Você sabia que o Brasil já foi condenado por racismo?
OEA condena Brasil por não punir caso de racismo
O caso SIMONE ANDRÉ DINIZ
A autora desta façanha foi a negra Simone André Diniz (foto) e pela primeira vez um país do Continente Americano foi responsabilizado pelo sistema interamericano de Direitos Humanos pelo crime de discriminação racial. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), acatou o pedido de Simone, e em uma decisão inédita, condenou o Brasil. De acordo com o órgão, o Estado brasileiro violou artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Racial ao permitir que um caso de racismo fosse arquivado sem a abertura sequer de uma ação penal. O relatório da comissão da OEA, Estado brasileiro "falhou ao não cumprir a sua obrigação", diz o relatório, definida em convenções internacionais as quais assinou, de garantir a investigação de um caso de racismo.
Segundo o relatório da comissão da OEA, publicado no início do mês de novembro de 2006, o Estado brasileiro "falhou ao não cumprir a sua obrigação", pois.o Brasil assinou em Convenções Internacionais que garantiria a todos os seus cidadãos, investigar, julgar e punir casos de racismo em todo o território nacional, porém , "falhou ao não cumprir a sua obrigação". A sansão da comissão da OEA, também determinou que o estado brasileiro indenizasse Simone, cujo caso tinha sido arquivado 8 anos antes à pedido do Ministério Público ao Poder Judiciário do Estado de São Paulo.
Simone conta que no dia 02 de março de 1997, uma amiga viu um anuncio nos classificados do jornal Folha de S. Paulo. A vaga seria para empregada doméstica e na 4ª linha do anuncio, trazia o requisito para a vaga de emprego: "preferência branca". Ela então ligou para o número indicado no anúncio e se fez interessada pela vaga, e ao perguntarem sua cor, Simone afirmou ser negra. Do outro lado, a resposta foi taxativa: "Você não preenche os requisitos". Ela ainda tentou argumentar, mas a resposta foi sempre a mesma, de que a exigência era por uma empregada de cor branca.
Imediatamente, Simone entrou em contato com a subcomissão do negro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo. Iniciava ali uma campanha que chegou a reunir mais de cem entidades de classe, de direitos humanos e do movimento negro. Também denunciou o caso à polícia e foi aberto um inquérito. Na delegacia, a autora do anúncio confirmou a preferência por uma candidata branca e alegou ter feito esta exigência porque uma ex-empregada que era negra, tinha maltratado os seus filhos e estes estariam traumatizados. Porém el jamais registrou esta ocorrência e nem a suposta empregada negra que teria maltratado seus filhos foi ouvida ou reconhecida.
Dentro de 14 dias, a polícia concluiu o inquérito sem responsabilizar ninguém, e o encaminhou à Justiça. O Ministério Público arquivou o caso sob a alegação de não ter havido "qualquer ato de racismo" ou "base para oferecimento de denúncia". A recomendação do promotor foi acatada pelo juiz, que arquivou o caso antes mesmo de ele virar ação penal. O arquivamento provocou manifestações das entidades e o caso foi denunciado à comissão da OEA. Era a primeira vez que o Estado brasileiro era denunciado na OEA por racismo.
Por oito anos, o caso tramitou na comissão. O Instituto do Negro Padre Batista e o Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) são os atuais responsáveis pela denúncia. Segundo Sinvaldo José Firmo, advogado do instituto, o anúncio já é uma prova de racismo. A legislação vigente em março de 1997 previa como crime "praticar, induzir ou incitar" o preconceito de raça ou cor -lei publicada meses depois definiu melhor os crimes raciais.
Para Maria da Penha Santos Lopes Guimarães, coordenadora do departamento jurídico do instituto, o depoimento da autora do anúncio serve como confissão de discriminação.
"Não acredito que a versão dela seja verdadeira. Mas, se for, ela queria fazer um apartheid com seus filhos? Se a doméstica que teria batido em seus filhos fosse branca, ela colocaria um anúncio pedindo empregada negra ou asiática?", questionou Maria da Penha.
No relatório, a comissão da OEA estipula que o Brasil reconheça publicamente a violação de direitos da Simone, pague uma indenização (não há valor estipulado), dê apoio financeiro para que ela faça um curso superior e promova a reabertura das investigações.
- PS :- O caso de Simone abriu precedente pra que todos os casos de racismo insolúveis, arquivados ou sem atenção da Justiça brasileira tenham o mesmo desfecho. Vamos usar como modelo?
Fonte:
Compilado integralmente do site:
entrevista
A empregada doméstica Simone André Diniz tinha 19 anos quando, sozinha, decidiu denunciar o ato de discriminação racial do qual foi vítima.
Telefonou para entidades do movimento negro, foi à polícia. Mais de nove anos depois, Simone disse que chegou a pensar em desistir da denúncia, que foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. "Hoje, as pessoas me agradecem pelo que eu fiz", disse. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Por que você resolveu denunciar esse caso?
Simone André Diniz - Ocorrem muitos casos de racismo, e as pessoas deixam para lá. Será que só o branco pode trabalhar? O negro tem de catar papelão na rua? Tem de catar latinha na rua? Mas ter um trabalho digno o negro não pode?
Folha - Quando você ligou, achava que poderia mudar a opinião da autora do anúncio?
Simone - Achei que poderia ter sido um engano. Mas não foi isso. Eles não queriam mesmo. Não queriam uma pessoa da pele negra, de jeito nenhum.
Folha - Como você se sentiu quando lhe disseram que não queriam uma empregada negra?
Simone - Eu fiquei triste. Se você for numa cadeia, você vai ver negros, sim. Mas você também vai ver brancos. As pessoas têm de ver a capacidade da pessoa. A cor não quer dizer nada.
Folha - Você tinha sido vítima de racismo semelhante outras vezes?
Simone - Eu tinha ido a uma loja com meninas loiras, cabelos enormes. Estava escrito que estavam precisando de moças. Eu entrei e, logo que elas me viram, elas falaram que o quadro já estava preenchido. Aí eu falei: "Então vai tirar aquela plaquinha lá da porta".
Folha - E elas tiraram?
Simone - Na minha frente, elas tiraram. Pode ser que depois tenham colocado de novo. Mas, na minha frente, eu fiz tirar.
Folha - Você ficou decepcionada em relação à apuração do caso no Brasil?
Simone - Fiquei. Porque, para eles, foi tanto fez como tanto faz. Para eles, foi só mais um caso. Se eles tivessem mais interesse, não precisaria chegar ao ponto em que chegou, de ter de ir para o Exterior. Porque aqui no Brasil dizem que tudo acaba em pizza. Infelizmente, o meu caso acabou em pizza mesmo. É aquilo: "Vamos arquivar, e está tudo certo".
Folha - Essa decepção fez você pensar em desistir do caso?
Simone - Quatro anos atrás, eu pensei isso. Os jornalistas me procuravam, e eu dizia: "Você me perdoa, mas eu não quero mais". Fico me expondo, e não dá em nada. Mas, conversando com os meus advogados, eu mudei de idéia.
Folha - Depois dessa exposição, você chegou a ser vítima de outro ato de discriminação racial?
Simone - Não. Mesmo porque onde eu vou as pessoas brincam comigo e dizem: "Não chama ela de pretinha, não". As pessoas lembram do que aconteceu, principalmente no bairro onde eu moro.
Folha - Mas, quando falam assim, é com ironia ou respeito?
Simone - Respeito. As pessoas me agradecem pelo que eu fiz. Porque muitos não teriam coragem de ter feito o que eu fiz.
Folha - O que você diria para uma pessoa que recentemente foi vítima de racismo?
Simone - A pessoa tem de correr atrás dos direitos dela. A nossa moral em primeiro lugar. Se aconteceu e não fizer nada, vai sempre acontecer. As pessoas vão sempre pisar. E eu acho que ninguém deve ser pisado por ninguém. Ninguém é melhor do que ninguém.
*Geraldoceliodantaspoderoso