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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 30, 2012

O que fazer com a vitória em SP?

 

Via CartaMaior
Saul Leblon

Nem o gigantismo da cidade, nem o valor do 3º orçamento do país, depois do brasileiro e o do Estado de SP - ainda que isso tenha um peso objetivo óbvio - elucidam porque o pleito de São Paulo se transformou no principal foco de atenção da mídia e do interesse nacional.
O que distinguia o embate aqui como a disputa-chave da política brasileira em 2012 era o confronto direto entre duas concepções de país, duas visões de democracia e duas propostas de desenvolvimento.
Pode-se dizer, em adendo, que um julgamento de recorte nitidamente conservador desse antagonismo --quase um horário eleitoral paralelo-- está sendo levado a cabo no STF há mais de 70 dias.
No das urnas, venceu a agenda personificada por Fernando Haddad, com a desassombrada estratégia política de Lula.
O que foi derrotado não é pouco.
Já em 2002, ao perceber como inexorável a vitória do PT, o tucano José Serra fez uma opção endossada pelos barões da mídia, embarcados no mesmo destino.O tucano queria reunir uma bolsa de pelo menos 35 milhões de votos no segundo turno para se tornar o líder do anti-petismo no país.
Consolidar-se como a nova garganta conservadora, na linhagem de um Carlos Lacerda & assemelhados, implicava eliminar concorrentes dentro e fora do PSDB; catalisar com a facilidade previsível um leque de interesses do mercado e, sobretudo, coordenar a crosta de jornalistas e editores alinhados ao objetivo de impedir que Lula e o PT consolidassem uma nova hegemonia progressista na sociedade brasileira.
Serra teve pouco mais que 33 milhões de votos em 2002, contra quase 53 milhões de Lula, o segundo presidente mais votado do mundo, depois de Reagan.
Sofreria um segundo revés para a estreante Dilma Rousseff, em 2010, que trincou compartimentos do amplo comboio coservador que comandava. Pode-se perguntar, com razão, o que seria o futuro de Serra se não dispusesse da ancora midiática que o sustentou até agora.
Em que pesem os descarrilamentos e colisões, o tucano manteve intacto esse vagão cargueiro estratégico, de olho numa aposta ainda mais ousada.
No curral de escribas e editores aliados estava a arma decisiva para o tudo ou nada que se urdia mais adiante: fazer do julgamento do chamado ' mensalão' a mãe de todas as eleições; uma espécie de terceiro turno reordenador capaz de condicionar o futuro e reescrever o passado, na determinação de desmoralizar o PT, destruir uma geração de lideranças, inviabilizar Lula e fragilizar Dilma até o limite do constrangimento.Quem sabe, viabilizar assim a nova tentativa do ticano de chegar à Presidência, em 2014.
Serra vislumbrou na desfrutável interseção entre a eleição municipal e o julgamento da Ação 470 o palanque ideal para emergir como a garganta de ouro dessa desforra anti-petista, modulada pelo jogral das togas no STF.
A derrota em SP acontece quando o conservadorismo e o seu curral midiático manejavam o que parecia ser a tempestade perfeita contra a esquerda.
Essa é a natureza do desastre de proporções ferroviárias que Serra e companhia acabam de colher na capital logística, política, financeira e ideológica das forças que o apóiam.
O PT não pode tratar essa vitória com acanhamento.
Ela é mais profunda até do que sugerem os ingredientes visíveis na superfície das urnas.
O moralismo oportunista de Serra, sua mutação de quadro desenvolvimentista ("de boca", diz Conceição Tavares) para um aliciador de malafaias, telhadas & higienistas sociais não acontece por acaso.
Trata-se da exteriorização predatória de um colapso subjacente à campanha na qual muitos viam uma mutação do eleitor em consumidor.
Errado.
A degradação ética e política de Serra reflete, além do caráter, o esgotamento do projeto neoliberal abraçado pela coalizão conservadora no Brasil.
Quem se propunha a resolver os desafios da economia e da sociedade com a desregulação radical dos mercados, associada a um choque de laissez-faire sobre os diretos sociais, perdeu o chão a partir da crise de 2008, a maior do capitalismo desde 29.
Sobrou às gargantas conservadoras contrapor à desordem neoliberal a ordem e o progresso dos savonarolas & malafaias que não alteram a essência da mecânica conflagrada.
Recolocar as forças da economia à favor da sociedade, à favor da cidade e da cidadania implica, em primeiro lugar, politizar uma crise capturada pelo hermetismo das mesmas propostas e protagonistas que a originaram.
Essa é a contrapartida imediata que a cidade de São Paulo espera do PT. Em primeiro lugar, estabelecer laços de participação e discernimento que permitam à população entender a raiz de seus problemas. No limite, decidir em escrutínios plebiscitários o rumo a tomar.
A desordem quase ruinosa do ambiente urbano paulistano guarda vínculos com a desordem decorrente do naufrágio da exacerbação mercadista que jogou o mundo na crise atual.
Estamos falando de um tecido urbano conflagrado por cisões, desigualdade, terceirizações suspeitas, recuo criminoso do Estado, abandono do espaço público, privilégio, precariedade, desperdício de um lado e desencanto de outro.
Não há panaceia técnica , tampouco orçamento suficiente para colar a curto prazo esse vaso de cristal trincado em milhares de pedaços.
Ou se politiza as diretrizes a seguir com a participação da sociedade, ou será a rendição aos ditames dos donos da metrópole.
O PT cometeu um erro em 2003, quando despolitizou em parte e negligenciou em grande medida o debate desassombrado dos desafios herdados do tucanato.
Não pode repetir esse passo agora, assentado nas lições de mais de dez anos no plano federal, ademais de duas gestões em SP.
Fernando Haddad dispõe de um saldo de experiências administrativas de esquerda para que se possa partir aqui de um nível superior de interlocução com a cidadania.
Mais que isso, ao contrários das administrações petistas anteriores na cidade, não assume constragido pelo cerco federal;tampouco tem na Presidência da República uma corrente de transmissão da crise internacional para dentro do país.
Quando assumiu o governo em 2003, o PT , ao contrário, recebeu como herança um fracasso em espiral ascendente. O risco-Brasil estava nas alturas; o dólar perto de R$ 4 reais e a inflação projetada para 12 meses perseguia a fronteira dos 30%.
A urgência da estabilização relegou a reforma política para um segundo momento.
Acuado pelo cerco conservador e perplexo com as mazelas herdadas, o partido durante os primeiros anos de governo sequer discutiu a necessidade de uma mídia independente que facilitasse o diálogo honesto entre as opções limitadas do país e as urgências da sociedade.
Rendeu-se assim à mediação feita pelo dispositivo conservador, que seccionava seu diálogo com a população e pautava diariamente a agenda do governo, ao sabor de interesses que não eram os do país, nem do seu povo.
Em uma palavra, tornou-se quase refém da lógica que havia derrotado no voto.
Uma relação de forças distorcida pela exacerbação midiática, incapaz de dar suporte democrático às mudanças requeridas pela sociedade, manteve-se desse modo como o fiel da balança dos compromissos e programas sancionados pelas urnas.
O antagonismo entre as duas lógicas acentuou-se na permanente negociação da governabilidade que seguiu o padrão histórico: coalizão com divisão de cargos, dentro de um sistema político que irradia suas distorções para as políticas públicas.
A construção das coalizões políticas é indispensável nas democracias representativas. O PT não errou ao ampliá-las. Mas urdi-las sem o debate simultâneo com a sociedade pode amesquinhar o próprio mandato e a força intrínseca que as urnas conferem ao governante.
É querer infantilizar a sociedade brasileira reduzir esse impasse ---e seus desdobramentos-- a um enredo de bandidos e mocinhos; de puros contra pecadores, como pretende certa narrativa preconceituosa e despolitizante que se esponja no teatro das togas da Ação Penal 470.
Por isso tudo, o primeiro passo em São Paulo é arejar o poder da cidade sobre ela mesma; abrir as portas da prefeitura, criar outras novas, eliminar trancas e truques contrparios aos interesses da população, sobretudo a mais pobre, e trazer a cidadania para a discussão serena e responsável da equação que interliga urgências, recursos e solidariedade.
No auge da crise de 2005 , quando a oposição ensaiou um movimento de impeachment contra o Presidente Lula, o escritor Fernando Veríssimo lembrou em uma crônica, o militante anônimo do PT, "....aquele sujeito agitando a bandeira vermelha, sozinho na esquina, porque acreditava, porque confiava'.
A melhor forma de São Paulo trazer de volta esse espírito tão precioso de desprendimento engajado é chamar a populaçao a assumir as rédeas do seu destino. Abrindo discussão imediatamente sobre o futuro da cidade com a cidadania. A ver.
Foto: Marcelo Camargo/ABr
*GilsonSampaio

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