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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 24, 2011

Os Palestinos são os novos judeus


Os palestinos são os novos judeus

Os palestinos sangraram por 63 anos o preço pago pelo erro fatal da oposição de seus líderes ao plano de partição de 1947; os israelenses não devem agora lamentar por outros 63 anos e pagar um alto preço por sua teimosia e oposição resistente ao plano de partição de 2011. Olhem para eles e olhem para nós. Eles são o que nós fomos um dia. O artigo é de Gideon Levy.

Olhe para os palestinos e olhe para nós. Olhe para os seus líderes e lembre dos nossos. Não, é claro, dos que temos hoje, mas dos que um dia tivemos, aqueles que estabeleceram um estado para nós. Os palestinos são os novos judeus e seus líderes são impressionantemente parecidos aos ex-líderes sionistas.

O David Ben-Gurion deles não está mais com eles – Yasser Arafat morreu em circunstâncias misteriosas – mas olhe para Mahmoud Abbas: não é ele Levi Eshkol? Saeb Erekat – não é Abba Eban? Salam Fayyad – não é ele Pinhas Sapir ou Eliezer Kaplan? A mesma moderação, a mesma personalidade discreta, o mesmo pragmatismo, a mesma sabedoria política e até, em certo grau, o mesmo senso de humor. Para alcançar o que é alcançável, desistir dos grandes sonhos – no plano de partição e também na solução dos dois estados.

Na época, foram os líderes sionistas pragmáticos que concederam e transigiram, hoje, são os líderes pragmáticos da Autoridade Palestina. Na época eles insistiam em ter tudo, agora é nossa vez. Ambos foram fustigados por uma oposição interna extremista, ultranacionalista e intransigente.

O grupo palestino que está agora na ONU deveria nos lembrar do grupo de sionistas que estiveram na mesma instituição, 64 anos antes. Sim, eles têm diferenças. E ainda assim sua similaridade é cativante: hoje eles são os fracos versus os fortes, Davi versus Golias, seu Qassam não pode não nos lembrar de nosso Davidka [Davizinho].

Eles são hoje aqueles cuja causa é justa aos olhos do mundo. O mesmo mundo que entendeu, em novembro de 1947, que os judeus (e os palestinos) mereciam um estado, entende em setembro de 2011 que os palestinos finalmente merecem um estado. Então, depois do trauma do Holocausto, agora, depois do trauma da ocupação, sem fazer comparações.

Nos próximos dias o povo estará grudado nos seus rádios, contando os votos: Rússia, sim; Estados Unidos, não; Argentina – abstenção. Isso não nos lembra de tempos esquecidos? As Nações Unidas cresceram desde então, mas a proporção será similar: uma maioria absoluta a favor. A diferença: as grandes potências apoiaram a partição na época, a grande potência hoje se opõe ao estado palestino. Mas a validade moral permanece a mesma, não há mais quem no mundo seriamente afirme que eles não merecem o que nós merecemos, sem ser racista, ou chauvinista ou um oportunista cínico.

É impressionante como os israelenses não estão dispostos a reconhecerem as similaridades. É impressionante como estão sendo usados e como estão cegos, por conta de uma campanha de lavagem cerebral e das táticas do medo, por meio das quais o reconhecimento dos direitos dos palestinos são apresentados como uma ameaça e um perigo existencial, e nada mais.

Por que é que não há israelenses o suficiente que veem a oportunidade e a esperança para Israel neste passo diplomático? Sim, para Israel também. E por que é que não há israelenses o suficiente que veem nitidamente o fato claro de que o coração de quase o mundo inteiro está com os palestinos, e que não estão tocando uma sirene ensurdecedora e atrasada em homenagem a eles?

Israel no seu nascimento foi considerado um modelo de sociedade, muitíssimo distante do que o é a Palestina, no seu. Israel legou valores para o mundo socialista e feminista, o kibutz e o moshav, a absorção de imigrantes e a igualdade da mulher – um farol de igualdade e justiça social. Os palestinos estão hoje numa posição inferior: sua sociedade é mais corrupta e menos igualitária que a nossa era, nem eles estabeleceram um estado por si mesmos, com instituições sólidas como as que tínhamos.

Mas a situação aqui se tornou irreconhecível. A Israel de 2011 não é mais considerada um modelo de sociedade em nenhum aspecto. Com um certo número de políticos israelenses corruptos na prisão, ou a caminho, com um capitalismo bastante selvagem e uma ocupação bastante brutal, a história do grande sucesso nacional e social do século 20 é hoje considerada a história de uma oportunidade perdida no século 21. O caminho da reparação dessa oportunidade fatal perdida deve ser agora o do novo plano de partição.

Os palestinos sangraram por 63 anos o preço pago pelo erro fatal da oposição de seus líderes ao plano de partição de 1947; os israelenses não devem agora lamentar por outros 63 anos e pagar um alto preço por sua teimosia e oposição resistente ao plano de partição de 2011. Olhem para eles e olhem para nós. Eles são o que nós fomos um dia.

Tradução: Katarina Peixoto
*Brasilmobilizado

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