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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 19, 2012

José Saramago


*Peviana

O imenso logro de Fátima


A multinacional do Vaticano persiste no ramo dos milagres mas em Fátima minguam os prodígios. Foi preciso recorrer a três médicos servitas, de Leiria, pai, mãe e filha, para atestarem a cura da D. Emília dos Santos que, pouco tempo depois, morreu curada após ter servido para a beatificação do Francisco e da Jacinta com o milagre feito a meias.
Até o milagre da cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo fervente de fritar peixe, foi feito numa casa de Ourém onde a miraculada tinha à mão uma imagem de D. Nuno que a ICAR desonrou com o milagre que lhe atribuiu. No entanto foi este prodígio que transformou o herói em colírio e o guerreiro em santo.
Fátima nasceu para combater a República e acabou na propaganda contra o comunismo mas nunca foi terreno fértil em milagres. São mais os peregrinos que morrem na estrada do que os doentes que se curam e não há memória de uma só ressurreição ou de uma perna que cresça a um amputado.
No entanto, a Cova da Iria é uma das sucursais da ICAR com maior rentabilidade. Dispõe da maior área coberta para orações e o que já foi um anjódromo, e o destino da Virgem que saltitava de azinheira em azinheira, é hoje o local de recolha de óbolos que aumentam na razão direta da pobreza a que vai sendo reduzido o povo. Já não surgem, talvez por pudor, barras de ouro fundidas com a cruz suástica, mas persistem as joias de quem sofre.
A coreografia deste ano foi abrilhantada por um cardeal, 22 bispos e 265 padres na missa que encerrou a peregrinação de maio. Bastam as sotainas de tanta criatura pia para dar aos crentes a ilusão de que se encontram numa paragem do Paraíso. Já nem é preciso pôr o Sol às cambalhotas. E ainda há quem diga que a Igreja procura a verdade, estranho eufemismo para designar as ofertas dos crédulos.
*DiarioAteista
Publicação de cartas secretas do Papa gera escândalo

Na Carta Capital




Um resumo do livro foi publicado nesta sexta-feira pelo jornal Il Corriere della Sera ©AFP / Vincenzo Pinto
ROMA (AFP) – A publicação de uma série de cartas confidenciais do papa Bento XVI sobre temas quentes, como as intrigas do Vaticano e os escândalos sexuais do padre mexicano Marcial Maciel, provocou desconforto na Itália diante de um vazamento de informações sem precedentes.
Um resumo do livro, que estará a venda no sábado em toda a Itália com o título Sua Santidade, cartas secretas do Papa, escrito por Gianluigi Nuzzi, autor do best-seller Vaticano SA, sobre as finanças da Santa Sé, foi publicado nesta sexta-feira pelo jornal Il Corriere della Sera.
Baseado em cartas confidenciais destinadas ao papa Bento XVI e ao seu secretário pessoal, Gerog Gaenswein, o livro descreve manobras e confabulações dentro do Vaticano e inclui relatórios internos enviados para o Papa sobre políticos italianos como Silvio Berlusconi e o presidente da República Giorgio Napolitano.
Também relata os confrontos com a chanceler alemã Angela Merkel sobre aqueles que negam o Holocausto, e as confissões do secretário do fundador da Congregação Mexicana Legionários de Cristo, Marcial Maciel, acusado de abusar de crianças e de ter uma vida dupla com duas mulheres e filhos.
Nuzzi teve acesso, possivelmente através de funcionários da Secretaria de Estado, a centenas de documentos, incluindo alguns que levam o selo “Reservado”, que foram elaborados pelo mesmo secretariado.
Este é o maior vazamento de documentos na história recente do Vaticano, que até agora não se pronunciou oficialmente sobre o assunto.
Entre as informações vazadas, figuram diretrizes específicas para tratar de questões com o Estado italiano por ocasião da visita presidencial em 2009.
“Devemos evitar qualquer equivalência entre a família fundada sobre o matrimônio e outros tipos de uniões”, diz o texto.
De acordo com trechos publicados pelo Il Corriere della Sera no suplemento especial Sette, o secretário do papa recebeu por fax
Marcial Maciel foi acusado de abusar de crianças e de ter uma vida dupla com duas esposas e filhos ©AFP / Omar Torrestodos
todos os detalhes do chamado “escândalo Boffo”, a operação para desacreditar o editor do Avvenire, jornal da Conferência Episcopal italiana, mediante acusações falsas de assédio homossexual e homossexualidade contra o jornalista Dino Boffo.
Tais cartas resumem o clima recente de guerra ocultada pelo poder dentro do governo central do Vaticano, a influente Cúria Romana, que minou a credibilidade da Igreja.
O nome do atual secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, mão direita do Papa e número dois da Santa Sé, está presente em muitos dos documentos e é afetado de forma negativa, sendo possível que o livro seja uma operação midiática para atacá-lo.
O jornal italiano Libero também publicou comentários sobre o livro. Nuzzi chegou a comentar sobre o difícil ano vivido com os “corvos” do Vaticano, que lhe passaram os documentos entre “silêncios, longas esperas e precauções maníacas”.
O jornalista confessou que não manteve mais contato com este “grupo informal” de informantes desde que o Papa nomeou uma comissão de inquérito, em março passado, para investigar os vazamentos, conhecidos como “Vatileaks”.
*Mariadapenhaneles

Deleite Simon e Garfunkel O Lutador



Convulsões na Europa?

A policia alemã prendeu mais de 400 italianos em Frankfurt na noite de ontem, no segundo dia de mobilização do movimento anticapitalista internacional Blockupy Frankfurt, como parte de uma acção de quatro dias que culmina numa manifestação sábado, contra os planos de austeridade da Europa.

Os manifestantes afirmaram que a polícia recorreu a espancamentos brutais, mas a polícia rejeita estas acusações. A polícia avançou com canhões de água, cercou o distrito financeiro e começou com a evacuação das áreas ocupadas. Os manifestantes não desistiram continuaram o seu protesto implacável.

Os oficiais removeram os blocos de manifestantes acampados em algumas áreas do distrito financeiro - como o arranha-céus sede da Goldman Sachs - e dispersou a manifestação de milhares de pessoas. O seu objetivo foi alcançado: "paralisar o distrito financeiro."Os manifestantes também protestaram contra a proibição imposta pelas autoridades para qualquer tipo de protesto. Após terem reclamado em diferentes tribunais, foi finalmente autorizado um único evento, o de amanhã, sábado.
A policia determinou que os jovens italianos não poderão aproximar-se da área urbana de Frankfurt até às 7h da manhã de sábado, dia estipulado para a mobilização .

 
"Vamos ficar aqui, nem todos tiveram a ordem de não se aproximar do centro da cidade", disse o activista italiano Luca Tornatore, falando de Frankfurt. Foi um dos italianos detidos e que depois foi solto.  "A cidade está completamente blindada" Afirmou um dos participantes. Cerca de 5000 polícias foram destacados.

Segundo as autoridades, esperam-se que milhares de manifestantes, incluindo cerca de 2.000 muito violentos venham de  toda a Europa.


O movimento anticapitalista organizou uma mobilização de quatro dias em Frankfurt, capital financeira da Alemanha, protestando contra a política dos cortes da UE, o desmantelamento do Estado social e dos resgates dos bancos.

 fonte:  Ansa

Descansem em paz

Um velho carquetico e caduco dá uma entrevista, diz besteiras e ainda tem quem leve isto a sério. Quanta bobagem.
Os tempos são outros e os militares tem consciência do que representam para o Brasil. Nada a ver com os tempos de coturnos, canhões e tortura.
Deixem os velhos saudosistas dos anos de chumbo morrerem em paz. 
Eles também são humanos e cidadãos - apesar de tudo - merecem respeito.
Requiem in pacem!
*Briguilino 

A ameaça de golpe militar do general Leônidas Pires Gonçalves

O general Leônidas Pires Gonçalves, um dos principais dirigentes da fase final da ditadura militar de 1964 e porta voz do Exército e do ainda presente poderio militar durante a presidência de José Sarney (1985-1990), do qual foi ministro do Exército, saiu para o ataque contra a presidente Dilma Rousseff e a Comissão da Verdade.
José Carlos Ruy
General Leônidas Pires Gonçalves
O general Leônidas Pires Gonçalves no tempo em que tinha poder...
O general, que tem 91 anos de idade, foi entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo hoje (18), e terminou a conversa com a repórter Tânia Monteiro com a tradicional ameaça golpista dos militares de sua geração que tiveram papel de destaque na ditadura militar. Respondendo à hipótese de mudança na Lei de Anistia, ele a defende com base na decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2010, chancelou a lei, e pôs as cartas na mesa: “Se quiserem fazer pressão no Supremo, o poder moderador tem de entrar em atuação no país”.
É uma ameaça clara: “poder moderador” é o eufemismo usado por estudiosos, chefes militares e políticos de gerações mais antigas, como a do general, para referir-se às Forças Armadas e sua intervenção golpista contra a normalidade democrática.
Isto é, contra a Comissão da Verdade e diante da perspectiva de responsabilização de agentes civis e militares da repressão que cometeram atrocidades durante a ditadura, o general tenta sacar o tacape.
Leônidas Pires Gonçalves foi o responsável pelo Doi-Codi no Rio de Janeiro entre abril de 1974 e janeiro de 1977. Nesta condição, foi o comandante da repressão contra a reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil em 16 de dezembro de 1976, tragicamente conhecida como Chacina da Lapa, que assassinou a tiros os dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo e sob tortura João Batista Drummond, além da prisão de outros militantes e dirigentes submetidos a bárbaras sessões de tortura.
O general classifica a Comissão da Verdade recém-instalada como "uma moeda falsa, que só tem um lado" e critica a presidente Dilma Rousseff dizendo que ela deveria deixar de olhar o passado e olhar "para o futuro do País".
Ele repete a desmoralizada ladainha de que as ações referentes aos crimes cometidos pela repressão durante a ditadura envolvem dois lados (o outro é o daqueles que resistiram à ditadura e lutaram contra ela) e que a anistia - significando esquecimento - deveria deixar a ação da repressão no limbo da história. É o erro que cometem os conservadores e aqueles que, civis ou militares, participaram direta ou indiretamente daqueles crimes que, no Brasil, nunca foram examinados, investigados e menos ainda punidos.
O Brasil já pagou um alto preço pelo erro histórico de colocar uma pedra sobre crimes dessa natureza. Durante os debates sobre as Disposições Transitórias da Constituição que iriam aprovar, em setembro de 1946, os deputados constituintes do Partido Comunista do Brasil insistiram na necessidade da dissolução das polícias políticas e “especiais” e da instauração de “processo criminal contra os carcereiros e policiais responsáveis por crimes e espancamentos na pessoa dos presos políticos”.
O deputado comunista João Amazonas, em apoio à exigência feita pela bancada, foi claro. É necessário, disse, “dissolver essa polícia política que, ainda hoje, é constituída dos mesmos assassinos, espancadores e torturadores do povo”. Citou especificamente um desses criminosos, “certo espancador, de nome Boré”, que organizou um núcleo “trabalhista” na polícia política para invadir sindicatos, espionar locais de trabalho, espancar e prender operários. Claudino José da Silva, que era ferroviário (e o único parlamentar negro daquela Assembleia), fortaleceu a argumentação dizendo que “o policial que maltrata, espanca, sevicia um preso político, pode e deve ser qualificado como um criminoso comum, merecendo por isso mesmo os castigos da lei penal”.
A maioria conservadora daquela Assembleia Constituinte rejeitou a proposta comunista. “Olhando para o futuro”, como quer o general que comandou o Doi-Codi do Rio de Janeiro, poupou e manteve em seus cargos os “Borés”, assassinos e torturadores, que participariam mais tarde do golpe militar de 1964 e proliferariam nos porões da repressão política comandada por oficiais como Leônidas Pires Gonçalves.
Olhar para o futuro implica em corrigir o passado, responsabilizar os que cometeram crimes sob o manto do Estado e criar as condições de plenitude democrática onde ações criminosas cometidas por agentes públicos contra pessoas postas sob a custódia do Estado sejam qualificadas como crime comum, como queria Claudino José da Silva há 66 anos atrás. 
*GilsonSampaio

A Comissão deve buscar a Verdade

Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:

A Comissão da Verdade tomou posse nesta quarta-feira com a delicada missão de encaminhar a última etapa da transição democrática.

A estratégia de esconder os esqueletos no armário e varrer a poeira dos anos de chumbo para debaixo do tapete se mostrou totalmente equivocada. Não fez justiça, nem trouxe paz.

Antiga sede do DOI-Codi poderá ser tombada

Condephaat aprovou estudo relativo ao prédio situado na Vila Mariana

Por: Vitor Nuzzi, no Rede Brasil Atual
36ª dpO Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), ligada à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, votou nesta semana, por unanimidade, pela abertura de Estudo de Tombamento do edifício que hoje abriga a 36ª Delegacia de Polícia, na rua Tutoia, na Vila Mariana. Durante a ditadura, o local era sede de um dos mais temidos órgãos da repressão: o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), do II Exército. O pedido, protocolado há pouco mais de dois anos, foi encaminhado pelo presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, e apoiado por outras entidades.
“Que fique claro, assim, que este estudo de tombamento, se aqui aprovado, versa sobre um 'lugar' definido de forma ampla e intensa, ou seja, um lugar histórico definido pelo vazio e pela aniquilação, o que implica lidar com a memória da dor e com a memória difícil, dentro dos esforços democráticos do nosso país”, afirma em seu parecer, aprovado pelo Condephaat, a professora Cristina Meneguello, do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ela, todo o conselho – integrado por pessoas de diferentes formações – “ficou extremamente sensível” com o caso.
“Era muito necessário que esse tipo de lugar fosse entendido como patrimônio”, observa a historiadora, citando o caso do campo de concentração de Auschwitz, tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e considerado patrimônio da humanidade. Tombamento não é apenas para lugares esteticamente bonitos, lembra Cristina.
Ela também recorda em especial da Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), na Argentina, um tristemente famoso centro de tortura, que se tornou o Museu da Memória, e do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago do Chile. Há o próprio caso da antiga sede do Dops, na região central de São Paulo, que se tornou o Memorial da Resistência. Por sinal, texto publicado no site do Memorial lembra os vários nomes pelos quais era conhecido o prédio da rua Tutoia: “Casa da vovó”, “Hotel Tutoia”, “Inferno” e “Hospital”.
“Dentro das proporções que lhes cabem, tanto no caso da Esma, do Dops ou do museu chileno, assim como em tantos outros memorais destinados a lembrar a barbárie, impera a necessidade de revisitar o passado, devolver dignidade às vítimas e às suas famílias e, por meio de ações educativas, estimular a reflexão para que fatos como estes não mais se repitam.”
“Sempre acreditei que precisávamos tombar aquele espaço, porque era significativo pela lembrança e para que as novas gerações pudessem conhecer um pedaço da história”, acrescenta Ronaldo Bianchi, ex-secretário-adjunto de Cultura do estado, atual vice-presidente da TV Cultura e um dos autores do pedido. Ele defende a necessidade de se criar “um espaço de liberdades individuais, de aceitar a diversidade”, que também faça lembrar de um “momento histórico de intolerância, por um grupo que usurpou o poder”.
Cristina lembra que o prédio da rua Tutoia está completamente descaracterizado e pouco mantém de suas características originais. Mas observa que o interesse é histórico e não arquitetônico. Ainda está lá o pátio, “que apavorava todo mundo”. Ali foi morto, em 1975, o jornalista Vladimir Herzog, entre tantas vítimas do arbítrio e da violência do Estado. “Toda essa discussão é uma ferida aberta”, afirma Cristina. “Quem estuda História tem um dever de memória pelos que se foram.”
*OCarcará

O Brasil, segundo Cesare Battisti

 

'Ao Pé do Muro' traz relato biográfico do terrorista italiano, controverso na direita e na esquerda, que se abrigou no País.

Por Marcelo Rubens Paiva


Sonhado de cara para a parede, a cidade se queima, diz a música De Cara a La Pared, de Lhasa de Sela. Lembra o exilado que deu um nó na Justiça brasileira, francesa e italiana, o geógrafo italiano Cesare Battisti.

Battisti deixa a penitenciária de Papuda, em Brasília

Caçado como terrorista internacional sob o peso de três assassinatos nas costas, encosta o rosto nas grades da sua cela da Papuda, Brasília, para, metodicamente, bronzear primeiro o perfil direito, depois o esquerdo, dar um tempo nos 32 anos de fuga e observar o voo de um pássaro branco, enquanto seus companheiros de presídio jogam cartas ou participam como torcedores dos conflitos de uma telenovela.
Assim começa a narrativa do fruto das “férias forçadas”. O livro Ao Pé do Muro é um curioso relato biográfico sobre como o estrangeiro vê o Brasil e, lógico, como chegou ao País cujo próprio presidente, Lula, negou sua extradição já decidida pelo STF para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua sem direito ao sol, causando um imbróglio diplomático.
Dois anos depois, a corte suprema brasileira o liberou dessa prisão, dando tintas de nonsense ao roteiro já difícil de entender.
Battisti é um debate vivo que incomoda, deixa dúvidas por onde passa, ciente de que foi “um tolo em construir emoções fundadas em mitos mortos”. Chegou o momento de estar contra a parede (encurralado).

Entrou no presídio com status de personagem de filme de ação. Mexeu com a fantasia dos presos; um gringo de olhos gelados associado a Bin Laden.
Aos poucos, a convivência decepcionou. É um “fracote” que ganhou a simpatia de ladrões, traficantes, pistoleiros, que o veem como apenas mais um a dividir a monotonia da prisão e os absurdos. Como a proibição de espelho e fósforo, o ataque de agentes penitenciários nas revistas, e o surto de um colega, JJ, que colocou fogo no colchão pois precisava de luz, já que “não conseguia mais se ver”.
Diferentemente de outros, o “gringo” não se empolga pelas discussões sobre futebol. Vive nas lembranças de um Rio de Janeiro que conheceu pelo avesso - um morro dominado por uma facção criminosa, Morro da Coroa, nos braços de uma companheira que não admitia que uma relação a dois não se traduzisse em casamento; lá da sua janela via as idas e vindas de compradores de drogas, dos garotos com Kalashnikovs e a movimentação da PM.
Battisti é uma figura controversa na direita e esquerda. Viveu as agitações estudantis de 1968 e partiu para a luta armada numa Itália em ebulição como membro dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), organização marxista clandestina de operários, bem menor que a mítica Brigadas Vermelhas que sequestraram e mataram o líder democrata-cristão Aldo Moro, numa ação estúpida e emblemática, que isolou de vez a esquerda radical, simbolizou a morte das utopias e provou a necessidade de se recriar uma esquerda aliada à democracia.
Aldo Moro no cativeiro
A PAC, como muitas organizações da época, perdeu o sentido da luta. Assaltava para garantir o sustento dos militantes e foi acusada de assassinatos: um agente penitenciário que maltratava presos, um agente policial e um simpatizante do fascismo, cujo filho, com 13 anos de idade na época, ficou paraplégico e hoje milita pela extradição de Battisti.
O grupo deixou de existir em 1979. Depois da morte de Moro, Battisti abandonou a luta armada. Então, começaram suas três décadas de uma vida pautada pelo caos, tema das suas narrativas.
Preso na Itália em 1979, escapou em 1981. Viveu clandestinamente em Paris. Depois, México, onde escreveu seu primeiro livro. Voltou “anistiado” para a França de François Mitterrand e fugiu antes de ser extraditado pelo governo Chirac de carro para a Espanha, Portugal, Ilha da Madeira, Ilhas Canárias e, finalmente, Fortaleza e Rio, cidade que não entendia no começo; desprezava os cariocas obcecados pela vaidade corporal, “cujo valor da vida tem ligação direta com a intensidade emocional de um só instante”.
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Hoje, ele se apresenta como ex-combatente. Já lançou 15 títulos. Ser Bambu e Minha Fuga Sem Fim, ambos publicados pela Martins Fontes, são dos poucos traduzidos no Brasil. Outros fizeram sucesso na França, como L’Ombre Rogue e Terres Brulées, livros inspirados em romances policiais (noir) que, como bons thrillers, não fogem do debate político, já que o crime prova a irracionalidade do sistema.
Em 2007, foi pego no Rio numa operação conjunta da Interpol. Quase foi trocado pelo ex-banqueiro Salvatore Cacciola, preso em Mônaco.
Salvatore Cacciola
Neste vaivém, duas mulheres, duas brasileiras, Áurea e Janaína (“um excesso de paixão e liberdade”), muita paranoia, inclusive das amantes, estado de quem precisava sempre fugir: “Já cheguei seriamente a pensar, sem nenhuma intenção de diminuir os homens, que as mulheres dizem a verdade até quando estão mentindo. Isso vale tanto para o amor como para a guerra...”
Battisti acha desonesto e irreal quando atribuem a ele o título de escritor. Mas é. “Para mim, os escritores são todos uns mentirosos; os maus sabem disso, e os bons desconhecem”, diz o personagem Zeca, xerife da cela, que vivia com uma Bíblia sem capa; normas de segurança.
Cesare Battisti não é herói nem anti e espera agora ter chegado ao fim da sua caçada. Continuará a ser uma das figuras mais controversas da década em que transformou utópicos jovens em terroristas isolados. Explodiam estações de trem, pubs, carros-bomba, matando por um ideal de uma maneira deturpada. Porém, sua condenação na Itália também é suspeita, já que ocorreu graças a denúncias premiadas de ex-companheiros. A literatura é a chance de redenção e continuar lutando, sem derramar sangue.
*MilitânciaViva