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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 06, 2013

Para a sociedade avançar, os privilégios da mídia têm que acabar

O dinheiro do contribuinte tem que ser mais bem empregado.
Jânio não conseguiu varrer os privilégios fiscais da imprensa
Jânio não conseguiu varrer os privilégios fiscais da imprensa
Li “A Renúncia de Jânio”, do jornalista Carlos Castelo Branco, o último grande colunista político brasileiro.
O que me levou a esse velho livro foram as recentes evocações do infame golpe militar de 1964 em seu aniversário, no dia 31 de março.
O golpe, de alguma forma, começa em Jânio, o demagogo que renunciou à presidência em 1961 quanto estava fazia apenas sete meses no cargo, por motivos jamais explicados.
Mas o que mais me chamou a atenção no livro é um episódio que mostra bem o regime de privilégios fiscais desfrutados há muito tempo pelas empresas jornalísticas brasileiras.
Castelinho, que foi assessor de imprensa de Jânio, conta que certa vez estava preparando uma sala para um pronunciamento que ele, Jânio, faria naquela noite em rede nacional de televisão.
No lugar escolhido, a biblioteca do Palácio da Alvorada, Castelinho viu sobre a mesma um exemplar do Estadão de domingo. Em cima, estava um bilhete do presidente: “Não toquem neste jornal. Preciso dele”.
“Só soube do que se tratava quando Jânio o ergueu na mão para exibi-lo audaciosamente ao país [na fala em rede] como fruto de privilégios, o esbanjamento de papel comprado com subvenção oficial, pago, portanto, pelo povo”, escreveu Castelinho.
É o chamado “papel imune”. Os contribuintes subvencionam há décadas o papel usado para imprimir jornais e revistas.
Jânio apontou o mal, mas não foi capaz de resolvê-lo. Os mesmos empresários que tanto falam num Estado mínimo não se embaraçam em, nas sombras, mamar nele em coisas como o papel imune, e em muitas outras.
Dinheiro público foi sempre usado também para financiar – em condições de mãe para filho – empreendimentos que deveriam ser bancados por nossos intrépidos, aspas, capitalistas da mídia.
Nos anos 90, Roberto Marinho comemorou ao lado de FHC a inauguração de uma supergráfica projetada para quando o jornal chegasse – hahaha – à marca de 1 milhão de exemplares.
FHC não estava na foto porque Roberto Marinho queria promovê-lo. É que o governo tinha concedido um empréstimo especial às Organizações Globo para fazer a gráfica que hoje parece uma piada.
Na inauguração do parque gráfico da Globo, em 1999, o Estado serviu de babá e evitou o risco de um investimento fracassado
Na inauguração do parque gráfico da Globo, em 1999, o Estado serviu de babá
e evitou o risco de um investimento fracassado
Por que o empréstimo? Ora, a Globo era então já uma potência. Tinha mais de metade do faturamento da publicidade nacional, graças à tevê e a expedientes amorais como o chamado BV (bonificação por vendas).
A empresa poderia, perfeitamente, bancar o passo (torto) que decidira dar com a nova gráfica. Mas não. O Estado babá estava ali, à disposição, na figura sorridente de FHC.
Essencialmente, o resultado é que a fortuna da família Marinho foi poupada do risco de um investimento que poderia fracassar, como aconteceu.
Coisa parecida aconteceu com as outras grandes empresas em suas incursões para fazer novos parques gráficos: dinheiro farto, quase dado.
Fora o papel imune, naturalmente.
E fora, mais recentemente, artifícios como a criação de PJs (pessoas jurídicas) para reduzir os impostos pagos.
Note. As companhias jornalísticas não querem pagar impostos, mas depois esperam que o Estado – com dinheiro alheio, do “Zé do Povo”, como dizia o patriarca Irineu Marinho – esteja com os cofres cheios para bancar seus investimentos.
Para completar a tragicomédia, as empresas promovem campanhas sistemáticas de engambelação coletiva destinadas a provar, aspas, que os impostos são elevados no Brasil.
Não são. A carga tributária brasileira, na casa de 35%, é bem menor que a de países modelos, como a Escandinávia.
A diferença é que, neles, as corporações pagam o que devem. Vá, na Dinamarca ou na Noruega, inventar PJs e você é chutado da esfera corporativa e submetido a desprezo nacional.
Para que o Brasil avance socialmente, as mamatas das empresas de mídia – fiscais e não só fiscais — têm que acabar.
Não é fácil, como vemos ao constatar o que deu do brado janista de meio século atrás. Sucessivos governos têm vergado ao poder de intimidação da mídia. (Para a qual vigora ainda uma inacreditável reserva de mercado, aliás.)
Mas nada é fácil.
O poder de manipulação da mídia se reduziu, graças à internet.
Se há uma hora para fazer o que deve ser feito, é esta.
O dinheiro que custam as mordomias bilionárias da mídia deve servir à sociedade: que se construam escolas, hospitais e estradas com ele, em vez de vê-lo dar acesso à lista de superricos da Forbes.
Dilma tem que se mexer, em nome do Brasil.
Paulo Nogueira No Diário do Centro do Mundo
*comtextolivre

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