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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, outubro 25, 2012

34 favelas foram incendiadas em São Paulo neste ano” e mais 1 atualizações

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34 favelas foram incendiadas em São Paulo neste ano

34 favelas foram incendiadas em São Paulo neste anoNa manhã do dia 17 de setembro, a favela do Moinho era só tristeza. Pela segunda vez em menos de nove meses, a comunidade havia sido incendiada. Uma pessoa morreu, e 80 famílias perderam tudo que tinham.
Esse foi o 34° caso de favela incendiada na cidade de São Paulo só neste ano. Nos últimos dois meses, ocorreram pelo menos quatro casos em diferentes comunidades. Na favela Sônia Ribeiro, conhecida como Morro do Piolho, o incêndio ocorreu no dia 3 de setembro; na Brasilândia foi em 1° de setembro; em São Miguel Paulista, na Zona Leste, em 28 de agosto; e na favela na região de Vila Prudente, no dia 23 do mesmo mês.
O Programa de Prevenção contra Incêndios em Assentamentos Precários (Previn) ainda não recebeu recursos do orçamento municipal neste ano, e ações que deveriam ter sido realizadas desde 2009 em toda a cidade foram executadas em apenas 50 das 1.565 favelas do município.
As famílias desabrigadas perdem tudo. Além dos bens materiais conquistados a muito custo, que são destruídos pelas chamas, não ter onde morar causa outros transtornos e humilhações na vida dessas pessoas. Muitas delas perdem as vagas nas creches e escolas dos filhos, ficam com dificuldade de manter-se no emprego e nem as condições de reconstruírem suas vidas lhes são garantidas. Exemplo disso aconteceu na favela do Moinho: as famílias, principalmente mulheres e crianças, foram agredidas por Guardas Civis Metropolitanos, que impediam os moradores de se aproximarem do local do incêndio, no intuito de evitar que reconstruíssem seus barracos.
A quem interessam os incêndios?
A recorrência destes casos fez com que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado de São Paulo iniciasse investigação para averiguar as causas reais dos incêndios. O atual prefeito, Gilberto Kassab, declara que os incêndios ocorrem em decorrência da baixa umidade do ar, aliada a situações precárias de moradia. No entanto, pela forma como aconteceram, não caracterizam acidente. A maioria deles, segundo relatos dos moradores, começam pelas laterais do conjunto de barracos, e não no centro, o que justificaria a argumentação do prefeito.
A suspeita é de que os incêndios estejam sendo provocados por grupos e corporações com interesse em aumentar a especulação imobiliária nessas regiões. Grande parte dos casos se deu em favelas localizadas próximas a áreas da cidade almejadas por grandes construtoras. Parece ser uma enorme coincidência que nas regiões da periferia da cidade, onde estão localizados o maior número de favelas, mas de pouco interesse para o mercado imobiliário, o número de incêndios seja muito menor.
Raquel Rolnik, professora da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, escreve: “É bastante estranho que favelas que já passaram por situações muito mais precárias e propensas a incêndios do que hoje – a existência de barracos de madeira, por exemplo – estejam pegando fogo exatamente agora, no contexto de um dos mais altos booms do mercado imobiliário paulistano”.
Em julho deste ano, a AES Eletropaulo, companhia de distribuição de energia elétrica de São Paulo, interrompeu o fornecimento de energia para a Comunidade da Paz, em Itaquera, Zona Leste da cidade, bairro onde está sendo construído o estádio Itaquerão. Em consequência disso, os moradores passaram a utilizar velas para a iluminação, o que ocasionou um acidente que levou a morte um morador da favela. Ainda que se trate, neste caso, de um incêndio acidental, a origem continua sendo a especulação imobiliária.
Segundo relato dos moradores Pedro e Cícero, que participam das reuniões e mobilizações de denúncia desses crimes, a Eletropaulo cortou a energia a mando da Subprefeitura de Itaquera, e esta ação faz parte da política de expulsão da população pobre da região.
“Onde a gente mora hoje é praticamente o canteiro da obra. Eu acho que o corte da energia tem a ver com as obras da Copa, se não eles dariam informações do que vai acontecer com a gente”, relata Cícero.
CPI pra “inglês ver”
Em março de 2012, a Câmara Municipal de São Paulo instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar e apurar a possibilidade dos incêndios serem uma atuação criminosa. Em cinco meses de funcionamento, a CPI, que deveria reunir-se periodicamente, teve apenas três reuniões, sempre alegando falta de quórum para tal.
A Comissão é composta por seis vereadores, sendo três do partido do prefeito Gilberto Kassab (PSD), e os demais de partidos aliados. Até agora, os únicos encaminhamentos da CPI foram a nomeação do relator (Aníbal de Freitas, do PSDB) e da vice-presidente (Edir Sales, do PSD). Não houve apresentação do relatório que tinha prazo até 9 de setembro para ser concluído, e a CPI teve de ser prorrogada.
No último dia 27, a reunião da CPI foi mais uma vez adiada por falta de quórum, e movimentos sociais e moradores das favelas atingidas realizaram uma manifestação em frente à Câmara. Cerca de 100 pessoas exigiam avanço nas investigações e atendimento digno para as famílias.
Os manifestantes agendaram uma nova reunião de organização deste movimento que tem contato com a participação de diversas entidades com a convicção de que somente a luta será capaz de cessar esses crimes, porque esta CPI “chapa branca” já, há meses, vem demonstrando de que lado está, e não é do lado do povo.
Vivian Mendes e Ana Rosa Carrara, São Paulo

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