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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 08, 2012

O mundo não é preto e branco, e sim colorido. Vamos falar de sexo?

 

do Sakamoto
Na época da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo sempre aumenta a minha percepção do quanto nós somos desinformados sobre a nossa própria sexualidade. E terreno sem informação é fértil para o brotar o preconceito e a discriminação, principalmente entre aqueles que acham que a vida é um preto e branco maniqueísta, homem e mulher, macho e fêmea e o resto é doença. Ignoram que há outras cores no meio do caminho que, por sua vez, podem ser tão específicas que apresentem tonalidades únicas e individuais. Sim, na prática, cada um tem sua própria cor. Assustador e maravilhoso isso, não?
Por isso, pedi para Claudio Picazio, psicólogo especialista em sexualidade, um texto que fosse didático para ajudar aos leitores deste blog a entenderem a questão. Ele não encerra o tema, claro. Muito pelo contrário, é um bom ponto de partida.
Para entendermos a sexualidade e por uma questão didática, vamos analisá-la sobre quatro aspectos diferentes e interligados: Sexo Biológico, Identidade Sexual, Papeis Sexuais e Orientação Sexual do Desejo. Repito essa divisão é didática, pois todos os aspectos se entremeiam, formando dentro de nós aquilo que chamamos identidade de gênero.
Sexo Biológico: Biologicamente falando quantos sexos existem? Dois, masculino ou feminino. Quando nascemos pelas características que nosso corpo possui, somos registrados como macho ou fêmea. Essa afirmação parece simplista e óbvia, mas não é bem assim, quando falamos de sexo masculino ou feminino estamos nos referindo às características dos órgãos sexuais e a predominância que este tem no nosso corpo.
Muitas pessoas nos anos 70, por uma questão de distinção ou até modismo, começou a chamar a homossexualidade de terceiro sexo. Isto não é verdade, só confundiu. Biologicamente falando, homens hetero, bi e homossexuais não têm a menor diferença, assim como as mulheres hetero, bi e homossexuais. Portanto, quando uma pessoa fala popularmente que um gay não é homem, esta incorreto, o gay é tão homem quanto qualquer outro, a única variação é por quem o seu desejo sexual se orienta. Há exceções, é claro. Por exemplo, uma pessoa hermafrodita nasce com uma dupla formação de características dos seus órgãos sexuais masculinos e femininos.
Identidade Sexual: Vamos definir como sendo o aspecto de onde guardamos a nossa certeza do que somos. Quando nascemos, somos registrados como menino ou menina. A partir daí somos tratados como tal e incoporamos a sensação de pertencemos a um gênero. Acreditamos que somos menina ou menino: a forma de como somos tratados é tão importante como o nosso sexo biológico para a formação da nossa identidade sexual. Mas a nossa identidade sexual não depende tanto do nosso corpo para se manter. Ele é importante para seu desenvolvimento, mas a sensação de quem somos é muito maior, e muito mais profunda do que o nosso corpo pode dizer.
Papeis Sexuais: Vamos entender como papeis sexuais, todos os comportamentos definidos como maneirismos, atitudes e expressões daquilo que chamamos de masculino e feminino. Papeis sexuais são variados de cultura para cultura de sociedade para sociedade e estão em constante transformação. Aquilo que era considerado há 20 anos como exclusivamente ao papel feminino, hoje também pode ser considerado do masculino. As mudanças sociais e econômicas, o movimento feminista permitiu uma flexibilidade e mudança das posturas rígidas de ser masculino ou feminino. Um exemplo: o uso de brincos por homens.
Ainda temos muito enraizado em nós os papeis sexuais e a analise que fazemos destes para julgar o outro. Uma mulher que não se identifique muito com os papeis femininos típicos, tenderá a ser “diagnosticada” pelos outros como lésbica. Mas papeis sexuais não determinam desejo erótico e sim ações e atitudes que incorporamos. Um garoto que não goste de futebol e de nenhum esporte violento, será interpretado como “mulherzinha, gay”. Pensando nesse exemplo, estamos dizendo que um homem heterossexual de verdade tem que ser violento assim como uma mulher heterossexual de verdade tem que ser passiva e meiga. Já estamos estabelecendo uma divisão entre os gêneros complicada, porque incentivamos um comportamento na criança que mais tarde brigaremos muito para retirar. Na verdade encontramos homens heterossexuais e gays violentos, assim como encontramos homens heterossexuais e homossexuais que não são violentos e nem se adaptam a essa postura.
Orientação Sexual do Desejo: Muita gente utiliza “opção sexual”, o que não é nada correto quando falamos da sexualidade. Quando falo em “opção” estamos falando em escolha e para ser considerada uma escolha teríamos que ter duas ou mais coisas de igual significado ou valor para quem escolhe. Se desejo erótico fosse opção teríamos que sentir desejos tanto por homens quanto por mulheres da mesma forma. Isso não acontece por ninguém. Nenhum de nós parou um certo dia, para pensar quem desejaria. Acredito que muitos gostariam que assim o fosse, por que isso o permitiria flexibilizar, variar, e não sofrer julgamentos e preconceitos tão doídos de serem combatidos. Dizemos Orientação Sexual do Desejo pois nosso desejo se orienta para um determinado objeto amoroso. Não optamos e sim percebemos o nosso desejo erótico, descobrimos algo que já parece instalado em nós.
O desejo erótico não é influenciável como se imagina ser. Se o fosse não existiram gays e lésbicas. A nossa sociedade é heteronormativa. Tudo que existe nela é feito pensando na heterossexualidade. Pais e mães educam seus filhos para a heterossexualidade. O preconceito social, a homofobia e as religiões ainda são muitos fortes na sua postura contra a homossexualidade. E mesmo com tudo isso os homossexuais não se influenciam pela heterossexualidade.
“Desejo sexual” é parte fundamental da orientação afetivo sexual, ao passo que uma “atitude sexual” pode existir interdependentemente da orientação do desejo. Por exemplo, na época da Segunda Grande Guerra muitas mulheres tinham relações sexuais entre si, assim como muitos homens, no campo de batalha. Estas mulheres sentiam falta de seus companheiros, a orientação de seu desejo era claramente voltada para homens, mas relacionavam-se sexualmente com outras mulheres. As mulheres motivadas por um desejo de descarregar a sua energia sexual. Com a volta de seus companheiros, essa atitude automaticamente deixava de existir.
Em muitos casos, homossexuais que não querem viver a sua orientação, vão à procura de igrejas, e/ou profissionais que estimulam atitude sexual desses homossexuais. Esses gays tentam viver anulando o seu desejo erótico e tendo somente atitudes sexuais heterossexuais. A dor psíquica é muito grande.
Muitos meninos têm uma relação que se chama “troca-troca” que está longe de ser considerada homossexualidade. Um dos motivos é porque para a maioria o objeto desejado internamente é uma pessoa do outro sexo. O que há é um exercício de sexualidade, um descarrego de energia que está vibrando nos corpos com toda a sua força e é vivido com um(a) colega. Em suma, todo ser humano pode ter uma atitude sexual com qualquer dos sexos, mas seu desejo interno, a libido, é o determinante de uma conduta homo, hetero ou bissexual.
O que seria então a bissexualidade? A bissexualidade não é termos uma atitude sexual por uma pessoa e um desejo erótico por outra. A bissexualidade é um fenômeno que algumas pessoas têm de desejar afetiva e sexualmente tanto homens como mulheres. Não podemos falar que um bissexual optou por homens ou por mulheres. Não escolhemos, conscientemente, por quem nos apaixonamos, assim como não escolhemos por que vamos desejar eroticamente.
Concluindo: podemos dizer que o desejo erótico, ou ele é homo, por uma pessoa do mesmo sexo que o nosso, hetero por uma pessoa do sexo diferente do nosso, ou bissexual que é o desejo erótico pela pessoa do mesmo sexo ou do sexo oposto.
E a Travestilidade e a Transexualidade, como se comportam? Uma pessoa hetero ou homossexual tem a sua identidade sexual correspondente ao seu sexo biológico. Uma travesti tem a sua identidade dupla, ou seja, ela se sente homem e mulher ao mesmo tempo. O leitor deve se lembrar quando falamos de identidade sexual? A sensação de pertencimento à identidade sexual feminina e masculina da travesti é o que lhe garante mais do que o desejo, a necessidade de adequar o seu corpo aos dois sexos que sente pertencer.
A Travestilidade também não é opção, muitas pessoas crêem erroneamente que a travesti é um gay muito afeminado que resolveu virar mulher. Além de simplista esta afirmação esta recheada de equívocos. Uma travesti diferente do gay tem uma identidade dupla: masculina e feminina. Uma travesti pode ter papeis sexuais tanto masculino como feminino, pois como já dissemos anteriormente esse é um processo de identificação com valores e costumes da sociedade. Quanto ao desejo erótico, uma travesti pode ser homo, hetero, ou bissexual.
A maioria delas se intitula homossexuais, mas não é bem assim. Quase a unanimidade dessas travestis sente-se mulher. Na grande maioria do tempo, elas não desejam eroticamente o seu amigo gay, elas desejam um homem típico heterossexual. Portanto se uma pessoa se identifica, sente-se mulher e sente atração por um homem, o seu desejo é heterossexual. Portanto a maioria das travestis tem o desejo heterossexual. Uma relação homossexual de uma travesti seria com uma outra travesti.
A Transexualidade, caracteriza se pela identidade sexual ser oposta ao sexo biológico é como se a sua “alma” fosse do sexo oposto do que o seu corpo a condena. A necessidade de correção do corpo para a identidade sentida se faz urgente. Muitos Transexuais se mutilam para poder fazer a cirurgia de adaptação genital. A força da identidade sexual é a tônica na construção da nossa identidade de gênero. Uma transexual também pode ser homo, hetero ou bissexual.
Para quiser se aprofundar, sugiro o livro “Uma outra verdade – Perguntas e respostas para pais e educadores sobre homossexualidade na adolescência”, de Claudio Picazio pela Editora Summus. A leitura é fundamental. Talvez com informação possamos inverter uma lógica perversa. Quando alguns pais “descobrem” que o filho é gay ou a filha lésbica, recebem suporte emocional de parentes e amigos. Mas deixam sozinhos seus filhos, que têm que passar sozinhos pela fase de sua própria descoberta. Isso é justo?
*GilsonSampaio

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