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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 01, 2011

O doutor Lula e o engenheiro Aleluia


De olhos opacos no turbilhão do mundo 
Mauro Santayana 

O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.

Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o titulo concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.

O título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo. Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?

O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.

Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.

A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.

Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.

É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.

*esquerdopata

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