Genoino fala a Terra Magazine: “O que fiz pelo PT foi legítimo e necessário”
por MARINA DIAS
Um dia após ter sido condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), em 10 de outubro, o ex-presidente do PT José Genoino
encontrou-se com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Após um abraço
emocionado, ouviu daquele que chama de "companheiro de luta":
- Esse é o nosso destino. Nosso destino é lutar.
Horas antes do encontro, Genoino havia telefonado para a presidente
Dilma Rousseff e comunicado sua decisão de deixar o cargo de assessor
especial do Ministério da Defesa:
- Como é que eu assino uma demissão sua, Genoino? Como? – perguntou Dilma.
- Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes – respondeu o ex-presidente do PT.
José Genoino Guimarães Neto tem 66 anos. É casado, pai de três filhos e
avô de dois netos. Nascido em Quixeramobim, no Ceará, participou da
Guerrilha do Araguaia, na década de 1970, quando foi preso por cinco
anos e torturado. Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, o petista diz que consegue traçar paralelos daquele período com o processo que vive hoje.
"Tenho pesadelos e nunca falei isso para ninguém. Há um mês, gritei e
estrebuchei na cama. Minha mulher ficou preocupada. Misturo cenas
daquele período, quando eu era interrogado, em 1972, com as cenas do
processo da Ação Penal 470".
De camisa vermelha, calça social marrom e sapatênis escuros, Genoino recebeu a reportagem de Terra Magazine em sua casa, no bairro do Butantã, zona oeste da capital paulista. Estava bem-humorado.
Deputado federal por seis mandatos (até 2010), deixou o comando do PT em
2005, no início da crise do Mensalão, mas afirma que é inocente e que
lutará para defender sua história. "O que fiz pelo PT foi legal,
legítimo e necessário [...] Repetiria tudo de novo, mesmo passando o que
passei".
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Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Terra
Magazine: Durante o julgamento do Mensalão, o senhor foi condenado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa e, nesta semana, a
Corte definirá se o senhor será condenado por formação de quadrilha.
Esperava esse veredito?
José Genoino: Não
sou corrupto e entendo que foi uma condenação sem provas, baseada na
tirania da hipótese pré-estabelecida, com base em um raciocínio do
domínio do fato, da falta de provas, contrariando a presunção da
inocência. Tudo isso contraria, a meu ver, uma visão democrática do
Código Penal. Não pratiquei corrupção, o que eu fiz foram reuniões para
defender o governo Lula. Como presidente do PT, cuidava das alianças
políticas, da unidade da bancada do partido, da relação com os
movimentos sociais e ocupava todo o meu tempo com a atividade política,
legítima, democrática e transparente.
Não houve compra de votos nem compra de deputados. As votações
principais do governo Lula foram decididas sempre com muita luta. Recebi
a notícia da condenação com a indignação do inocente. Apresentei as
provas e vou deixar tudo muito claro: os empréstimos que assinei são
atos jurídicos perfeitos. Assinei os empréstimos encaminhados pela
secretaria de finanças do PT, registrei no Tribunal Superior Eleitoral, e
os empréstimos foram renovados porque o PT estava em uma situação muito
difícil. Quando deixei a presidência do PT, o juiz de Minas Gerais
cobrou judicialmente, inclusive, com o bloqueio da minha conta, que só
foi desbloqueada porque era conta salário e, a partir de 2007, em uma
negociação dirigida pelo então presidente Ricardo Berzoini, os
empréstimos foram negociados por quatro anos e pagos, tanto o empréstimo
do Banco Rural, como o do BMG. Sou um inocente.
O que o senhor pensou – ou fez – quando saiu sua primeira condenação, dia 9 de outubro?
Estava acompanhando a sessão do STF na minha casa, pela TV, com minha
mulher e meus filhos Ronan e Miruna. Veio à minha cabeça a mesma
sensação de quando eu estava na auditoria militar da Avenida Brigadeiro
Luís Antônio, sendo condenado a cinco anos de prisão, na década de 1970.
É uma sensação de… eu uso uma expressão que gosto muito, deste livro, Memórias de um Revolucionário:
"As noites cegas são poderosas, terríveis, mas nós somos a sua
paciência". Eu me senti assim, indignado. Fiz uma carta aberta ao país,
retirando-me do governo como inocente.
A partir daquele dia, tomei uma decisão. Durante sete anos, eu falei nos
autos, não dei entrevista… aliás, a única que dei foi para Terra Magazine,
em 2006. Falei só nos autos, acreditando que ia ser um julgamento
técnico, com base só em provas. Naquele dia, percebi que se tratava de
uma condenação sem provas e resolvi fazer a crítica política.
E com a sua família? Como foi a reação de sua mulher e seus filhos após a condenação?
Estavam todos aqui. No dia seguinte, fizemos uma conversa. Minha filha
Mariana, que mora em Brasília, veio para São Paulo. Miruna fez a carta
dela e eu não li antes da divulgação. Nessa reunião, eu disse que iria
lutar de todas as formas para defender minha honra e minha dignidade.
Falei que não iria me curvar. Não tenho riquezas nem patrimônio, mas vou
para o risco do combate, dentro dos princípios democráticos. A
democracia que está aí não é produto de uma sentença. Aliás, ela foi
regada com muita guerra, luta, sangue, mortes, greves e barricadas. Não é
produto de sentença e dei minha contribuição para a conquista dessa
democracia. Disse à minha família que agora eu estaria em uma posição de
militante livre e combatente e eles aprovaram.
A condenação abalou o senhor? Abalou a sua família?
Não. Minha mulher e meus filhos ficaram indignados, assim como eu.
Naquela noite, escrevi a carta aberta, que li no dia seguinte durante a
reunião do Diretório Nacional do PT. Mas não estava abalado. Minha vida
só tem sentido quando eu a coloco a serviço de causas. E hoje eu tenho
uma causa: defender minha inocência custe o que custar. Estou
revigorado, vivendo um momento parecido com o meu entusiasmo de 1968, da
Guerrilha do Araguaia, quando eu estava preso por cinco anos, quando eu
disputava convenções do PT, quando eu fazia campanhas vitoriosas e
derrotadas aqui em São Paulo… Estou com essa energia. Meu foco é
resistir e lutar com todos os meios democráticos.
E qual é o primeiro passo dessa luta?
A primeira coisa que tenho que fazer é apresentar todos os documentos
que estou preparando com o meu advogado, Luiz Fernando Pacheco. São
memoriais que vão discutir a parte final do julgamento e serão
apresentados como provas da minha inocência. Quem tinha que apresentar
provas de minha culpa seria a acusação. Vou falar politicamente. Estou
de cabeça erguida, com a consciência de um inocente e vou usar de todas
as formas jurídicas e politicas para provar minha inocência. Eu quero
provas.
Sua defesa foi baseada no fato de que o senhor foi acusado por aquilo que era, ou seja, presidente do PT, e não por aquilo que fez. Essa foi a melhor linha a ser seguida?
Sim. E continuo nessa linha, porque eu não pratiquei crime, não
pratiquei ilícito. Eu era presidente do PT e fui condenado pelo fato de
ser presidente do PT. Isso é o que se chama, no direito penal,
responsabilidade objetiva, que é um conceito conservador, arcaico, que,
felizmente, a humanidade superou, mas que agora tem uma nova versão, o
domínio do fato. Assim, pode-se condenar sem provas concretas. O que fiz
como presidente do PT foi legal, legítimo e necessário. Não se pode
criminalizar a política, criminalizar os acordos e as alianças e é isso
que se está fazendo. Quando se criminaliza a política, abre-se a porta
para o autoritarismo, enfraquecendo o poder que emana do povo. Cumprirei
as decisões impostas, mas minha consciência irá bradar todos os dias
contra isso.
Acredita que o julgamento do Mensalão é um marco no Judiciário brasileiro?
Acho que temos que fazer um grande debate sobre esse julgamento,
primeiro porque ele está se baseando em teses que precisam ser
profundamente discutidas, como a do domínio do fato, que negam provas, a
presunção da inocência, a condenação com base em indícios… Isso tem que
ser profundamente discutido, porque pode representar um risco para um
Judiciário democrático, abrindo graves precedentes.
Sua
tese de defesa argumenta que existiu um esquema de caixa dois na
campanha do PT e não a compra de votos de parlamentares. A ministra
Cármen Lúcia reagiu dizendo que "caixa dois é crime" e que a confissão
dessa prática com naturalidade na Corte era algo "inédito" na carreira
dela. Essa é sua versão dos fatos?
Em primeiro lugar, meu advogado não falou em caixa dois. Ele afirmou,
claramente, que minha função como presidente do PT era exclusivamente
política. Eu não cuidava nem tinha responsabilidade quanto à
administração do PT e quanto às finanças do partido. Não foi o meu, mas
outros advogados disseram que quando se trata de crime eleitoral (caixa
dois), tem que se julgar como crime eleitoral. Minha responsabilidade
era política. Entendo que essa injustiça não é só contra mim e que isso
enfraquece a Justiça no Brasil. Não podemos fazer de julgamentos um
espetáculo midiático. Não podemos aceitar essa espetacularização.
Um
dia após sua condenação, quando leu a nota durante reunião do Diretório
Nacional do PT, o senhor se encontrou com o ex-ministro José Dirceu.
Como foi esse encontro?
Fui recebido de pé por todo o Diretório Nacional do PT naquele dia.
Todas as tendências gritavam meu nome. À tarde, quando entrou o
companheiro Zé Dirceu, aconteceu a mesma coisa com ele e nós demos um
forte abraço um no outro. E eu falei a ele a seguinte frase: "Zé Dirceu,
no dia 12 de outubro de 1968, quando nós fomos presos no Congresso de
Ibiúna, nós gritamos: 'A UNE somos nós'. Pois bem, o PT somos nós. Somos
companheiros de luta e nossa geração aprendeu que podemos ser
encurralados, mas não aceitamos nos curvar".
E o que José Dirceu respondeu?
Ele olhou bem pra mim e disse: "É o nosso destino. Nosso destino é lutar".
E com o ex-presidente Lula? Como é sua relação desde 2005?
O Lula, pra mim, é uma pessoa excepcional do ponto de vista humano e
político e eu aprendi a ter muita confiança na capacidade política dele.
E Lula costumava dizer, nos piores momentos do seu governo: “Não vou
deixar o país quebrar no meu colo”. Minha relação com Lula é de muito
respeito e confiança. Não fiz nada de errado, portanto, o compromisso
que tive com o Lula de presidir o PT foi correto e eu repetiria, mesmo
passando por tudo o que passei.
O ex-presidente Lula ligou para o senhor após sua condenação?
Várias vezes. Sempre uma ligação afetiva e muito forte, mas me reservo o direito de não dizer o que ele fala comigo.
O
senhor resolveu deixar seu cargo no governo, de assessor especial do
Ministério da Defesa. A presidente Dilma Rousseff foi relutante à
entrega do seu cargo?
Ela me ouviu e falou coisas bonitas, mas não serei porta-voz dela.
Mas ela foi relutante?
Ela disse pra mim: "Como é que eu assino a sua demissão, Genoino?
Como?". E respondi: "Retiro-me do governo com a consciência dos
inocentes e vou ler uma carta no Diretório Nacional do PT". Tenho uma
relação de respeito e confio muito na coragem e capacidade da
companheira Dilma.
José
Dirceu disse a amigos que se sente aliviado com o fato de o PT ter sido
o partido mais votado no primeiro turno das eleições deste ano. Segundo
ele, é como se o povo tivesse absolvido o partido. O senhor também
avalia dessa maneira o desempenho do partido nas urnas?
O governo do PT foi julgado em 2006, quando o povo reelegeu o Lula, e em
2010, quando elegeu a Dilma presidente. As vitórias do PT mostram que o
povo é mais inteligente do que certos setores pensam. O povo nos
conhece, sabe onde a gente mora, o que a gente faz, o que a gente fez.
Em 2010 o senhor não foi eleito deputado federal. O povo não o absolveu?
Não foi isso. Em 2010, eu perdi por mil votos. O erro foi o tipo de
campanha que nós fizemos. A campanha estava difícil porque fui muito
criticado por setores da mídia… Tive apoio em muitas cidades, o PT me
apoiou muito, mas isso faz parte. Na democracia, a gente perde e ganha e
precisamos ficar felizes com isso.
Na
década de 1970, o senhor foi preso por cinco anos e torturado durante a
Guerrilha do Araguaia. O senhor consegue traçar algum paralelo daquele
momento em relação a esse que está vivendo hoje?
O primeiro paralelo, lamentavelmente, e eu nunca falei isso para
ninguém, são os pesadelos. Eu tenho pesadelos. As cicatrizes existem.
Acredito no perdão, mas não no esquecimento, e é isso que aparece nos
meus pesadelos. Misturo cenas daquele período, quando eu era
interrogado, em 1972, com cenas do processo da Ação Penal 470. Há um
mês, tive um pesadelo grande, gritei pra caramba, minha mulher ficou
preocupada, porque eu fiquei em pé, estrebuchei na cama… As cicatrizes
da vida deixam a gente mais preparado para as pancadas e estou com mais
cicatrizes agora, elas não somem da cabeça nem do corpo. Mas não tenho
ódio, ressentimento ou espírito de vingança. Eu tenho confiança no ser
humano.
O senhor tem medo de ser preso?
Penso da seguinte maneira: a palavra medo não existe como impedimento
para a minha luta. Entre a servidão e a humilhação, eu prefiro o risco
do combate.
Se o senhor pudesse fazer de novo, corrigindo, alguma coisa na sua vida, o que seria?
Tudo o que fiz na minha vida foi com paixão e consciência. Sempre com
dedicação e por causas e, portanto, minha trajetória me orgulha. Um dos
objetivos da minha luta é defender minha história, porque é ela que me
dignifica.
Então o senhor não corrigiria nada?
Minha trajetória me orgulha e tenho recebido muita solidariedade, tanto
do PT, como de pessoas da oposição, de militares que trabalharam comigo
no Ministério da Defesa, mas não vou citar nomes. É claro que a vida vai
te ensinando, você não pode ser dono da verdade, você tem que estar
aberto para mudar o mundo. O desafio é mudar o mundo mudado e quem quer
mudar o mundo tem que aceitar ser mudado. O PT me mudou e eu mudei o PT.
O senhor considera que o PT errou?
O PT é vitorioso porque o objetivo de um partido é conquistar o poder e
realizar seu programa e isso o PT fez. Agora, é claro que o PT tem que
fazer uma avaliação de toda sua trajetória, olhando para o futuro. Não
podemos ter medo do debate. O PT precisa aceitar a crítica e discutir as
escolhas de maneira franca e aberta. O PT aprendeu uma lição: dividido,
perde; e sem aliança, não ganha. Minha geração aprendeu no coletivo: ou
ganham todos juntos ou se ferram todos juntos. Essa foi a lição que eu
aprendi.
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