socialismo.
P: Jorge, O Manifesto Comunista tem vigência atual para a análise
da sociedade capitalista? Neste contexto, são válidas as categorias,
usadas pelo marxismo, de classes sociais, mais-valia, trabalho
assalariado, visto que atualmente se diz que estamos frente à economia
do conhecimento, a uma economia desmaterializada, a uma economia que já
não se baseia no trabalho produtivo?
R: Na realidade, O Manifesto Comunista é o documento mais atual
para alguém que deseja entender o que está acontecendo atualmente possa
ler. Embora tenha sido escrito há quase 165 anos, o Manifesto descreve
de forma brilhante o mundo capitalista que vemos hoje, inclusive mais
que a situação que existia em 1847. Se alguém se interessar em ler
qualquer texto burguês daquela época, constatará que não tem mais que um
interesse puramente histórico. O Manifesto, por sua vez, descreve em
detalhes a dominação esmagadora do mercado mundial, as crises periódicas
do sistema capitalista, o surgimento da classe trabalhadora, a
concentração dos meios de produção, etc.
As categorias marxistas estão (se isso é cabível) mais vigentes
atualmente que na época de Marx quando realmente o sistema capitalista
mundial estava em sua infância. Aos que afirmam que a economia
capitalista já não se baseia mais no trabalho produtivo, temos que lhes
pedir que se detenham para pensar sobre quem lhes permite funcionar
mesmo que seja um só dia de suas vidas. Quem produz e como se produz a
cama onde dormem, os agasalhos que os abrigam, as paredes, janelas e
teto que os protegem das intempéries? De onde sai a comida que os
alimentam, a energia com que cozinham, o forno e os fogões onde a
transformam em pratos deliciosos? Quem produz o automóvel ou o
transporte coletivo que os levam ao seu local de trabalho e quem os
conduz? Poderíamos prosseguir indefinidamente.
Quanto à “economia do conhecimento”, se do que estamos falando é do
papel das tecnologias da informação e da comunicação, nada disso entra
em contradição com a análise marxista do capitalismo. Marx e Engels
explicam como “a burguesia não pode existir sem revolucionar
incessantemente os instrumentos da produção”. As novas tecnologias se
aplicam à produção para aumentar a produtividade do trabalho; o
conhecimento pelo conhecimento não tem valor algum sob o capitalismo se
não encontra uma aplicação na produção de mercadorias.
Se falarmos, por exemplo, do desenvolvimento de programas de software,
isto é feito pelos trabalhadores que geralmente trabalham para grandes
multinacionais e que recebem um salário em troca de sua força de
trabalho. Embora trabalhem diante de uma tela de computador e com um
teclado, em vez de apertar parafusos em uma cadeia de produção, são da
mesma forma, trabalhadores assalariados, dos quais se extrai mais-valia.
O produto final de seu trabalho talvez não possa ser tocado
fisicamente, mas da mesma forma é uma mercadoria, na medida em que tem
valor de uso e valor de troca e se vendem no mercado capitalista.
No contexto da aguda crise econômica enfrentada pelo sistema
capitalista, já não são somente nós os marxistas os que reivindicamos a
validade das análises de Marx, também os estrategistas mais
inteligentes da burguesia se vêem obrigados, com um sorriso amarelo, a
reconhecer sua validade.
P: É possível superar um sistema baseado em relações mercantis e no trabalho assalariado?
R: Não somente é possível, também é necessário. O capitalismo é
um sistema que se encontra em crise. As forças produtivas que ele criou
se rebelam contra os limites impostos pela propriedade privada dos
meios de produção e pelo Estado nacional. A presente crise econômica
provocou a destruição de 27 milhões de postos de trabalho, elevando o
total de desempregados a 200 milhões. Duzentos milhões de homens,
mulheres e, sobretudo jovens, condenados à inatividade, não porque não
existam necessidades humanas a serem satisfeitas, mas porque os
capitalistas (a minoria que é proprietária dos meios de produção) não
encontram mercado para transformar mercadorias em lucros.
Sobre a base da planificação democrática da economia seria possível
resolver de uma penada os problemas da fome, das enfermidades, da
desnutrição, da falta de acesso à água potável, do desemprego e da
pobreza extrema que hoje afetam centenas de milhões de pessoas em todo o
mundo. O único obstáculo é o capitalismo, que se baseia não em
satisfazer as necessidades da maioria, mas no lucro privado de uma
minoria. Para superar este obstáculo é necessário expropriar os meios de
produção e o capital para colocá-los a serviço da população.
Esse seria o primeiro passo para uma sociedade baseada não na carência,
mas na abundância. E, progressivamente, a eliminação do dinheiro e das
relações mercantis, que, ao invés de serem instrumentos de dominação e
exploração, se converteriam em mero mecanismo de controle
administrativo, para, finalmente, desaparecerem completamente.
P: Em que consiste a teoria marxista da política? Como entender a
partir do marxismo o que é a política? Qual é a diferença entre a
política burguesa e a política revolucionária? É possível ser apolítico?
R: Do ponto de vista marxista, toda luta de classes é uma luta
política. Logicamente, existe atualmente uma ampla rejeição à
“política”, em geral por parte dos jovens e trabalhadores que entram na
arena da luta pela justiça repugnados diante do ‘espetáculo’ dos
políticos, tanto de direita quanto de “esquerda”, que praticam,
fundamentalmente as mesmas políticas, todos envolvidos em escândalos de
corrupção. Esta rejeição é sadia e saudável. Mas há que ir mais além. A
política não é mais que a luta pelos interesses próprios e coletivos
dos trabalhadores e dos oprimidos como classe em oposição aos
interesses dos capitalistas como classe.
Do ponto de vista da classe dominante, a política se limita a oferecer
aos trabalhadores a possibilidade de votar em períodos determinados por
um partido ou outro, mas, em última instância, todas as decisões
importantes são tomadas nos conselhos de administração dos grandes
bancos e empresas. Essa é a política burguesa. Do ponto de vista dos
trabalhadores, a política deveria ser a luta para avançar em direção aos
interesses diários e concretos da classe oprimida, e a vinculação
dessa luta com o objetivo geral da tomada do poder político para se por
um fim ao regime capitalista de exploração.
A ideia da rejeição geral de toda política, na realidade, é muito útil à
classe dominante, pois se nós trabalhadores e trabalhadoras não
participamos politicamente, defendendo nossos próprios interesses, então
deixamos a política nas mãos do inimigo. O que é necessário é nos
organizarmos de tal forma que as organizações que a classe operária
criou ao longo de décadas e que manteve com seu esforço militante,
respondam realmente a seus interesses.
P: Pode-nos explicar o que é o reformismo? O reformismo enfrenta
necessariamente as mudanças revolucionárias? O dilema continua sendo
reforma ou revolução?
R: O reformismo é basicamente a ideia de que o sistema
capitalista pode ser melhorado, com pequenos remendos e reformas, de
forma gradual e por via parlamentar, até chegar a ser transformado por
completo. Na realidade, este era o reformismo clássico do dirigente da
socialdemocracia alemã Eduardo Bernstein, por exemplo.
O reformismo viveu sua época de ouro durante o boom do pós-guerra nos
países capitalistas avançados. Nesses países foram realizadas reformas
importantes que melhoraram as condições de vida da classe trabalhadora, o
que passou a ser chamado de Estado do bem-estar social. Saúde e
educação gratuitas para todos, moradias sociais baratas,
seguro-desemprego generoso, pensões de jubilação dignas, licença
maternidade, creches infantis públicas de qualidade, etc. Tudo isto foi
possível, por um lado, devido à luta e à organização da classe
trabalhadora e, por outro, devido ao longo período de crescimento
econômico que o capitalismo experimentou durante quase três décadas.
Nessas condições, parecia normal, pelo menos nos países capitalistas
avançados, pensar que um processo gradual de reformas iria limando as
asperezas do capitalismo. Isso fortaleceu a dominação das ideias
reformistas no movimento operário desses países. Contudo, as crises
capitalistas de 1973 e 1979 puseram um fim a essa época.
O capitalismo já não podia mais se permitir conceder sequer algumas
migalhas que sobrassem da mesa do patrão. Começou uma época de
contrarreformas e ataques que foram destruindo grande parte das
conquistas do passado. Inclusive quando os partidos socialdemocratas
chegaram ao poder não aplicaram políticas reformistas. A atual crise do
capitalismo evidencia, inclusive de forma mais aguda, a impossibilidade
de se conseguir reformas significativas e duradouras nos marcos de um
sistema senil.
Alguns descrevem este período como “neoliberal” ou argumentam que as
políticas de austeridade estão motivadas por critérios ideológicos.
Embora obviamente a classe dominante trate de estabelecer uma estrutura
ideológica para suas políticas, a verdade é que a crise econômica não
lhe permite conceder nenhuma reforma.
Como revolucionários não estamos contra as reformas; pelo contrário,
participamos de forma séria e consequente na luta pela defesa ou pela
conquista de qualquer reforma séria que melhore as condições de vida, de
trabalho e os direitos democráticos da maioria. Em sua obra clássica
“Reforma ou revolução”, a grande revolucionária alemã Rosa Luxemburgo
explica isto com clareza em resposta aos reformistas dentro do movimento
socialdemocrata:
“A luta cotidiana pelas reformas,
pela melhoria da situação dos operários nos marcos da ordem social
imperante e por instituições democráticas oferece à socialdemocracia o
único meio de participar na luta da classe operária e de se empenhar no
sentido de seu objetivo final: a conquista do poder político e a
supressão do trabalho assalariado. Entre a reforma social e a revolução
existe, para a socialdemocracia, um vínculo indissolúvel. A luta pelas
reformas é o meio; a revolução social, o fim”.
O que distingue revolucionários de reformistas, portanto, não é a luta
pelas reformas e sim que os reformistas pensam que é possível reformar o
capitalismo, enquanto que os revolucionários estão convencidos que o
mesmo deve ser abolido de forma revolucionária. Se as ideias reformistas
foram sempre utópicas, no contexto da crise capitalista mais severa
desde os anos 1930 o são ainda mais.
P: É possível mudar o mundo sem tomar o poder?
R: A ideia defendida por alguns intelectuais como Holloway, de
que é possível mudar o mundo sem tomar o poder, embora possa parecer
atraente e em certa medida uma reação ao estatismo estalinista do século
XX, na realidade não tem pés nem cabeça.
A classe dominante é dominante em virtude de sua propriedade dos meios
de produção, mas se dota de um Estado (“corpos de homens armados em
defesa da propriedade privada”, como afirmou Engels), para defender essa
dominação. O poder estatal é parte integrante da dominação
capitalista. O poder econômico não pode ser separado do poder político.
A ideia de que alguém pode simplesmente “sair” do capitalismo, criar
“espaços liberados” ou “autônomos” nos quais o capitalismo deixa de
existir, e que, de alguma forma, esses espaços vão se espalhar até que o
sistema não mais possa funcionar, é utópica e reflete ademais uma
profunda incompreensão do caráter fundamental do sistema capitalista.
Além de ter muitos pontos em comum com o gradualismo reformista, é uma
concepção profundamente idealista. Argumenta-se que, se convencermos a
maioria, através do exemplo voluntário de uns tantos, de que se pode
viver “fora do capitalismo”, então o restante nos seguirá. Contudo, as
coisas não são tão simples. O capitalismo não é um modo de vida, mas um
conjunto de relações sociais e de poder e é isso o que deve ser
transformado para se por um fim ao mesmo.
As ideias de Holloway se baseiam em grande medida na experiência dos
zapatistas no México. A luta dos camponeses pobres indígenas de Chiapas
é, sem dúvida, heroica, e seu levantamento contou com simpatias muito
amplas entre todos os oprimidos do México e muito mais além. Contudo, a
estratégia zapatista ficou desacreditada na prática. Ao renunciar à
luta pela tomada do poder no México, seu movimento ficou reduzido à
luta por uma autonomia cultural limitada a uma parte do país. Os jovens
das comunidades zapatistas continuam sendo obrigados a emigrar para
encontrar sustento em outras zonas do país, nas regiões turísticas ou
petrolíferas. A agricultura de subsistência não pode oferecer saída aos
milhões de trabalhadores e pobres do México. Os dirigentes zapatistas,
ao levar ao extremo a ideia de que todos os políticos são iguais, de
que não podemos participar da farsa eleitoral burguesa, finalmente se
isolaram de um dos movimentos mais importantes que já viram os oprimidos
no México em muito tempo: a luta contra a fraude eleitoral a López
Obrador em 2006.
A experiência das fábricas ocupadas na Argentina e em outros países,
também demonstra na prática que é impossível construir ilhas de
socialismo rodeadas de capitalismo, enclaves de uma nova sociedade
dentro da velha sociedade. As fábricas necessitam de insumos, fontes de
crédito, necessitam colocar seus produtos no mercado capitalista etc.
Recentemente, em um artigo sobre a Grécia, Holloway propunha como
alternativa aos brutais planos de austeridade “a volta ao campo, às
hortas urbanas, aos panelões populares”. Vemos, aqui, realmente, a
estreiteza de visão desta teoria. Uma coisa é que muitos gregos, sem
emprego, sem renda, sem casa, se vejam obrigados a voltar ao campo ou a
plantar algumas hortaliças para subsistir. Mas, realmente, pode-se
propor isso como alternativa ao capitalismo? A saída para a Grécia é a
unidade da luta operária para derrubar o governo, a nacionalização do
setor bancário e das grandes empresas sob o controle operário, para
tomar o controle da economia e poder planificá-la democraticamente no
interesse da maioria. Isto deveria vir acompanhado por um apelo
internacionalista aos trabalhadores da Europa e do mundo a seguir o
mesmo caminho e levantar um movimento de solidariedade com a revolução
grega.
Os trabalhadores da Siderúrgica Grega ocuparam as instalações e estão há
três meses em greve. Por acaso a alternativa para eles é abandonar a
fábrica e se por a cultivar tomates no balcão de suas casas? Sua luta
passa pela nacionalização sob o controle operário da empresa, para poder
colocar esses meios de produção condenados à inatividade pela crise
capitalista, a funcionar em benefício da maioria, usando o aço para
construir hospitais, pontes, escolas, etc.
Definitivamente não se pode mudar o mundo sem por fim ao sistema
capitalista, e isso passa pela tomada do poder político e econômico por
parte do povo trabalhador, pelos que produzem toda a riqueza.
P: Deve-se participar ou não politicamente no regime parlamentarista burguês?
R: O regime parlamentarista burguês não é mais que uma fachada
bonita para a ditadura do capital. Contudo, no momento, a maioria da
população não vê isto desta maneira. Em consequência, os revolucionários
devemos participar no parlamento, mas sem nenhum ilusão no mesmo, para
utilizá-lo como amplificador, como plataforma para a explicação das
ideias revolucionárias. Os bolcheviques na Rússia, enquanto não tiveram o
apoio suficiente para opor ao parlamentarismo uma autêntica democracia
soviética, participaram até das mais restritivas eleições à Duma
(parlamento) czarista, e utilizaram, de forma muito hábil, os
parlamentares eleitos para fazer propaganda pública da necessidade de
uma revolução e para denunciar o regime czarista.
Nos países europeus mais severamente afetados pela crise, inclusive a
farsa do parlamentarismo burguês começa a se quebrar e a mostrar de
maneira mais aberta seu autêntico caráter. Na Grécia e Itália, vimos a
substituição de governos eleitos democraticamente em eleições burguesas
por governos “tecnocráticos” compostos de representantes diretos dos
banqueiros e capitalistas, os quais ninguém elegeu.
Isto leva a um descrédito cada vez mais amplo nos políticos burgueses e
no regime parlamentar burguês em geral. No Estado espanhol, por
exemplo, um dos gritos de guerra do movimento dos “indignados” tem
sido: “não, não nos representam”. Ao mesmo tempo, vemos o aumento dos
votos para aquelas opções da esquerda que aparecem como um ponto de
referência alternativo (por exemplo, Esquerda Unida, na Espanha; o KKE e
Syriza, na Grécia).
Os parlamentares revolucionários, contudo, têm que romper abertamente
com as normas e costumes do parlamentarismo burguês. Em primeiro lugar,
devem renunciar aos privilégios e mordomias que acompanham o cargo. Um
deputado que quiser representar a classe operária deveria receber o
mesmo salário de um operário qualificado, e entregar o restante ao
movimento operário. Um deputado operário deveria se converter em
porta-voz de todas e cada uma das lutas dos trabalhadores na arena
parlamentar, para lhes dar desta forma a maior publicidade. Na
Grã-Bretanha dos anos 1980, a tendência marxista Militant logrou eleger
três deputados ao parlamento nacional dentro das listas do Partido
Trabalhista precisamente sobre a base da palavra de ordem “deputado
operário, salário operário”. A participação dos revolucionários nos
parlamentos burgueses não deve ser um fim em si mesmo, mas uma
ferramenta auxiliar na luta de classes, complementando e amplificando a
ação nas ruas.
P: Como explicar a partir da teoria marxista as categorias de democracia e de ditadura do proletariado?
R: A chamada “democracia”, democracia burguesa na realidade, não é mais
que uma fachada da ditadura do capital. Isto é, garante-se formalmente
uma série de direitos democráticos, desde que o exercício dos mesmos
não ameace o poder, os privilégios e a propriedade da classe
capitalista. Quando estes se veem ameaçados, a classe dominante não
duvida em recorrer a métodos ditatoriais de dominação, como vimos
graficamente no golpe de Estado de Pinochet no Chile em 1973.
Mas mesmo em um regime formalmente democrático, o poder real reside nos
proprietários dos meios de produção que têm a capacidade econômica de
decidir sobre o destino e o emprego de milhões de pessoas. Também
controlam os meios de comunicação para modelar a opinião pública,
compram e vendem políticos para defender seus interesses, etc. A
democracia e a igualdade sob o capitalismo são ilusórias. Como disse o
escritor francês Anatole France, “a lei, em sua majestosa igualdade,
proíbe igualmente aos ricos e aos pobres dormir sob uma ponte, mendigar
nas ruas e roubar pão”.
A ditadura do proletariado não é mais que outro nome para a democracia
operária. Sob o capitalismo, temos uma ditadura exercida por uma classe
minoritária sobre outra, que é majoritária. Sob a ditadura do
proletariado, é a classe trabalhadora, a maioria da sociedade, que
exerce o poder e o defende contra uma minoria exploradora que quer
restaurar o velho regime. A democracia operária, na realidade, não é
mais que um regime transitório; na medida em que o socialismo criar um
regime de abundância, a necessidade de um aparato estatal vai
desaparecendo.
Recomendo a leitura dos textos de Marx e Engels sobre a Comuna de Paris e
o clássico de Lênin “O Estado e a Revolução”, para uma explicação mais
detalhada destes conceitos.
P: São vigentes as proposições feitas em O Manifesto Comunista com respeito à organização revolucionária da classe trabalhadora?
R: Totalmente. A classe trabalhadora, pelo lugar que ocupa nas
relações capitalistas de produção, é a única classe que é potencialmente
revolucionária de forma consequente. Isso não quer dizer que não
necessite de, e que não deva buscar, o apoio de outras camadas da
sociedade, como os camponeses pobres daqueles países onde eles têm um
peso específico na sociedade, os pobres urbanos, as camadas baixas da
pequena burguesia, etc.
Nas recentes greves massivas em defesa do sistema de pensões e
aposentadorias na França, vimos dois exemplos disto. Por um lado, os
trabalhadores das refinarias, um setor altamente organizado e que havia
conquistado condições de trabalho e salariais superiores a outros
setores, se lançaram em greve por tempo indeterminado com piquetes nas
instalações. A medida rapidamente gerou a simpatia e solidariedade de
amplas camadas da população e chegou a paralisar praticamente a vida
econômica de todo o país. Isso demonstrou o poder potencial que tem
mesmo um grupo numericamente pequeno de trabalhadores. O outro exemplo
foi a greve dos trabalhadores dos transportes de segurança que
distribuem o dinheiro às sucursais bancárias e caixas automáticas. Uma
greve que, em poucos dias, ameaçava paralisar a vida financeira do país.
A classe operária, portanto, potencialmente tem o poder para tomar o
controle da sociedade. O que se necessita é de uma direção
revolucionária que esteja à altura. Esta direção não pode simplesmente
se autoproclamar, tem que ganhar o direito de dirigir a classe, através
de sua intervenção em todas e cada uma das lutas dos oprimidos. Nas
palavras de Marx:
“Os comunistas não formam um partido a parte dos demais partidos
operários. (...) Os comunistas não se distinguem dos demais partidos
proletários mais que nisto: no fato de que destacam e reivindicam
sempre, em todas e em cada uma das ações nacionais proletárias, os
interesses comuns e peculiares de todo o proletariado, independentemente
de sua nacionalidade, e em que, qualquer que seja a etapa histórica em
que se produza a luta entre o proletariado e a burguesia, sempre
mantém o interesse do movimento focalizado em seu conjunto. Os
comunistas são, pois, praticamente, a parte mais decidida, o acicate
sempre em tensão de todos os partidos operários do mundo; teoricamente,
levam de vantagem às grandes massas do proletariado sua visão clara
das condições, dos rumos e dos resultados gerais a que há de chegar o
movimento proletário” (O Manifesto Comunista, Marx e Engels, 1848).
P: Como compreender o movimento dos Indignados e Ocuppy Wall Street?
R: Estes movimentos são extraordinariamente sintomáticos.
Refletem um estado de ânimo cada vez mais amplo de oposição instintiva
ao sistema capitalista, que foi se acumulando durante anos e que saiu à
superfície com a atual crise econômica.
Palavras de ordem como “não somos mercadorias nas mãos de políticos e
banqueiros”, “não é uma crise, é o sistema”, trazem à luz a oposição
existente entre a maioria da população, que tem de vender sua força de
trabalho para assegurar o sustento, e uma minoria parasita, não eleita,
que se enriquece cada vez mais à custa desses 99%. Esta é uma conclusão
profundamente revolucionária a que chegaram camadas cada vez mais
amplas da população. É verdade que o papel decisivo nesses movimentos
foi realizado pela juventude, como não podia deixar de ser e como
costuma acontecer ao longo da história. Mas a juventude não é mais que o
barômetro sensível dos estados de ânimo geral na sociedade. Tanto nos
EUA quanto na Espanha, por exemplo, todas as pesquisas de opinião
realizadas mostram como 80% ou mais da população apoiam estes movimentos
e seus objetivos.
O fato de que nos EUA, o país capitalista mais poderoso do mundo, se
tenha proposto a ideia de uma greve geral, como aconteceu em Oakland,
Califórnia, contra a repressão brutal ao movimento Ocuppy, é também
muito significativo. Estes movimentos, além de questionar o próprio
sistema capitalista, refletem a ideia muito avançada de que é possível
fazer algo para mudar a situação, rompem com o fatalismo e o ceticismo
do “não há alternativa”. Inspirados pelos levantamentos revolucionários
na Tunísia e no Egito, milhões de pessoas nos países capitalistas
avançados chegaram à conclusão de que a única forma de mudar as coisas é
mediante a ação revolucionária das massas nas ruas.
Estas duas conclusões – o sistema não serve, podemos muda-lo através da
mobilização – são por si mesmas muito importantes. É verdade que estes
movimentos carecem de alternativa clara ao sistema capitalista e que,
neles, há todo tipo de ideias confusas a respeito. Como poderia ser
diferente? O movimento apenas acaba de iniciar, começa a despertar.
A tarefa dos marxistas é a de participar ativamente no mesmo,
persistindo e ressaltando seus elementos mais positivos, assinalando, ao
mesmo tempo, o que pensamos qual deveria ser o caminho a seguir.
Entrar em diálogo companheiro e paciente com as novas camadas de jovens
que se unem à luta para, na prática, demonstrar a utilidade e a
superioridade das ideias do marxismo para a luta revolucionária.
P: Sociedade civil, cidadania, multidão vs. Classe social. Qual delas é válida?
R: Na realidade, estes conceitos de “sociedade civil”, “cidadania”,
“multidão” etc., não fazem outra coisa senão esconder o verdadeiro
caráter da sociedade capitalista e as contradições em seu seio.
Cidadãos, somos todos, desde o banqueiro especulador, que recebe
bonificações milionárias enquanto deixa centenas de milhares de famílias
sem casa, até o trabalhador da construção que é despedido e não pode
se permitir ter um teto sobre a cabeça. Que interesses comuns temos?
Nenhum. A multidão tampouco significa nada na realidade.
Inclusive no caso das revoluções na Tunísia e no Egito, as massas saíram
às ruas, ocuparam as praças e enfrentaram o exército e a polícia. Mas o
fator chave no caso da Tunísia foi uma série de greves gerais
regionais que culminaram em uma greve geral na capital. No caso do
Egito, o movimento havia sido precedido por uma onda grevista e o
exército decidiu afastar Mubarak, justamente quando a classe
trabalhadora estava começando a entrar em cena de forma organizada.
O capitalismo se baseia na contradição central de uma classe dominante,
proprietária dos meios de produção, e uma classe desprovida, que não
tem mais que sua força de trabalho (manual ou intelectual) para vender.
É sobre a base desta análise científica que devemos ver qual é o
sujeito revolucionário.
Traduzido por Fabiano Adalberto
*Turquinho
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