Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 07, 2014

transformar as univer$idade$ num clube onde só entra quem pode ficar $ocio

a mercantilização da USP


Por Paulo Moreira Leite
A descoberta de que duas décadas de gestão tucana levou a USP a descer a ladeira nas avaliações acadêmicas levou nossos coxinhas e playboys a acionar sua ideia fixa: privatizar a maior, mais tradicional e mais influente universidade do país.

(Reprodução)
Página “USP vende tudo” faz sátira com a crise da universidade (Foto: Reprodução)
O professor Wanderley Guilherme escreveu certa vez que a elite brasileira só tem um ponto de convergência política: revogar a CLT.
Poderia acrescentar outro: cobrar mensalidades de quem estuda na USP e demais universidades públicas.
O argumento é conhecido. Já que alunos de familias com dinheiro e maior acesso a cultura tem mais facilidade para ingressar em universidades públicas,  o ensino gratuito nessas instituições nada mais é do que uma forma inaceitável de privilégio, que deveria ser abolido sem demora. Seria uma imoralidade.
Houve uma época na qual, para ilustrar seu pensamento, essa turma costumava contar o número de carros nos estacionamentos da Cidade Universitária, num exercício vergonhoso de impressionismo para quem pretende fazer uma discussão séria.
Já lembrei neste espaço, mais de uma vez, que as estatísticas da FUVEST demonstram que o acesso de famílias de renda mais baixa à  maioria dos cursos da universidade é muito maior do que se imagina. Se há cursos onde a porta de entrada é muito estreita – como Engenharia, Medicina – na maioria das faculdades o determinismo social é menos importante do que se acredita para definir quem entra e quem fica de fora. Vale o desempenho escolar. Com uma competência muito maior do que a arrogância presunçosa de muitos habitantes de bolhas nobres consegue imaginar, os pobres e até muito pobres conseguem seu lugar.
Este processo, bastante antigo, foi reforçado em anos recentes pelas políticas públicas que garantem acesso especial a estudantes da rede pública.
Do ponto de vista político, a cobrança de mensalidade ajuda a transformar as univer$idade$ num clube onde só entra quem pode ficar $ocio. Elas perdem o carátér de estabelecimento público, de todos os cidadãos, para ter ares de um universo à parte, exclusivo. Alguém acha isso bom para o país?
Ao tentar debater mensalidades, coxinhas e playboys tentam fugir do debate necessário: será que os habitantes do patamar superior da pirâmide tem dado sua contribuição — em $$$ — pelo desenvolvimento do país? Será que retribuem numa medida razoável, quando se considera aquilo que usufruem do país? Que tal pensar nas grandes fortunas? Nas heranças? Ou em aliquotas de imposto de renda adequadas, capazes de diferenciar salários médios e altos de rendas milionárias?
O pior é que, na prática, a cobrança de mensalidade não gera nenhum benefício social nem ajuda a diminuir qualquer tipo de privilégio. É uma forma – descarada ou enganosa, conforme o olhar interessado – de restaurar a elitização do ensino público de qualidade. Ou seja: já que os pobres estão conseguindo entrar nas universidades do Estado, é preciso arrumar um jeito de colocá-los em seu devido lugar, isto é, do lado fora. É disso que se trata.
Vamos aos números: universidades como a PUC paulista, por exemplo, que tem direito a diversas formas de auxílio e beneficios do Estado, cobram R$ 2000 mensais de seus alunos de Direito. Em outras escolas, como a FGV, a mensalidade chega a R$ 4 000. Num país onde o salário médio encontra-se em torno de R$ 1900, pode-se imaginar quem poderá pleitear uma vaga. E se você acredita na fantasia das bolsas para os mais carentes, lembre-se que, por definição, elas são limitadas pelo valor e pelo volume de beneficiados, sob o risco de comprometer o orçamento final. Você sabe como é.
O argumento de que faltam recursos para saúde pública e ensino básico,  e por isso seria razoável sacrificar o ensino superior, é tão vergonhoso que sequer deveria ser pronunciado.
Vivemos num país onde os pobres pagam a maioria dos impostos e nada mais justo que possam usufruir dos benefícios que eles podem gerar – como uma universidade pública, de qualidade, para seus filhos e seus netos. Mesmo que o acesso não seja amplo como o desejável, a criação de qualquer obstáculo a seu ingresso é vergonhosa e moralmente inaceitável.



Escrito por: Paulo Moreira Leite

Nenhum comentário:

Postar um comentário