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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 29, 2011

Hermenêutica

Hermenêutica
A arte de interpretar o sentido da palavra do autor
Josué Cândido da Silva*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Hermenêutica remete ao deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses
É comum ouvirmos os jovens se queixando da falta de compreensão dos pais e os pais, por sua vez, dizerem que não entendem seus filhos. Se problemas de compreensão surgem até mesmo entre pessoas de uma mesma família, o que dizer de pessoas afastadas de nós por centenas ou milhares de anos? Como podemos ter certeza de que estamos interpretando Platão ou uma passagem do Evangelho segundo a intenção de seu autor? Tais problemas constituem o objeto de investigação da hermenêutica.

O termo "hermenêutica" remete ao deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, aquele que traz notícias. O hermeneuta seria aquele que tanto transmite quanto interpreta uma mensagem, já que não é possível separar uma coisa da outra. Por conseguinte, hermenêutica seria a arte de interpretar o sentido da palavra do autor, principalmente de textos clássicos.

Para o filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911) a pergunta fundamental da hermenêutica é: "como é possível o compreender?" Ou seja, o que me torna capaz de compreender o que outra pessoa disse ou "quis dizer"? No caso das ciências da natureza, a interpretação do cientista é algo a ser anulado para deixar os fatos falarem por si mesmos, de modo a garantir a objetividade do conhecimento. Nas ciências humanas, ocorre o processo inverso, é justamente a vivência do sujeito que permite atribuir uma significação aos acontecimentos.

Compreendendo a mim e aos outros
Cada um de nós atribui um significado às nossas vivências construindo a nossa biografia individual, que é o que permite que eu me reconheça quando olho as fotos de minha infância, por exemplo. É também a minha biografia individual que permite que eu estabeleça uma conexão entre a vivência individual e a existência coletiva, o que possibilita que eu compreenda os outros da mesma forma com que compreendo e interpreto as minhas próprias vivências.

Por exemplo, que se estivesse no lugar de outra pessoa em uma determinada situação teria feito isto ou aquilo. Ao observar o modo de agir de alguém, eu posso compreender não só o que ele está fazendo, mas também o sentido possível de sua ação, isto é, o que o sujeito pretende ao realizar tal ação. Da mesma forma, quando observo a expressão de alguém, posso inferir se ela está triste, preocupada etc.

Além do agir e da expressividade, a linguagem constitui o principal meio para se compreenderem as manifestações vitais. É através dela que as vivências se exteriorizam permitindo que se tornem comuns, constituindo nosso mundo cultural. As vivências são, portanto, o que possibilita nossa compreensão mútua, que nem sempre está isenta de mal-entendidos.

Validade da interpretação
Como as pessoas interpretam os eventos segundo suas vivências, estas nem sempre correspondem as de outras gerações ou culturas, levando aos erros de interpretação. O problema está, portanto, em estabelecer parâmetros para saber quais interpretações são válidas e quais não são. Sem tais parâmetros, poderíamos acabar achando que qualquer interpretação sobre um fato social ou histórico seria igualmente válida.

Um outro complicador nessa questão é que, ao contrário das ciências naturais em que há a possibilidade de se repetir um experimento, nas ciências humanas não há como "provar" que a interpretação é correta. Não se pode, por exemplo, consultar os que já estão mortos para saber se concordam com a nossa interpretação, ou mesmo garantir que um entrevistado esteja dizendo a verdade ao falar sobre suas memórias ou experiências.

Um parâmetro sugerido pelo filósofo Jürgen Habermas para garantir a objetividade de uma interpretação seria, além do uso de métodos reconhecidos pela comunidade de historiadores ou cientistas sociais, a justificativa do intérprete por ter escolhido essa hipótese e não aquela, além da explicitação dos pressupostos dos quais partiu.

"Círculo virtuoso"
Nas ciências humanas assim como nos diálogos cotidianos permanece sempre aberta a possibilidade de demonstrar argumentativamente as razões para se compreender algo desta ou daquela maneira. Através da crítica de outros estudiosos, podemos melhorar nossa compreensão do objeto e reconstruir a teoria em um processo contínuo.

Tal processo foi denominado por Dilthey de "circulo virtuoso" em que partimos de uma compreensão provisória do objeto, confrontamos os dados com a compreensão que tínhamos dele e alargamos nossa compreensão.

Isso tudo permite que nós, seres humanos, possamos compreender melhor a nossa arte, história, cultura e sociedade e se não resolve o problema da comunicação entre pais e filhos, ou entre povos de diferentes culturas, pelo menos nos permite entender porque isso acontece.

*Josué Cândido da Silva é professor de filosofia da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus (BA).
*aartedoslivrespensadores

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