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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 03, 2012

O êxito do Brasil e os perigos da hora


Em um de seus inquietantes paradoxos, Chesterton compara dois grandes santos da Igreja, para mostrar que o temperamento antagônico de ambos conduzia a um resultado comum. “São Francisco – dizia o autor de Ortodoxia – era a montanha, e São Domingos de Gusmão, o vale, mas, o que é o vale, senão a montanha ao contrário?”

Por Mauro Santayana, em Carta Maior

Em termos lógicos, e nisso o pensador católico foi mestre, o côncavo e o convexo se completam, como as duas partes de uma esfera oca. Seguindo o mesmo raciocínio, a ascensão e a queda, das pessoas, das empresas e – com mais propriedade – das nações, são duas categorias que se integram, no todo histórico. É preciso administrar a ascensão pensando na queda e ver, na queda, a oportunidade de repensar os métodos a fim de recuperar a ascensão.

Tudo indica que o Brasil se encontra em ascensão, mas é preciso ver esse momento com as necessárias cautelas. O mundo passa por um desses espasmos históricos bem conhecidos no passado. A Europa está atônita, daí a sua tentativa de, na demonização dos paises muçulmanos, de cujo petróleo depende, criar um inimigo externo que una os seus países, historicamente adversários. Mas, ainda assim, a crise econômica promovida pela licença de caça que seus governos deram aos bancos, continua a dividi-los.

Ainda que 25 paises tenham concordado com a política de arrocho fiscal determinada pela Alemanha, com o apoio da França, a Inglaterra e a Tchecoslováquia negaram sua assinatura. Os países que engoliram a pílula, começam a cuspi-la de volta, conforme a reação de Rajoy, da Espanha, solicitando flexibilidade na adoção das medidas recessivas, qualquer sinal de solidariedade do grupo. O primeiro ministro anunciou em Bruxelas que só pode prometer a redução do déficit público a 5,8 do PIB. E já surgem divergências entre a Alemanha e o Banco Central Europeu.

A Segunda Guerra Mundial foi um excelente negócio para os Estados Unidos, que dela emergiram como a grande potência hegemônica. Agora, no entanto, alguns dos paises que dela participaram e que contribuíram para a vitória com sangue, começam a sair do círculo de giz, e a constituir uma nova realidade planetária. Muitos desses países, como a Índia e a China, foram impiedosamente colonizados pela Europa, até meados do século 20. O Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul constituem novo pólo de poder, que está atraindo outras nações africanas e asiáticas.

Não se trata, ainda, de uma aliança política. São países bem diferentes, com visões de mundo claramente distintas, mas conscientes de que, se souberem interagir de forma pragmática – no respeito mútuo aos mandamentos de autodeterminação – serão capazes de se defenderem dos projetos de novo domínio anglo-saxão sobre a humanidade.

Durante a Guerra Fria, o pretexto para a intervenção dos Estados Unidos e da Grã Bretanha nos países periféricos era o do combate ao comunismo. Qualquer ação desses países, em sua política interna, que significasse a adoção de medidas de desenvolvimento autônomo, como a reforma agrária, a encampação de empresas estrangeiras que ofereciam serviço público de péssima qualidade, e relações comerciais com os paises socialistas, significava uma traição ao sistema ocidental, “democrático” e “cristão”. Assim, os princípios de autodeterminação dos povos e de não intervenção nos assuntos internos dos Estados foram abandonados, embora a retórica das Nações Unidas continuasse a proclamá-los.

Sendo assim, a América Latina - considerado território de caça de Washington - foi invadida por tropas americana ou por mercenários armados pelos Estados Unidos diversas vezes, isso sem falar na ação ostensiva e clandestina de seus agentes, na preparação dos golpes militares violentos, como ocorreu no Brasil, no Chile, na Argentina, entre outros países.

O Brasil vem sendo elogiado pelos seus êxitos na criação de um grande mercado interno, como resultado da política social e do incentivo às atividades econômicas de Lula e Dilma. Ao mesmo tempo, a partir de 1985, conseguimos manter o sistema democrático, com a realização das eleições conforme o calendário, e a alternância no governo de partidos e de pessoas. É uma hora carregada de perigos. Os Estados Unidos, que se encontram em crise, podem cair na velha sedução de usar dos recursos de que ainda dispõem, a fim de cortar o nosso caminho, como fizeram em 1954, no governo Vargas, e em 1964, com Jango. Não podemos permitir que a luta partidária, legítima e necessária, se deixe influir pelos interesses externos.

Sendo assim, o manifesto dos militares contra o governo tem o efeito danoso de estimular os nossos adversários externos, que nele começam a ver o retorno aos confrontos entre civis e militares do passado, dos quais eles souberam aproveitar-se. O documento já está sendo usado em São Paulo, contra a candidatura do PT.

Qualquer movimento que nos divida, como brasileiros, diante das ameaças estrangeiras, deve ser repudiado pelo nosso sentimento de pátria, comum aos civis e militares.
*Oterrordonordeste

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