O descompromisso de Serra com São Paulo
A
ausência de vínculos da candidatura Serra com os problemas da cidade é
capturada por diferentes canais de percepção da sociedade e apresenta-se
aos formadores de opinião como mero movimento de o candidato relançar
sua carreira política no jogo da disputa política
Fica
cada vez mais caracterizado que optou pela prefeitura no contexto de um
plano partidário para resgatar a hegemonia das forças políticas que
foram alijadas do governo federal com a vitória de Lula da Silva e que
agora correm risco de perder a última trincheira no governo de São Paulo
com sucesso das políticas econômicas e sociais que animam a força de
adversários nesta segunda década do século XXI.
É
essa sensação de uma candidatura descomprometida com os grandes
problemas da cidade que expressa a editora de política do jornal Valor
Econômico Maria Cristina Fernandes na coluna que fez publicar em 2 de
março de 2012 (íntegra à baixo).
Em
texto elucidativo resgata o conteúdo de todos os artigos que o agora
candidato Serra escreveu para periódicos de grande circulação em São
Paulo desde quando saiu derrotado das últimas eleições presidenciais até
que anunciasse sua candidatura a prefeito.
Mostra
que em nenhum deles há uma linha sequer sobre questões relativas à
cidade de São Paulo ou à discussão de temas que afligem as pessoas que
nela vivem. Exclusivamente temas nacionais dominam a pauta abraçada pelo
ex-candidato a presidente nos seus textos.
Mas
um artigo escrito para uma revista esportiva parece chamar a atenção da
jornalista nos comentários que faz. Aponta que Serra diz admirar o
papel de goleiro no futebol, pelo fato deste jogar às costas de seu time
e usar as mãos como instrumento privilegiado num jogo dominado pelos
pés.
Estaria
aí o candidato cometendo o ato falho de dizer que é da sua índole jogar
sozinho nos bastidores e valer-se de meios estranhos às regras do jogo
com a finalidade de obtenção de sucesso solitário? Ao artigo da
articulista.
Uma Página em branco
Maria Cristina Fernandes, para o jornal Valor Econômico
Entre
a campanha presidencial de 2010 e a decisão de candidatar-se à
Prefeitura de São Paulo, José Serra foi colunista de jornal. Escreveu 21
artigos em "O Estado de S.Paulo" e dez em "O Globo". A íntegra desses
artigos está no seu site (www.joseserra.com.br),
onde também se encontram discursos feitos em encontros partidários de
que participou nesse período, comentários sobre a conjuntura e um artigo
sobre goleiros publicado pelo jornal "Lance!".
Os
artigos revelam o ex-candidato à Presidência da República, o ex-senador
e, eventualmente, o ex-governador do Estado de São Paulo. Em nenhum
momento, porém, avoca sua experiência de um ano e três meses frente à
prefeitura da capital.
São
textos fluidos e ácidos com raras concessões ao lirismo, como no texto
em que revela sua simpatia pelos goleiros: "Vê seu time sempre pelas
costas e o adversário pela frente. Trabalha com as mãos no esporte dos
pés".
Faz
revelações de sua infância ao rememorar os 50 anos da renúncia de
Jânio. Sua mãe entusiasmou-se pela campanha do tostão contra o milhão.
As mulheres consideravam Jânio um político diferente dos outros. O jovem
Serra também. Achava que havia feito um bom governo em São Paulo,
"operoso e sem escândalos" e, por isso, tinha lhe dado o primeiro voto
de sua vida. O pai era contra por sua gestão na prefeitura, quando os
fiscais cobravam caixinha dos feirantes do Mercado Municipal.
Serra
fez duas estreias. Na imprensa começou com um "Oposição para quê?", em
que faz referências não tão veladas à proeminência que o senador Aécio
Neves havia adquirido no partido. Diz que o PSDB não sabe fazer oposição
e considera razoável o eleitor imaginar que "não sabe governar quem não
sabe se opor". Sugere os 10 Mandamentos como cartilha para a oposição e
sugere o 11º: "Não ajudarás o adversário atacando teu colega de
partido".
Faltou São Paulo nos artigos de José Serra
Ao
abrir o site, em um pequeno artigo com o título "Minha primeira vez",
cita um conto de Machado de Assis: "As palavras têm sexo, unem-se umas
às outras. E casam-se. O casamento delas chama-se estilo".
Na
internet e nos jornais o que predomina são os textos de crítica ao
governo federal. Desindustrialização, câmbio e infraestrutura são os
temas econômicos mais frequentes. Recorre à terceira colocação do Brasil
no índice do Big Mac mais caro para fazer suas críticas ao câmbio
sobrevalorizado. Reclama de uma política mais agressiva para o turismo,
capaz de competir pelos R$ 16 bilhões que os brasileiros gastaram em
2010 no exterior.
Considera
o trem-bala "o pior projeto da história" e diz que as concessões
petistas das rodovias federais "não foram 'a preço de banana', foram de
graça mesmo" para concluir que "a pior ideologia é a incompetência".
Faz
um único elogio à política econômica, reservado ao site. Quando o Copom
baixa meio ponto da Selic defende a credibilidade do Banco Central e o
direito de a presidente conversar com seus diretores e ministros da área
econômica sobre os rumos da política monetária.
Volta
e meia analisa a economia internacional. Diz que o Euro foi o "maior
erro de política econômica em escala internacional na segunda metade do
século XX".
Faz
críticas recorrentes a corrupção e a loteamento de cargos, queixa-se
dos rumos da reforma política e do que avalia como abandono do tema dos
direitos humanos na política externa. Faz um artigo sobre saúde,
relembrando sua atuação no ministério e defendendo a vinculação de
recursos. Já este ano escreveu um artigo sobre o Enem em que critica a
iniciativa petista de tentar mudar a forma de ingresso nas universidades
transformando-o num vestibular gigantesco e mal administrado.
Nos
12 meses em que escreveu Serra não falou do transporte público, das
creches, das AMAs (Assistências Médicas Ambulatoriais) ou da limpeza
urbana da cidade de São Paulo.
Ele
avisara, ao estrear como articulista, que estaria ocupado com o "futuro
do Brasil e dos brasileiros". Na carta que entregou ao diretório
municipal do PSDB reconheceu que os 44 milhões de votos que recebera em
2010 lhe estimularam a voltar sua atenção a questões nacionais.
Em
sua primeira entrevista como pré-candidato, Serra disse que apresentava
sua postulação por "necessidade política e por gosto de ser prefeito".
Se
nem ele nem seu partido acreditavam ter alternativa, foi efetivamente
por necessidade que resolveu se apresentar. Mas que a prefeitura
mobiliza seus gostos não havia como adivinhar.
Esta
é, no PSDB, uma das principais preocupações de sua campanha. Serra
terá, provavelmente, a vantagem de liderar a mais robusta aliança
partidária da sucessão paulistana. Além disso, conta com o histórico
eleitoral de uma cidade que favorece candidaturas de centro-direita.
Apesar disso tudo, porém, esta deve ser uma campanha mais difícil do que
aquela em que venceu Marta Suplicy em 2004.
Naquele
ano Serra ainda tinha fresco na memória do eleitor a passagem, havia
dois anos, pelo Ministério da Saúde, quando fez uma gestão inovadora.
Agora
já se passaram dez anos desde que deixou a Saúde. A avaliação é que lhe
faltam marcas e sobram desgastes acumulados numa polêmica campanha
presidencial. Aquilo que fez na rápida passagem pela prefeitura acabaria
sendo creditado na conta de Gilberto Kassab, que ruma para concluir seu
segundo mandato no posto. Também é difícil evitar que o que restou de
sua administração como governador de Estado durante dois anos e três
meses não se diluísse nos mais de sete anos que Geraldo Alckmin já
acumula no cargo.
Até
pode ser verdade, como diz Serra, que na eleição paulistana disputam-se
os rumos da política nacional, dado o peso que os dois principais
partidos do país jogam na parada. Mas não parece tão claro que a mão
inversa funcione com a mesma fluidez. A blindagem do regime sírio, o
futuro do euro, o nó cambial, o loteamento da Funasa ou a reforma
política talvez tenham pouca influência sobre o voto paulistano.
Não que se deva esquecer o que escreveu. Há muitos momentos de lucidez nos artigos de Serra. A questão agora é preencher a página de São Paulo que ficou em branco.
*Brasilquevai
Nenhum comentário:
Postar um comentário