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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 14, 2011

"Você é o nosso chefe!", disse Bono Vox para Lula

Bob Fernandes

Bono Vox e Lula se encontraram no Hotel Sofitel/Ibirapuera (foto: Divulgação)
Nesta quarta, 13 de abril, o U2 encerra sua passagem pelo Brasil. O espetáculo U2 360º, um mix da história musical da banda embalado em tecnologia, muita tecnologia, e num  manifesto político. Para quem não foi e não viu, ficarão as imagens e fotos-oportunidade de Bono Vox com Dilma Rousseff e Lula. Mas, as andanças e conversas de Bono pelo Brasil foram muito além disso.
Para quem imagina ser Bono apenas um presepeiro em busca de um "selo social", vale informar quem são seus companheiros de viagem, o que buscam, e o teor da sua conversa com o ex-presidente Lula.
Quando Bono e o U2 viajam em turnê, e assim está sendo no Brasil, junto está a ONE, uma das organizações de ação social da qual Bono foi co-fundador, esta em 2004.
As outras organizações das quais Bono faz parte são a DATA (Dívida, AIDS, Comércio, África), criada em 2002, e a RED, criada e dirigida por Bobby Shriver. A RED arrecada fundos com a venda de produtos que são ícones globais e o dinheiro é destinado ao combate à tuberculose, AIDS e malária.
O CEO, o grande executivo da ONE, aquele senhor de óculos e barba rala que aparece em uma ou outra foto-oportunidade, é Joshua A. Bolten. Este cidadão, que toca a banda social de Bono na ONE, trabalhou por 6 anos na Casa Branca, diretamente com o presidente dos EUA, George Bush, o Júnior.
Joshua Bolten dirigiu a Administração e o Orçamento da Casa Branca de 2003 a 2006 e foi Chefe de Staff na sede do governo entre 2006 e 2009. Sim, Joshua trabalhou com Bush Júnior, aquele dos poderosos lobbies. E foi esse o motivo, lobby (valendo o sentido norte-americano do termo) que levou Bono a trazer Joshua para a ONE.
Joshua esteve na conversa entre Lula e Bono Vox, que se deu na segunda-feira 11, entre as 14 e as 16 horas na Suíte Presidencial, 19º andar do Hotel Sofitel/Ibirapuera.
Presentes e testemunhas do encontro o empresário Paulo Okamoto - um dos coordenadores do Instituto Lula -, Marisa Leticia e outro assessor da ONE, Oliver Buston. A tradução ficou por conta de Sérgio Ferreira, o mesmo que trabalhou com Lula na Presidência.
Num dos trechos principais da conversa, no seguinte diálogo, disse Bono, textualmente, palavra por palavra, ao ex-presidente do Brasil:
-Deixe-me dizer uma coisa que talvez seja impertinente.
-Pode dizer...
-... o seu trabalho, agora que você deixou a presidência, ele de certa forma só começou. Deixe-me sugerir que há um trabalho maior, que envolve 1 bilhão de pessoas, e sua presença física...
-Sim...
- Você é nosso chefe! Nós temos 2 chefes. Nelson Mandela...eu fui do movimento anti-apartheid quando o Nelson Mandela pediu para eu me envolver... temos o Nelson Mandela e (Desmond) Tutu, mas eles se aposentaram. Nós olhamos em volta e quem pode nos ajudar a levar as coisas adiante? Nós trabalhamos com a direita e com a esquerda, com Bush...
Nesse instante, Bono interrompe sua fala e pergunta:
-...bem, quem está à esquerda de Bush?
A resposta é de Joshua, o ex-assessor de Bush:
-À esquerda do Bush? Todo mundo está à esquerda do Bush...
Finda a gargalhada geral, Bono prossegue:
-...trabalhamos com a direita e com a esquerda, com Bush e com Gordon Brown. Mas esse modelo antigo quebrou. Agora há um novo centro.
-Sim...
-Eu sugiro que o seu destino é pegar isso que você fez no Brasil e levar adiante. Eu tremo ao dizer isso, porque o senhor já poderia se aposentar, mas o senhor é um lutador e está pronto para a batalha.
Sob atenção e testemunho de Joshua Bolten e dos demais, e em meio a elogios, disse ainda Bono Vox a Lula:
- O senhor é um homem mágico, mas nós não acreditamos em mágica, acreditamos em estratégia e sabemos que o senhor tem estratégias. Nós queremos conhecer as suas estratégias.
Lula, na síntese de sua resposta, disse:
-Eu quero que vocês saibam que eu estou nessa luta pela África de corpo e alma.
No início da argumentação, Lula discorreu sobre seu período de governo.
Falou das iniciativas em relação ao continente africano (embaixadas, fábrica de retro-virais, a universidade federal Luso-Afro-Brasileira em Redenção, entre outros exemplos) e relatou:
-A elite brasileira  me criticou muito por isso, mas para mim o Oceano Atlântico é apenas um rio (...) o Brasil tem uma imensa fronteira com a África e muitas possibilidades de parcerias.
Na sequência, o ex-presidente esmiuçou algumas políticas públicas do seu período; do Bolsa Família e ampliação do mercado interno ao Luz para Todos, contou que seu governo "foi bom também para os ricos" e, em determinado momento, deve (é de se supor) ter provocado alguma perplexidade no ex-assessor de George Bush. Isso, no instante em que disse:
- Foi preciso um metalúrgico socialista para implantar o capitalismo no Brasil e ampliar a criação de empregos...
Nesse clima de diálogos surpreendentes, o republicano Joshua Bolten também não se furtou em fazer sua frase. Confessou o  ex-assessor de Bush:
- Me juntei à ONE  porque nos meus  anos na Casa Branca nunca vi um lobbista tão eficiente quanto o Bono...
Bono relatou a Lula o que quer com  a ONE: que ela seja uma força global de lobby para os pobres, algo tão forte como a NRA é para quem defende a posse de armas nos Estados Unidos...
Disse ainda o líder do U2 que a África hoje "olha para dois  lados" e que vê estes lados, a Ásia e o Brasil, como exemplos de locais que tiraram pessoas da pobreza.
Bono fez um reparo quanto à direção dos olhares da África:
-  Enquanto a Ásia é autocrática, o Brasil é um modelo democrático, um modelo que eu prefiro...
O líder do U2 elogiou muito a Mo Ibrahim, um empresário sudanês de telecomunicações que paga um prêmio de U$5 milhões para os presidentes africanos que deixem os governos sem tentar a ampliação dos mandatos originais.
Mo Ibrahim, para Bono, é modelo de empreendedorismo, tecnologia, transparência e democracia para a África.
Um dos pontos da conversa entre Bono e Lula foi a China. O líder do U2 pediu a Lula que ajude a convencer os chineses a aprovar uma lei para garantir a transparência dos investimentos da China na África. Ou seja, a ideia é tentar cercear, ao menos diminuir, a corrupção.
Enquanto a banda ainda toca, seguem os trabalhos. Nesta quinta-feira, 14, se reúnem as equipes da ONE, sem Bono, e a que está criando o Instituto Lula.
O ex-presidente informou a Bono Vox que está "construindo" a proposta do Instituto Lula para a África e ambos combinaram de voltar a conversar.
*luisnassif

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