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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 01, 2012

Grécia: de berço a túmulo da democracia

Partenon grego

Por Cléber Sérgio de Seixas


Se a Grécia é o berço da democracia de viés ocidental, os recentes eventos econômicos e políticos decorrentes das decisões da Troika formada por União Européia, FMI e Banco Central Europeu ameaçam mergulhar o país num drama social jamais observado na história recente daquela nação, tornando-a túmulo do regime democrático.

As medidas que supostamente têm a intenção de “resgatar” a Grécia da crise econômica, na verdade fazem parte do que poderia ser qualificado como um projeto piloto cujo objetivo final seria salvaguardar os interesses dos financistas internacionais e transformar o pequeno país mediterrâneo num laboratório para radicais experimentos de cunho neoliberal.

No processo, não faltam eufemismos para acalmar os ânimos dos mais atingidos pelas medidas dos pacotes de maldades. Austeridade fiscal em prol de superávit primário, cortes de gastos públicos em troca do recebimento de empréstimos internacionais, diminuição de salários e aposentadorias para salvar a economia nacional da bancarrota, privatizações em favor de uma suposta superioridade técnica do setor privado, numa palavra, resguardar os interesses do grande capital em detrimento das necessidades de milhares de seres humanos, eis a lógica perversa que suplanta governos e calca as vidas de milhões de cidadãos.

Nesse ínterim, surge um Mitt Romney, possível adversário de Barack Obama nas próximas eleições presidenciais, afirmando que a Europa está em maus lençóis porque fez demais para ajudar os pobres e desafortunados. Romney é mais um dentre os vários arautos do fim do welfare state, cujo mantra é diminuir o tamanho do Estado e soltar as rédeas do mercado, este supostamente auto-regulador, como se realmente fosse possível falar de um Estado que paire acima dos antagonismos de classe e não esteja atrelado aos interesses de um determinado estrato social.

O financismo internacional legou à Grécia uma política econômica que agravará a questão social daquele país, atirando à pobreza amplos contingentes da classe média pauperizados pelo desemprego. A submissão do governo aos ditames dos organismos financeiros vai solapar o crescimento econômico, trazendo consigo a degeneração do tecido social da nação, tal qual experimentaram alguns países latino-americanos durante os anos 80 e 90 sob a égide do Consenso de Washington.

Um dos expoentes daquele processo foi a Argentina, que no início da década passada amargava os efeitos colaterais do neoliberalismo - entre 2001 e 2002, a moratória da dívida e o corralito não impediram que cinco presidentes passassem fugazmente pela Casa Rosada. Apenas o kirchnerismo foi capaz de desfazer as armadilhas econômicas que o neoliberalismo legara aos argentinos e inserir seu país numa nova era de crescimento.

Diante da tragédia grega, a que mais apelarão os cidadãos daquele país além das ocupações de espaços públicos, das greves gerais, das manifestações de rua e das mobilizações contra aumentos de tarifas para fazer valer seus direitos frente a sanha de especuladores e credores da dívida? Ao que parece, todos os caminhos alternativos estão sendo trilhados pelo povo grego. Sobrará a ele alguma saída pacífica antes do recurso à violência?

Se a mais nova receita neoliberal surtir o efeito desejado nas terras helênicas sem deixar sequelas que não possam ser mitigadas, não intentarão os organismos financeiros internacionais repetir em outras nações européias ou em escala global seus experimentos?

Quando um regime dito democrático não mais leva em conta os interesses da maioria, como falar em poder do povo ou do povo no poder? Deve-se ressaltar que, apesar da perda da soberania da Grécia para organismos financeiros internacionais, nenhum grego elegeu via sufrágio representantes do FMI, da União Européia ou do Banco Central Europeu, organismos que, apesar disto, ditam as regras político-econômicas do país. É esse tipo de democracia que o futuro reserva aos europeus?
*observadoressociais

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