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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, setembro 01, 2015

Atualmente marginalizado, o uso da maconha já foi feito por escravos e até intelectuais renascentistas

Diversas teorias e teses mostram o caminho da erva em cada sociedade

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Nos últimos anos, porém, uma tendência de aceitação à maconha vem se espalhando. Enquanto em diferentes locais, como Uruguai, Portugal e certos estados americanos, a legislação foi alterada para tolerar o uso da droga, no Brasil, um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) pode descriminalizar o porte da substância — bem como de outras drogas — para uso pessoal.
Na época de Shakespeare, que viveu entre fins do século XVI e início do XVII, o uso da erva era hábito comum em países orientais, como China e Índia (especialmente para comer e beber em forma de chá), onde acredita-se que ela já fosse consumida milênios antes de Cristo. Já era também conhecida no Norte da África, em nações como o Egito e na região do Magreb (do Marrocos à Líbia), de onde mais tarde se espalhou para o resto do continente africano. A possibilidade de um intelectual inglês ter entrado em contato com a planta nesse período pode ser justificada pelas trocas comerciais e culturais da Inglaterra com o Oriente, por meio das grandes navegações.
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— Esse foi o período da expansão econômica europeia, então é possível que algum tipo de cannabis para consumo tenha chegado à Inglaterra — afirma Rogério Rocco, especialista em Direito Ambiental e revisor técnico de “O grande livro da cannabis”, publicado pelo americano Rowan Robinson. — Com as navegações chinesas do século XV, que formaram os mapas náuticos que os europeus usaram para chegar às Américas e à Oceania, os mercadores da China fizeram muitas trocas de plantas e animais com outros países. Este é um elo que pode explicar a chegada da maconha à Europa.
FIBRA ERA UTILIZADA EM NAUS
Outra hipótese para explicar o contato dos europeus com o preparo do cânhamo para consumo naquela época é que o produto já era utilizado para construir as fibras de velas e outras estruturas das naus.
— Os europeus passaram a produzir o cânhamo em suas próprias terras para fomentar sua expansão econômica no século XVI — conta Rocco.
Pintura de Rugendas mostra dança de escravos no Brasil - Reprodução
Para o historiador e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Jean Marcel Carvalho França, no entanto, é pouco provável que um intelectual europeu tenha adquirido o hábito de fumar maconha naquela época.
— Seria mais coerente Shakespeare tomar mandrágora, que tem efeito parecido com o da maconha e era muito comum entre os europeus daquele tempo — avalia. — Navegadores da Inglaterra podem até ter levado o haxixe ou alguma variante para o país, mas a cultura europeia era mais afeita ao álcool do que ao fumo. Uma das explicações para este último ter se tornado tão presente nas culturas árabe e africana é que ele não é visto como pecado contra a religião, enquanto o álcool é.
Provavelmente, a primeira nação europeia a ter contato com a maconha, segundo o historiador, foi Portugal, também o primeiro país a conhecer a Índia. De forma geral, porém, apenas no século XIX tornou-se comum ver referências ao uso da planta no Velho Mundo. Foi um consumo protagonizado por artistas: Charles Baudelaire, Alexandre Dumas e Victor Hugo chegaram a criar o Clube dos Haxixeiros, em Paris.
Nesse mesmo período, o cânhamo era largamente plantado nos Estados Unidos. Até início do século XX, o produto foi muito utilizado para produzir de medicamentos a tecidos e papel. Até mesmo os ex-presidentes George Washington, que governou de 1789 a 1797, e Thomas Jefferson (1801 a 1809) tinham plantações, e o rascunho da Declaração de Independência dos EUA, escrito por Jefferson, foi redigido em folha de cânhamo. No Brasil, considera-se que a cannabis chegou com os africanos, trazidos na condição de escravos. Porém, pesquisadores acham que os portugueses, que àquela altura já conheciam a erva, também podem ter inserido a planta na nossa cultura. O fato é que, desde o início da colonização até meados do século XIX, o consumo do “pito do pango” ou do “fumo de Angola” era visto como um hábito qualquer — embora mais comum entre os negros. A atividade não preocupava as autoridades públicas, e sim os senhores de escravos, que não permitiam que eles se distraíssem no trabalho.
— Devido à herança escravocrata, no Brasil, a maconha foi associada à vagabundagem. Os senhores achavam que os escravos se recusavam a trabalhar e se rebelavam porque usavam cannabis, e não porque o tratamento dispensado a eles era desumano — destaca Rogério Rocco. — O mito de que a maconha torna a pessoa vagabunda é como o mito de que manga com leite faz mal, também oriundo daquela época.
O inglês Shakespeare teria fumado cannabis em seus cachimbos, indica estudo recente de uma universidade sul-africana - Reprodução
A primeira norma de punição relacionada à maconha de que se tem notícia nasceu justamente no Brasil Imperial. O Código de Posturas da Cidade do Rio de Janeiro de 1830 proibia a venda e o uso do “pito do pango” e punia os vendedores em 20 mil réis, além de dar três dias de cadeia para os escravos.
Quase um século depois, na Liga das Nações de 1925 — uma espécie de embrião da ONU —, o Brasil teve um importante papel no incentivo mundial ao combate àcannabis: em discurso, o médico Pernambucano Filho afirmou que “a maconha é mais perigosa do que o ópio”. O Egito também defendeu essa tese, que ganhou impacto em todos os continentes.
— Brasil e Egito levantaram a ideia de que o uso da maconha seria caso de polícia — ressalta Jean Marcel Carvalho França, que é autor do livro “A história da maconha no Brasil”. — Mas o curioso da comparação com o ópio é que, nos dois países, o uso de ópio era quase inexistente. Já o uso da cannabis era intenso, e, no Brasil, especialmente por negros escravos. Esta era uma associação bem enraizada, então muitos médicos eugenistas, como Pernambucano Filho, viam isso como um atraso para o país.
PUNIÇÃO NA DITADURA
O episódio na Liga das Nações ocorreu apenas quatro anos depois de entrar em vigor a Convenção de Haia, que trouxe a primeira norma internacional de regulação do uso de drogas. A partir daí, ficou decidido que tais substâncias só poderiam ser utilizadas para fins médicos e científicos. A reunião, também conhecida como Convenção Internacional do Ópio, ocorreu em 1912, mas demorou a começar a valer por causa da Primeira Guerra Mundial, que interrompeu as negociações.
Em solo brasileiro, apenas o tráfico ficou proibido no Código Penal. No entanto, em 1968, a lei passou a punir também o consumo e o porte.
— Esta punição veio apenas 13 dias depois do AI-5, o ápice da ditadura. Ela está estritamente relacionada à política da época, que queria repressão à contracultura — diz Rocco.
A partir dos anos 1950, o perfil do consumidor da erva mudou radicalmente: a intelectualidade brasileira “descobriu” a maconha, e a comunidade hippie passou a ser associada ao uso da planta.
— A maconha é, para o Brasil, como a cachaça. Desde a colonização esteve fortemente presente, embora a sua história seja bem mais obscura e velada — considera o historiador Carvalho França. — Desde sempre, aqui, a maconha foi vista como produto de pobre, de marinheiro, de escravo. Mas, assim como hoje temos cachaças gourmet, em vez de “pingas”, a cannabis também ganhou um status de classe média. A classificação de “droga maldita” ficou com a cocaína e com o crack.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/atualmente-marginalizado-uso-da-maconha-ja-foi-feito-por-escravos-ate-intelectuais-renascentistas-17269652#ixzz3kUarRlfF 
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