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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, março 14, 2016

Juízes não podem ser parceiros do Estado Policial. Por João Damasceno, juiz de Direito

Sanguessugado do Tijolaço

Fernando Brito



João Batista Damasceno*, em O Dia

A independência judicial, com atuação dos juízes pautada pela ordem jurídica, é garantia para a sociedade; não é privilégio que os coloca acima do bem e do mal. A pior das ditaduras é a do Judiciário, pois nelas não se tem a quem recorrer. De um juiz se espera que respeite o ordenamento jurídico. Um cirurgião que sonega Imposto de Renda pode continuar sendo um grande médico, diferentemente de um juiz. Por isso, juízes não podem defender, em nome do corporativismo, o arbítrio judicial, a ascensão do fascismo, a supressão das garantias constitucionais e o sacrifício de direitos fundamentais.

Dispõe a Constituição que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Na periferia das grandes cidades, o direito de ir e vir é constantemente violado com prisões para averiguação. Neste contexto de violação à Constituição, comentaristas televisivos justificam arbitrariedades. Mas anterior atuação marginal ao sistema legal não é fundamento justo para novas marginalidades. Praças podem ser brutalizados para executar política de extermínio de direitos e de vidas, na crença de que estão lutando contra o mal. Mas juízes devem saber que são guardiães da legalidade, marco civilizatório que nos distingue da barbárie.

O editorial do jornal ‘O Globo’ de 22 de outubro de 1965 dizia que “Não pode haver um Executivo pró-revolucionário, um Legislativo variante e um Judiciário neutro quando é a continuidade da Revolução que está em jogo. Os três Poderes, no que for essencial à Revolução, devem marchar juntos. Não se alcançará o objetivo, que tem que ser comum, sem que todos caminhem num só sentido. A direção quem dá é o presidente Castello Branco, expressão política da Revolução e seu único e autorizado intérprete”. Alguns juízes aderiram ao golpe empresarial-militar e lucraram. Outros preferiram o difícil papel de intérpretes independentes da Constituição, para garantia da cidadania, e foram perseguidos ou cassados. O obscurantismo se alastrou e, com eles, os lucros das empresas de comunicação. De juízes há de esperar que atuem como contrapoder, em prol da sociedade e dos cidadãos, e não como parceiros do Estado Policial, que já dispõe de força suficiente para atrocidades. Entre a toga e a Constituição eu fico com a Constituição!

*Juiz de Direito no Rio de Janeiro, Mestre em Ciência Política pela UFRJ e membro da  associação Juízes para a Democracia.

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