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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, março 04, 2012

E AÍ, SÃO PAULO AINDA SERVE PARA VOCÊ?!


Para certos setores da classe média paulistana, toda tragédia é localizada, pontual e, em geral, a culpa é da vítima.

Morreu mais uma ciclista na Avenida Paulista. E, novamente, a reação das "pessoas de bem" está marcada por platitudes e hipocrisias, especialmente nos comentários do sites dos portais jornalísticos.

Quem se incomoda com incoerências e traquinagens políticas, lembra-se de um argumento folclórico de Sonia Francine para aderir ao neoconservadorismo fisiológico de Serra-Kassab.

Segundo ela, os dois iam criar em São Paulo uma super malha de ciclovias e humanizar o trânsito paulistano.

Obviamente, não ocorreu nada disso, exceto o benefício pessoal esperado pela veterana princesinha do oba-oba midiático.

O trânsito de São Paulo enrola-se cada vez mais. Os semáforos inteligentes são ainda raros, ao passo que as lombadas eletrônicas (instrumento caça-níqueis da máfia privada-pública) se multiplicam pela cidade, onde, agora, os carros se arrastam a 60 km até mesmo nas grandes avenidas.

Nessa lerdeza criminosa, pessoas perdem seus compromissos, pessoas perdem a lucidez e pessoas perdem a vida, a bordo de ambulâncias imobilizadas.

São Paulo é cada vez mais uma cidade pré-modernista, reprise da ignorância bandeirante e da ganância do baronato agro-industrial. É cada vez mais estúpida, azeda e intolerante.

Exibe cada vez mais a cara macilenta do (ex?) agente do CCC Boris Casoy e dos intelectuais de aluguel que, na grande mídia, são utilizados como soldados do retrocesso, inimigos da diversidade e da universalização de direitos.

São Paulo já não serve a quem pretende reproduzir a virtude antropofágica e tropicalista. Mas serve a quem pretende atropelar tudo e todos com SUVs de alta potência.

São Paulo já não serve aos artistas de rua, perseguidos e humilhados pela doutrina de higienização social tucano-demista. Mas serve aos esquadrões de jovens de "boa família" que agridem sem-teto nas praças e viadutos.

São Paulo já não serve à experiência de participação política em sua principal universidade, pois qualquer divergência é classificada como narco-insurreição. Mas serve a exercícios de guerra de uma polícia cada vez mais intolerante, agressiva e incapaz de compreender o rito civilizatório.

São Paulo já não serve mais ao altruísmo, considerado artifício político de vermelhos interessados em estimular a vagabundagem. Mas serve à construção de guetos suprematistas, de gente que odeia metrô ou que não admite nordestinos emergentes em seus supermercados.

São Paulo já não serve à inclusão, porque ela é carimbada como intromissão. Para a elite bandeirante, o emergente é um invasor, alguém que lhe subtrai privilégios. Para a "reação" paulistana, melhor é apartar, enviar essa gente para o outro lado do Tamanduateí, e que cruzem o rio somente quando vierem limpar pias e latrinas no reduto dos diferenciados.

São Paulo já não serve à miscigenação e ao ingresso do estrangeiro latinoamericano. Porque o cidadão "de bem" bandeirante, sempre bufando, sempre rabugento, tem receio de que descubram em sua árvore genealógica o avô imigrante miserável e a avó que torrava ao sol na colheita de café.

São Paulo resiste à alegria da Vila Madalena, à diversidade do Bom Retiro e à inclusão de Itaquera. Porque o cidadão de "bem" bandeirante não gosta de ver o júbilo alheio, não admite a comunhão da glória, tampouco a glória da comunhão.

São Paulo vem sendo condicionada a desejar mais do mesmo, de forma masoquista e, certamente, suicida. Quer mais escolas incapazes de ensinar, mais companhias de trânsito a travar-lhe a vida, mais máfias a explorar camelôs, mais indignações seletivas, mais controles arbitrários, mais rancor, mais dedos apontados para o nariz do outro, mais do mesmo.

Inimiga da dialética, São Paulo recusa-se a ver causas sistêmicas, mas compraz-se em desqualificar e criminalizar o outro. O paulistano de "bem" mostra-se sempre indignado, mas nunca se julga responsável.

São Paulo, a de cima, é pesada, gordurosa, velha e cheira mal. É ela que oprime a outra São Paulo, nossa, a que hoje nasce no subterrâneo, esta leve, limpa, re-modernista e perfumada.

Morreu uma ciclista, mais uma. Mas qual a culpa que você, paulistano, vai assumir em mais esta tragédia?


http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/03/02/ciclista-morta-na-avenida-paulista-era-biologa-e-trabalhava-no-hospital-sirio-libanes.htm
*GrupoBeatrice

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