O mundo não é preto e branco, e sim colorido. Vamos falar de sexo?
do Sakamoto
Na
época da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo sempre aumenta a minha
percepção do quanto nós somos desinformados sobre a nossa própria
sexualidade. E terreno sem informação é fértil para o brotar o
preconceito e a discriminação, principalmente entre aqueles que acham
que a vida é um preto e branco maniqueísta, homem e mulher, macho e
fêmea e o resto é doença. Ignoram que há outras cores no meio do caminho
que, por sua vez, podem ser tão específicas que apresentem tonalidades
únicas e individuais. Sim, na prática, cada um tem sua própria cor.
Assustador e maravilhoso isso, não?
Por isso, pedi para Claudio Picazio,
psicólogo especialista em sexualidade, um texto que fosse didático para
ajudar aos leitores deste blog a entenderem a questão. Ele não encerra o
tema, claro. Muito pelo contrário, é um bom ponto de partida.
Para
entendermos a sexualidade e por uma questão didática, vamos analisá-la
sobre quatro aspectos diferentes e interligados: Sexo Biológico,
Identidade Sexual, Papeis Sexuais e Orientação Sexual do Desejo. Repito
essa divisão é didática, pois todos os aspectos se entremeiam, formando
dentro de nós aquilo que chamamos identidade de gênero.
Sexo Biológico:
Biologicamente falando quantos sexos existem? Dois, masculino ou
feminino. Quando nascemos pelas características que nosso corpo possui,
somos registrados como macho ou fêmea. Essa afirmação parece simplista e
óbvia, mas não é bem assim, quando falamos de sexo masculino ou
feminino estamos nos referindo às características dos órgãos sexuais e a
predominância que este tem no nosso corpo.
Muitas
pessoas nos anos 70, por uma questão de distinção ou até modismo,
começou a chamar a homossexualidade de terceiro sexo. Isto não é
verdade, só confundiu. Biologicamente falando, homens hetero, bi e
homossexuais não têm a menor diferença, assim como as mulheres hetero,
bi e homossexuais. Portanto, quando uma pessoa fala popularmente que um
gay não é homem, esta incorreto, o gay é tão homem quanto qualquer
outro, a única variação é por quem o seu desejo sexual se orienta. Há
exceções, é claro. Por exemplo, uma pessoa hermafrodita nasce com uma
dupla formação de características dos seus órgãos sexuais masculinos e
femininos.
Identidade Sexual:
Vamos definir como sendo o aspecto de onde guardamos a nossa certeza do
que somos. Quando nascemos, somos registrados como menino ou menina. A
partir daí somos tratados como tal e incoporamos a sensação de
pertencemos a um gênero. Acreditamos que somos menina ou menino: a forma
de como somos tratados é tão importante como o nosso sexo biológico
para a formação da nossa identidade sexual. Mas a nossa identidade
sexual não depende tanto do nosso corpo para se manter. Ele é importante
para seu desenvolvimento, mas a sensação de quem somos é muito maior, e
muito mais profunda do que o nosso corpo pode dizer.
Papeis Sexuais: Vamos
entender como papeis sexuais, todos os comportamentos definidos como
maneirismos, atitudes e expressões daquilo que chamamos de masculino e
feminino. Papeis sexuais são variados de cultura para cultura de
sociedade para sociedade e estão em constante transformação. Aquilo que
era considerado há 20 anos como exclusivamente ao papel feminino, hoje
também pode ser considerado do masculino. As mudanças sociais e
econômicas, o movimento feminista permitiu uma flexibilidade e mudança
das posturas rígidas de ser masculino ou feminino. Um exemplo: o uso de
brincos por homens.
Ainda temos muito enraizado
em nós os papeis sexuais e a analise que fazemos destes para julgar o
outro. Uma mulher que não se identifique muito com os papeis femininos
típicos, tenderá a ser “diagnosticada” pelos outros como lésbica. Mas
papeis sexuais não determinam desejo erótico e sim ações e atitudes que
incorporamos. Um garoto que não goste de futebol e de nenhum esporte
violento, será interpretado como “mulherzinha, gay”. Pensando nesse
exemplo, estamos dizendo que um homem heterossexual de verdade tem que
ser violento assim como uma mulher heterossexual de verdade tem que ser
passiva e meiga. Já estamos estabelecendo uma divisão entre os gêneros
complicada, porque incentivamos um comportamento na criança que mais
tarde brigaremos muito para retirar. Na verdade encontramos homens
heterossexuais e gays violentos, assim como encontramos homens
heterossexuais e homossexuais que não são violentos e nem se adaptam a
essa postura.
Orientação Sexual do Desejo:
Muita gente utiliza “opção sexual”, o que não é nada correto quando
falamos da sexualidade. Quando falo em “opção” estamos falando em
escolha e para ser considerada uma escolha teríamos que ter duas ou mais
coisas de igual significado ou valor para quem escolhe. Se desejo
erótico fosse opção teríamos que sentir desejos tanto por homens quanto
por mulheres da mesma forma. Isso não acontece por ninguém. Nenhum de
nós parou um certo dia, para pensar quem desejaria. Acredito que muitos
gostariam que assim o fosse, por que isso o permitiria flexibilizar,
variar, e não sofrer julgamentos e preconceitos tão doídos de serem
combatidos. Dizemos Orientação Sexual do Desejo pois nosso desejo se
orienta para um determinado objeto amoroso. Não optamos e sim percebemos
o nosso desejo erótico, descobrimos algo que já parece instalado em
nós.
O desejo erótico não é influenciável como
se imagina ser. Se o fosse não existiram gays e lésbicas. A nossa
sociedade é heteronormativa. Tudo que existe nela é feito pensando na
heterossexualidade. Pais e mães educam seus filhos para a
heterossexualidade. O preconceito social, a homofobia e as religiões
ainda são muitos fortes na sua postura contra a homossexualidade. E
mesmo com tudo isso os homossexuais não se influenciam pela
heterossexualidade.
“Desejo sexual” é parte
fundamental da orientação afetivo sexual, ao passo que uma “atitude
sexual” pode existir interdependentemente da orientação do desejo. Por
exemplo, na época da Segunda Grande Guerra muitas mulheres tinham
relações sexuais entre si, assim como muitos homens, no campo de
batalha. Estas mulheres sentiam falta de seus companheiros, a orientação
de seu desejo era claramente voltada para homens, mas relacionavam-se
sexualmente com outras mulheres. As mulheres motivadas por um desejo de
descarregar a sua energia sexual. Com a volta de seus companheiros, essa
atitude automaticamente deixava de existir.
Em
muitos casos, homossexuais que não querem viver a sua orientação, vão à
procura de igrejas, e/ou profissionais que estimulam atitude sexual
desses homossexuais. Esses gays tentam viver anulando o seu desejo
erótico e tendo somente atitudes sexuais heterossexuais. A dor psíquica é
muito grande.
Muitos meninos têm uma relação
que se chama “troca-troca” que está longe de ser considerada
homossexualidade. Um dos motivos é porque para a maioria o objeto
desejado internamente é uma pessoa do outro sexo. O que há é um
exercício de sexualidade, um descarrego de energia que está vibrando nos
corpos com toda a sua força e é vivido com um(a) colega. Em suma, todo
ser humano pode ter uma atitude sexual com qualquer dos sexos, mas seu
desejo interno, a libido, é o determinante de uma conduta homo, hetero
ou bissexual.
O que seria então a
bissexualidade? A bissexualidade não é termos uma atitude sexual por uma
pessoa e um desejo erótico por outra. A bissexualidade é um fenômeno
que algumas pessoas têm de desejar afetiva e sexualmente tanto homens
como mulheres. Não podemos falar que um bissexual optou por homens ou
por mulheres. Não escolhemos, conscientemente, por quem nos apaixonamos,
assim como não escolhemos por que vamos desejar eroticamente.
Concluindo:
podemos dizer que o desejo erótico, ou ele é homo, por uma pessoa do
mesmo sexo que o nosso, hetero por uma pessoa do sexo diferente do
nosso, ou bissexual que é o desejo erótico pela pessoa do mesmo sexo ou
do sexo oposto.
E a Travestilidade e a
Transexualidade, como se comportam? Uma pessoa hetero ou homossexual tem
a sua identidade sexual correspondente ao seu sexo biológico. Uma
travesti tem a sua identidade dupla, ou seja, ela se sente homem e
mulher ao mesmo tempo. O leitor deve se lembrar quando falamos de
identidade sexual? A sensação de pertencimento à identidade sexual
feminina e masculina da travesti é o que lhe garante mais do que o
desejo, a necessidade de adequar o seu corpo aos dois sexos que sente
pertencer.
A Travestilidade também não é opção,
muitas pessoas crêem erroneamente que a travesti é um gay muito
afeminado que resolveu virar mulher. Além de simplista esta afirmação
esta recheada de equívocos. Uma travesti diferente do gay tem uma
identidade dupla: masculina e feminina. Uma travesti pode ter papeis
sexuais tanto masculino como feminino, pois como já dissemos
anteriormente esse é um processo de identificação com valores e costumes
da sociedade. Quanto ao desejo erótico, uma travesti pode ser homo,
hetero, ou bissexual.
A maioria delas se
intitula homossexuais, mas não é bem assim. Quase a unanimidade dessas
travestis sente-se mulher. Na grande maioria do tempo, elas não desejam
eroticamente o seu amigo gay, elas desejam um homem típico
heterossexual. Portanto se uma pessoa se identifica, sente-se mulher e
sente atração por um homem, o seu desejo é heterossexual. Portanto a
maioria das travestis tem o desejo heterossexual. Uma relação
homossexual de uma travesti seria com uma outra travesti.
A
Transexualidade, caracteriza se pela identidade sexual ser oposta ao
sexo biológico é como se a sua “alma” fosse do sexo oposto do que o seu
corpo a condena. A necessidade de correção do corpo para a identidade
sentida se faz urgente. Muitos Transexuais se mutilam para poder fazer a
cirurgia de adaptação genital. A força da identidade sexual é a tônica
na construção da nossa identidade de gênero. Uma transexual também pode
ser homo, hetero ou bissexual.
Para quiser
se aprofundar, sugiro o livro “Uma outra verdade – Perguntas e respostas
para pais e educadores sobre homossexualidade na adolescência”, de
Claudio Picazio pela Editora Summus. A leitura é fundamental. Talvez com
informação possamos inverter uma lógica perversa. Quando alguns pais
“descobrem” que o filho é gay ou a filha lésbica, recebem suporte
emocional de parentes e amigos. Mas deixam sozinhos seus filhos, que têm
que passar sozinhos pela fase de sua própria descoberta. Isso é justo?
*GilsonSampaio