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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 07, 2011

Liberdade é pensar por si mesmo


Toda hora a gente ouve os economistas e os comentaristas falarem dos “fundamentos da economia”. E da velha regra de que quando a demanda cai, a produção cai e os preços, idem.
Lógico, isso reduziria a inflação, não é?
A obviedade, porém, não resiste à prova dos fatos.
Quem tem mais de 40 anos e viu, já adulto, a espiral inflacionária, sabe que o poder de compra do povo brasileiro caía, caía e os preços, ao contrário, subiam, subiam.
Mesmo depois do Plano Real, o combate à inflação sempre foi o argumento usado para proteger a mais vergonhosa espoliação do nosso país.
Em nome dele, endividou-se o nosso país a níveis inacreditáveis. Desde lá, até 2001, nosso endividamento passou de 15 para 55% de toda a riqueza produzida no país. E pagamos, neste período, mais de 200% de juros reais, líquidos, descontada a inflação.
Isso não é aplicação financeira, é prática de agiotagem.
Há mais de 40 anos praticamos uma política que, quando consegue – e foram raras as vezes em que conseguiu – dar algum impulso à economia, o fez à custa da renda do trabalho e do desenvolvimento soberano do país.
Faz pouco tempo que isso mudou. E olha que nem mudou tanto.
Na segunda metade de seu primeiro mandato, iniciado com um país combalido, o Governo Lula passou a ensaiar um caminho diferente, que se consolidou e afirmou como rumo permanente no seu segundo mandato, notadamente a partir da crise de 2008.
Conservamos o regime de metas de inflação – um mandamento divino, na visão de nossos conservadores – mas colocamos ao lado deles metas – embora menos formais – de crescimento do emprego, do salário-mínimo e da economia como um todo.
O dia da independência deve nos trazer à mente uma reflexão serena, mas corajosa.
Algo só perde valor quando este valor se transfere para outro lugar, porque valores materiais não se evaporam.
A grande perda da economia brasileira não é a inflacionária, embora a inflação não deva ser tolerada tanto por seu poder corrosivo sobre a renda do trabalho quanto pela perda de referências que isso traz.
A grande perda do Brasil é exaurir suas riquezas, as da natureza e do trabalho humano, alienando-as da sociedade e retirando-as da circulação interna em que teriam um efeito multiplicador.
Agora, que o destino nos aquinhoou com uma imensa massa de petróleo, que representa uma possibilidade de recuperarmos uma parte, apenas uma parte, de tudo o que já se levou deste país, agridem e sabotam nossa maior e mais lucrativa empresa.
A política de defesa do poder de compra e das riquezas nacionais é atacada como quando, ao atirar em seu próprio peito, Vargas acusou:
“Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Os tempos, nestes quase 60 anos mudaram. A equação, não.
Os países podem emergir sem rupturas. A China recompôs os laços com o mundo que a revolução havia rompido. A Índia jamais rompeu abruptamente suas relações, embora sejam dolorosas as marcas de seu passado colonial.
Mas jamais poderão emergir pensando pela mente alheia.
Como um ser humano, um país precisa amar e respeitar a sim mesmo, encontrar sua identidade, aprender a conviver com os demais em harmonia fraterna, mas jamais injusta.
Um pequeno gesto, mínimo mesmo, em defesa de nós mesmos, como foi a redução de meio – apenas meio por cento! – por cento nos juros que pagamos, os mais altos do planeta, despertou uma fúria insana contra uma política econômica que, no essencial, tem seguido as regras da “cartilha”, produzindo superávits e apenas cortando com prudência os exageros da especulação.
Temos uma elite feroz, que infelizmente conseguiu espalhar sua ideologia aos setores da inteligência brasileira que, em troca de ser cosmopolita de segunda ou terceira categoria, deixou de nos ver como um só país, uma só nação, um só povo.
O dia da pátria nos traga, em lugar de um nacionalismo formal e vazio, a ideia de que essa mãe deve ser gentil a todos os brasileiros.
E que acreditemos que esse país, enorme e rico como é, tem não arenas o direito, mas o dever de trilhar um caminho próprio. Um caminho onde seu povo não seja mais excluído.
O seu caminho inevitável, como a nossa história está desenhando.
*Tijolaço

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