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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 12, 2013

A Globo tem que passar pelo mesmo processo imposto ao Clarín


A Globo é altamente rejeitada pela sociedade

Os leitores do Diário do Centro do Mundo costumam ser excepcionalmente indulgentes com Lula e Dilma.

Uma vez critiquei as palestras de Lula – um dos mais nomes mais caros do circuito mundial de seminários – e os leitores correram maciçamente em sua defesa.

(A mim incomoda que ex-presidentes, capturados por gananciosos agentes, façam fortunas fáceis com palestras em que ganham numa hora o que ganhavam num mandato. No Brasil, a prática foi inaugurada por FHC e, pelo menos nisso, Lula seguiu-o fielmente.)

Pelo histórico de simpatia irrestrita por Lula no âmbito dos leitores do DCM, chama a atenção o resultado de uma enquete em que lhes foi perguntado por que, na opinião deles, a Argentina tem sua Lei de Mídia e o Brasil não.

Eram duas alternativas postas aos leitores. Uma era que as circunstâncias entre os países eram diferentes. Cristina Kirchner, por exemplo, tem maioria no Congresso.

A segunda alternativa era que Kirchner é mais combativa do que Lula e Dilma. A expressão utilizada na enquete foi mais crua, na realidade. Kirchner tem mais cojones, esta a hipótese levantada.

Para minha surpresa, quase 70% dos leitores optaram pelos cojones de Cristina Kirchner.

Como interpretar?

Primeiro, é verdade, é preciso considerar que os leitores foram ouvidos pouco depois da aprovação pela Suprema Corte da Argentina da lei. Havia, então, uma vaga de entusiasmo no ar que se iniciou na Argentina e logo chegou aos progressistas brasileiros.

Mas, depois, e acima de tudo, estava sendo extravasada uma mensagem, ou um desabafo: “Vamos acelerar as reformas vitais para o avanço social. Chega de acomodação. Algum confronto é necessário para quebrar velhos privilégios.”

Compare.

Qualquer que seja, no futuro, o legado do kirchnerismo, Cristina prestou um serviço extraordinário à sociedade argentina ao vencer epicamente o Clarín para forçar a quebra de um monopólio que é negação da democracia em algo que não pode ser tratado como um sabonete: a informação.

Na batida tese falaciosa da direita, Cristina Kirchner cometeu um crime, aspas, contra a liberdade de expressão. É o que a mídia corporativa no Brasil diz quando o assunto vem à cena.

Para usar a grande frase de Wellington, quem acredita nisso acredita em tudo. O Clarín poderá continuar a escrever tudo o que quiser. Apenas não terá o monopólio da voz.

Quem ganha não é o governo Kirchner. É a democracia. É a sociedade. São os argentinos, enfim.

No Brasil, uma corrente do público grita por uma lei que regule a mídia brasileira e quebra o monopólio de umas poucas famílias. Isso pode se ver nos cartazes que, nos protestos, manifestam repulsa ao símbolo máximo desse monopólio no Brasil, a Globo. Foi dentro desse mesmo quadro que black blocs gritaram umas verdades à revista Veja na sede da Editora Abril, em São Paulo.

Alguma luz para o Brasil? Por enquanto, acreditar numa Lei de Mídia brasileira parece, infelizmente, um triunfo da esperança.

Ainda nesta semana, numa entrevista ao jornal Zero Hora, a própria Dilma falou em mídia com os habituais truísmos sobre a importância da livre opinião. Um momento: todos prezamos a livre opinião. Apenas não queremos que a livre opinião pertença a três ou quatro famílias.

É isso que tem que ficar claro nesse debate. Para quem tem alguma dúvida sobre o perigo do monopólio da voz, é só lembrar 1954 e 1964.

A posteridade haverá de cobrar – justificadamente — o PT se, em sua gestão, o partido não se inspirar, em algum momento, nos cojones de Cristina Kirchner.

Paulo Nogueira
No DCM 

*comtextolivre

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