E AÍ, SÃO PAULO AINDA SERVE PARA VOCÊ?!
Para certos setores da classe média paulistana, toda tragédia é localizada, pontual e, em geral, a culpa é da vítima.
Morreu mais uma ciclista na Avenida Paulista. E, novamente, a reação das "pessoas de bem" está marcada por platitudes e hipocrisias, especialmente nos comentários do sites dos portais jornalísticos.
Quem se incomoda com incoerências e traquinagens políticas, lembra-se de um argumento folclórico de Sonia Francine para aderir ao neoconservadorismo fisiológico de Serra-Kassab.
Segundo ela, os dois iam criar em São Paulo uma super malha de ciclovias e humanizar o trânsito paulistano.
Obviamente, não ocorreu nada disso, exceto o benefício pessoal esperado pela veterana princesinha do oba-oba midiático.
O trânsito de São Paulo enrola-se cada vez mais. Os semáforos inteligentes são ainda raros, ao passo que as lombadas eletrônicas (instrumento caça-níqueis da máfia privada-pública) se multiplicam pela cidade, onde, agora, os carros se arrastam a 60 km até mesmo nas grandes avenidas.
Nessa lerdeza criminosa, pessoas perdem seus compromissos, pessoas perdem a lucidez e pessoas perdem a vida, a bordo de ambulâncias imobilizadas.
São Paulo é cada vez mais uma cidade pré-modernista, reprise da ignorância bandeirante e da ganância do baronato agro-industrial. É cada vez mais estúpida, azeda e intolerante.
Exibe cada vez mais a cara macilenta do (ex?) agente do CCC Boris Casoy e dos intelectuais de aluguel que, na grande mídia, são utilizados como soldados do retrocesso, inimigos da diversidade e da universalização de direitos.
São Paulo já não serve a quem pretende reproduzir a virtude antropofágica e tropicalista. Mas serve a quem pretende atropelar tudo e todos com SUVs de alta potência.
São Paulo já não serve aos artistas de rua, perseguidos e humilhados pela doutrina de higienização social tucano-demista. Mas serve aos esquadrões de jovens de "boa família" que agridem sem-teto nas praças e viadutos.
São Paulo já não serve à experiência de participação política em sua principal universidade, pois qualquer divergência é classificada como narco-insurreição. Mas serve a exercícios de guerra de uma polícia cada vez mais intolerante, agressiva e incapaz de compreender o rito civilizatório.
São Paulo já não serve mais ao altruísmo, considerado artifício político de vermelhos interessados em estimular a vagabundagem. Mas serve à construção de guetos suprematistas, de gente que odeia metrô ou que não admite nordestinos emergentes em seus supermercados.
São Paulo já não serve à inclusão, porque ela é carimbada como intromissão. Para a elite bandeirante, o emergente é um invasor, alguém que lhe subtrai privilégios. Para a "reação" paulistana, melhor é apartar, enviar essa gente para o outro lado do Tamanduateí, e que cruzem o rio somente quando vierem limpar pias e latrinas no reduto dos diferenciados.
São Paulo já não serve à miscigenação e ao ingresso do estrangeiro latinoamericano. Porque o cidadão "de bem" bandeirante, sempre bufando, sempre rabugento, tem receio de que descubram em sua árvore genealógica o avô imigrante miserável e a avó que torrava ao sol na colheita de café.
São Paulo resiste à alegria da Vila Madalena, à diversidade do Bom Retiro e à inclusão de Itaquera. Porque o cidadão de "bem" bandeirante não gosta de ver o júbilo alheio, não admite a comunhão da glória, tampouco a glória da comunhão.
São Paulo vem sendo condicionada a desejar mais do mesmo, de forma masoquista e, certamente, suicida. Quer mais escolas incapazes de ensinar, mais companhias de trânsito a travar-lhe a vida, mais máfias a explorar camelôs, mais indignações seletivas, mais controles arbitrários, mais rancor, mais dedos apontados para o nariz do outro, mais do mesmo.
Inimiga da dialética, São Paulo recusa-se a ver causas sistêmicas, mas compraz-se em desqualificar e criminalizar o outro. O paulistano de "bem" mostra-se sempre indignado, mas nunca se julga responsável.
São Paulo, a de cima, é pesada, gordurosa, velha e cheira mal. É ela que oprime a outra São Paulo, nossa, a que hoje nasce no subterrâneo, esta leve, limpa, re-modernista e perfumada.
Morreu uma ciclista, mais uma. Mas qual a culpa que você, paulistano, vai assumir em mais esta tragédia?
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*GrupoBeatrice
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