Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 03, 2011

O trabalho e o jogo





Leandro Konder
Os brasileiros estão jogando cada vez mais. A prática das apostas ganha novos adeptos a cada dia. O jogo do bicho prospera. O Governo federal e os Governos estaduais promovem suas diversas loterias. Muita gente faz fila para arriscar a sorte na sena, na quina da loto ou nas numerosas raspadinhas.
O fenômeno está preocupando muitos setores da sociedade. Nos círculos conservadores se fala, com escândalo, na "generalização da jogatina" e se adverte contra a expansão da "influência perniciosa do vício". Outras áreas lamentam que os poucos recursos economizados pelos assalariados sejam investidos numa aventura, em vez de serem sabiamente poupados e postos a render dividendos.
Mesmo entre os que enxergam os aspectos desagregadores do jogo, entretanto, há muitos espíritos críticos que procuram compreender o que está acontecendo e repelem a tentação autoritária do recurso simplista a medidas de repressão.
As proibições com freqüência são dolorosas, traumáticas e inócuas. Em lugar de tentar resolver os problemas prendendo e arrebentando, devemos procurar discernir suas raízes históricas e culturais. Devemos ter a coragem de indagar se o poder de atração do jogo não tem a ver com o tipo de sociedade que foi criado aqui, ao longo da nossa história.
A questão – note-se – não é exclusivamente brasileira: é fácil percebermos que ela tem uma presença marcante na América Latina. O grande escritor argentino Jorge Luis Borges já escreveu uma vez: "Yo soy de un pais donde la loteria és parte principal de la realidad". As sociedades do nosso continente nasceram, todas, sob o signo da aventura: os europeus que destruíram as culturas indígenas e importaram negros escravizados apostavam no enriquecimento rápido.
No caso brasileiro, as condições se agravaram enormemente com a modernização autoritária e a sucessão das negociatas. A população tinha a impressão de que as elites haviam transformado a sociedade num imenso cassino. Entre os grandes trambiqueiros do nosso país, quantos foram exemplarmente punidos? E quantos permaneceram (e permanecem) impunes?
Obrigado a dar duro para sobreviver, o trabalhador vem observando esse espetáculo e tentando extrair dele sua lição. A experiência quotidiana e o sufoco do salário arrochado lhe dizem com muita eloqüência que no mundo do trabalho quase não há espaço para a esperança. O sonho, expulso pela remuneração aviltante, emigra para o jogo.
A paixão pelo jogo cresce paralelamente à constatação de que o trabalho está caracterizado como ocupação de otário. O que conta, para o trabalhador, não são os discursos em que os políticos e os empresários o cobrem de elogios: é o salário que lhe mostra o que ele realmente vale aos olhos do Estado e do patrão.
O homem do povo, o homem comum, está valendo pouco na nossa sociedade. Quando ele joga no bicho ou na loto, aposta no futebol ou nas corridas de cavalo, é claro que não está contribuindo, concretamente, para superar a situação frustrante para a qual foi empurrado, como vítima, pelos donos do poder político e econômico.
A "fézinha" só pode resolver o problema de um ou outro no meio de muitos milhares. No entanto, o movimento que leva a pessoa a jogar manifesta, também ao lado da ilusão, certo inconformismo diante do vazio do presente. Quem joga, afinal, ainda está mostrando que é capaz de ansiar por um futuro melhor.
Como se pode canalizar esse inconformismo e essa ânsia de um futuro mais bonito para uma ação historicamente mais fecunda do que a febre das apostas? Como mobilizar coletivamente as energias que se dispersam na aventura individualista do jogo?
Creio que a direção política em que deve ser buscada uma resposta democrática para essas indagações passa, necessariamente, por uma enérgica valorização do trabalho – e dos trabalhadores.
Leandro Konder é filósofo
{Publicado no jornal Brasil de Fato]

"TODA SORTE PRA VOCÊ!"


Há muito tenho observado as propagandas das loterias da CEF - Caixa Econômica Federal-, e pus-me a pensar sobre o grau de "cinismo" daqueles que as criam.
Senão vejamos, o personagem acima, simbolo das loterias, é um homem dos seus 50 anos, calvo, barriga protuberante, vestido de forma simples e, diríamos, de mal gosto.
Passa as propagandas à  incitar todos a jogar nas loterias e desejando sorte à todos.
Não é profundamente triste, que, uma imensa maioria de pessoas, retratadas neste boneco, só tenha como vã esperança, melhorar sua vida com um sorteio lotérico?
Será que só resta ao homem de meia-idade, um milagre numérico para que possa mudar sua vida?
Não entrarei, óbvio, na seara filosófica sobre o que é ser feliz, ou o que se precisa para tanto, mas asssitir o homenzinho da CEF à cruzar os dedos, piscar os olhos, na esperança de um vida melhor.....
Penso que os "marketeiros" da caixa dão boas risadas ao retratar, quase de modo sátiro, uma verdade social.
.....toda sorte prá você!
Sad..but true.

Nenhum comentário:

Postar um comentário