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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 22, 2012

Jornalismo chapa verde-oliva (eu rasgava meu diploma) 

 

Evaristo Almeida
A coluna do jornalista Vinicius Mota de hoje na Folha de São Paulo fala sobre a queda da participação do produto interno bruto – PIB dos países ricos no PIB mundial. Sinto informar à redação da Folha, mas o jornalista é inepto para tratar dessa questão. Ao escrever que a participação do Brasil em 1980, de 3,9% do PIB mundial em relação ao de 2012, de 2,9%, na acepção do colunista estamos piores. Pintou até um certo saudosismo do Vinicius Mota do general Figueiredo, ditador de plantão, naqueles anos tristes. Talvez por que a empresa em que trabalha, Folha de São Paulo (se lembra das peruas para a prisão, tortura e morte de brasileiros?) ter apoiado o golpe de estado de 1964. O infeliz jornalista poderia ter analisado o Brasil pelo PIB per capita, diminuição da pobreza, visto que em 1980, havia muito mais pobres no país, melhora do salário mínimo, os militares arrocharam os salários ou qualquer outro indicador. Mas para seguir a orientação da redação da Folha ele preferiu pegar um indicador que aparentemente é ruim para o Brasil. Ledo engano, pois todos os países diminuíram a sua participação no PIB mundial, inclusive os Estados Unidos e isso é bom para o mundo, pois indica que a riqueza está se desconcentrando. E não se faz comparação de PIB vis-a-vis como fez o jornalista da Folha. Pois estamos falando de um PIB imensamente maior. Pelo raciocínio do Vinicius Mota ele prefere ter 3,9% de 100, do que 2,9% de 1000. É isso mesmo, o bolo é melhor e a condição de vida do povo brasileiro também. Não dá para levar o jornalismo brasileiro a sério, pois eles fazem toda série de exercícios para pintar um Brasil pior. São os representantes da subelite brasileira (não tem projeto de nação e são vassalos dos países desenvolvidos) que agem como uma força de ocupação com o objetivo de manter o país subdesenvolvido e o povo pobre. A Folha sempre quer criar um clima de pessimismo no país. Pelo visto o principal quesito para ser jornalista da Folha de São Paulo é odiar o governo federal, o PT e o Brasil. Se o candidato babar então, está contratado! 
*GilsonSampaio

Guerra e “cheeseburgers”

 

Pepe Escobar, Asia Times Online - THE ROVING EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Um espectro rondaa Europa [1]. Não, não é o comunismo. São as agências norte-americanas de avaliação de risco. A Grécia está quebrada; a Eurozona está a ponto de rachar; o banco JP Morgan comete “erros” de bilhões de dólares; empregos, não há (nem futuro) para as novas gerações. E, mesmo assim, o braço armado do 0,1% das elites ocidentais ocupa Chicago – convertida em cidade-estado policial orweliana – para discutir uma “defesa inteligente” [orig. smart defense].
No Afeganistão, a “inteligente” Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) prepara-se, de fato, para uma fuga humilhante. “Defesa inteligente” é palavra em código para “o dinheiro sumiu”. Só cinco, dos 28 estados-membros da OTAN gastam 2% dos respectivos PIBs com os militares – como quer a OTAN. Um desses era – surpresa! – a Grécia. Eis a trilha rumo ao desastre certo, para o neoliberalismo armado. Primeiro, a Grécia foi mais ou menos obrigada a comprar submarinos caríssimos, de franceses e alemães; depois, foi obrigada a fazer cortes no orçamento. É o plano de ajuda da OTAN: “food for subs”, vocês nos dão comida, nós lhes vendemos submarinos.
Os EUA pagam nada menos que 75% das contas da OTAN – mais uma demonstração cabal de que a OTAN é o braço europeu, armado, do Pentágono. Mas, em 2011, os membros da União Europeia (EU) gastaram nada menos que $180 bilhões, em Defesa. Agora, acabou. Ninguém mais tem dinheiro. Quer dizer: doravante, o Pentágono, sozinho, terá de manter a máquina em operação.
E mantê-la-á – com folga. Como esperado, ontem, domingo, na Chicago ocupada, a OTAN aprovou – melhor ainda: o presidente Barack Obama dos EUA e seus aliados “acabam de decidir” – dar prosseguimento à primeira das quatro fases do escudo norte-americano antimísseis para a Europa.
Na prática, significa um navio de guerra dos EUA armado com interceptores ancorado no Mediterrâneo; e um sistema de radar da OTAN, instalado na Turquia e controlado do quartel-general em Ramstein, na Alemanha. A vasta (e crescendo) base militar em Ramstein é comandada por um general norte-americano. Mas, segundo o jornal turco Zaman, haverá um general turco, lá, como subcomandante. É a cenoura que coube à Turquia, por ter feito campanha a favor de mudança de regime na Síria.
Cheeseburger na Russia
Os que acreditam no que a OTAN diz pelos veículos da imprensa-empresa – que o tal escudo nada tem a ver com a Rússia e é defesa contra os mísseis do Irã “do mal” – melhor fariam se se aliassem a Alice no País das Maravilhas. Para todos os objetivos práticos, o comandante do exército russo, general Nikolai Makarov, já disse que a Rússia responderá, com uma base de mísseis Iskander de curto-alcance em Kaliningrad, junto à fronteira com a Polônia. É fácil tirar a OTAN de dentro da Guerra Fria, mas ninguém tira a Guerra Fria de dentro da OTAN.
No ponto, nem mal-passado nem bem-passado, sem ketchup
Sobre o Afeganistão, o que a Casa Branca espalha pelos veículos da mídia-empresa é que Obama recomendou ao presidente afegão Hamid Karzai que “implemente a reforma eleitoral, ponha fim à corrupção e pressione os Talibã para um acordo”. É além de delírio desejante: acreditar que o sistema super corrompido de Karzai se “autorreformará” é como crer que a Casa de Saud seja amante da democracia jeffersoniana. Se houver qualquer coisa semelhante a “reforma eleitoral”, os aliados de Washington perderão, por muito tempo, todas as eleições que se inventem. E é o Talibã quem pode obrigar Karzai a fazer algum acordo, não o contrário.
Assim sendo, o que sobra, para salvar a civilização ocidental? Com batatas fritas à francesa, não à moda “liberdade”.
Dessa nova diplomacia cheeseburger, selada no Salão Oval, entre Obama e o novo presidente da França, François Hollande, espera-se que salve a Grécia, erga a Eurozona e dê nova partida, afinal, na economia dos EUA, bem a tempo para as eleições presidenciais de novembro nos EUA. Como é que os indômitos "Cinco", da cadeia EUA de búrgueres, não pensaram nisso antes?
Eis o cálculo de Obama:
Se o Republicano Mitt Romney for eleito em novembro, estaremos ainda mais ferrados do que estamos hoje. Preciso de empregos. Preciso de economia em recuperação. Preciso que os malditos europeus ponham ordem na casa. Não posso ficar sentado aqui, à espera de que eles resolvam o problema grego: tenho de vencer uma eleição!
Eis o cálculo de Hollande:
Minha eleição está vencida. Prometi empregos e crescimento. Agora, preciso de uma coalizão de vontades só minha – para o crescimento; ou seremos atropelados pela extrema direita, em todas as urnas. Mon Dieu, por que “Onxelá” – codinome, chanceler alemã Angela Merkel – não entende isso?
Para o duo franco-americano, é situação de ganha-ganha. A política econômica de Hollande é, de fato, a economia política do Obama Team. Com certeza já expuseram a (nova) lei a “Onxelá”, no plácido retiro de Camp David, no G-8 – protegidos das agruras do mundo real por um exército suficiente para executar qualquer mudança de qualquer regime em qualquer lugar, em cinco minutos.
Problema é que, nem Barack, nem François avisaram o Deus do Mercado – nem os bancos europeus e norte-americanos – sobre seus projetos. Os Mestres do Universo não dão bola alguma para a Grécia, berço da democracia; querem é a grana deles, de volta.
Obama tem pressa. O atual Supremo Interventor italiano, Mario Monti – ex-Goldman Sachs – talvez tenha credibilidade de mercado, para convencer Berlim e a Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) de que, ou a Europa cresce, ou não haverá dinheiro para ninguém. Mas Obama também precisa de um aliado estratégico político. E, com certeza, não será “Onxelá”, a dominatrix da austeridade.
Filet mignon à iraniana
Prefiro um bife
O problema é que esses cheeseburgers estão encharcados de óleo. Petróleo iraniano. Obama faz-se de durão contra o Irã, essencialmente por razões eleitorais. Nos próximos cinco meses, bem poderia conseguir redirecionar o debate, não fossem os europeus que – obedecendo ordens suas, de fato – podem fazer valer o boicote contra o petróleo do Irã, a iniciar-se dia 1º de julho p.f.. Obama teme a consequência inevitável do boicote: os preços do petróleo, na estratosfera. Se isso acontecer, bye bye recuperação europeia, a ser seguido, claro, por bye bye reeleição de Obama.
Isso é que torna ainda mais sumarenta a próxima rodada de conversações em Bagdá, essa semana, entre o Irã e as nações do P5+1. Do ponto de vista do Obama Team, o melhor cenário possível seria... Vamos concordar que temos de conversar um pouco mais.
Com isso, Obama ganharia uma janela pela qual pressionar – com a ajuda de Hollande – a favor da ideia de a Europa esquecer o boicote ao Irã, pelo menos enquanto prosseguirem as conversações entre as partes e, no mínimo, pelos próximos seis meses. Afinal, o pacote de sanções ultra debilitantes lá está e lá continua – e não há dúvidas de que está fazendo sofrer a população iraniana, muito mais do que a liderança em Teerã.
A única coisa que importa ao Obama Team, acima de tudo no mundo, é garantir a vitória, dia 4/11. Essa diplomacia cheeseburger funcionará? Ou Mitt Romney contra-atacará, prometendo política de “nenhum bife abandonado na retaguarda”, com muito ketchup iraniano?
Nota dos tradutores
[1] É a frase de abertura do Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels. Acesse o “link”, excelente tradução.
*GilsonSampaio

Comprar maconha para fumar não é crime. Eis a sentença!



Proceso Número: xxxxxxxxxxxxx
Autor: Justiça Pública
Réu: F.S.C
Tráfico de maconha. Desclassificação para uso próprio pelo Ministério Público após a instrução. Inexistência de crime. Comprar e portar maconha para uso próprio não configura crime. Inexistência de tipicidade e inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei n° 11.343/06. Matéria em Repercussão Geral do STF. Só pode ser punido pelo tráfico quem o pratica. A Constituição Federal não pode ser ferida pela “guerra às drogas”. Absolvição do acusado.
            A representante do Ministério Público nesta Comarca ofereceu Denúncia contra F.S.C, qualificado nos autos, sob alegação da prática do crime previsto na Lei n° 11.343/2006, artigo 33, caput. Consta da Denúncia que a polícia civil estaria recebendo denúncias anônimas acerca do comércio de drogas no Bairro da Mansão, nesta cidade, e um policial civil acompanhado de funcionário público municipal realizaram ronda no local; que por volta das 16 h, nas proximidades da Igreja Assembleia de Deus, o policial abordou o denunciado, que se encontrava em atitude suspeita, tendo sido encontrado em seu poder vinte trouxas da erva maconha prontas para serem comercializadas. Ao final da audiência de instrução e julgamento, a ilustre representante do Ministério Público, diferente daquela que ofereceu a Denúncia, requereu a desclassificação do delito e condenação do denunciado nas penas previstas para o crime do artigo 28 da mesma lei.
É o Relatório. Decido.
De fato, após a oitiva das testemunhas e do acusado, alternativa não resta senão desconsiderar a acusação da prática do crime de tráfico de maconha. A prova testemunhal se resumiu ao depoimento dos mesmos agentes que efetuaram a prisão do acusado, que observaram não ter lhe visto vendendo maconha e que nunca ouviram falar a respeito. O acusado, de sua vez, assumiu ser usuário e que teria comprado a maconha para seu uso próprio, bem como informou que é serralheiro autônomo, possui todas as ferramentas do seu ofício e que não necessita do tráfico para sua sobrevivência.
O que se discute, portanto, afastado o crime de tráfico, é se o acusado, de fato, ao portar maconha para seu próprio consumo, cometeu algum crime passível de punição, ou seja, comprar e portar maconha para consumo próprio é crime? Pergunta-se!
Pois bem, ainda na vigência da Lei n° 6368/76, a então Juíza de Direito Maria Lúcia Karam, em sentença histórica, absolveu acusada da prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da “falta de tipicidade penal”.
Na sentença, observou a ilustre juíza:
“É comum ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais, notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante.
Também não há dados concretos que demonstrem que a punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor leva à identificação do fornecedor.
Se o consumidor pode vir a ser um traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios, devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou gratuito, em grande ou pequena quantidade.” [1]
Nesta mesma linha, agora na vigência da Lei n° 11.343/06, em 31.03.2008, a 6ª Câmara Criminal do TJSP, avançou e aprofundou o debate para declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida lei.
“O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil” (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008)
Seguindo em frente, em 31 de janeiro de 2012, o Juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, também absolveu sumariamente o acusado da prática do crime previsto no artigo 28 da lei n° 11.343/06, respaldando-se no disposto no artigo 397, III, do Código de Processo Penal Brasileiro, ou seja, “o fato narrado não constitui crime”.
Lê-se na sentença do ilustre Juiz:
“Por força do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em exame, a conduta de P. não colocou em risco real e concreto o bem jurídico – saúde pública – que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos individuais.” [2]
Por fim, como consequência deste debate, a arguição da inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de “Repercussão Geral”. Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei n° 11.343/06 afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso. [3]
No despacho que reconheceu a Repercussão Geral, no Recurso Extraordinário 63659-SP, observou o ilustre Ministro Gilmar Mendes:
“No caso, a controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal.
Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria.
Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria Constitucional.” [4]
Enquanto o STF não se manifesta, resta-nos, aos que defendem a inconstitucionalidade, enfrentar o debate o oferecer, mesmo em sentenças, elementos para a compreensão da magnitude do problema e busca de soluções.
Assim, não se quer defender ou fazer apologia ao uso de drogas ilícitas ou, muito menos, desconhecer os danos que a dependência química tem causado aos jovens das camadas mais pobres desse país. De outro lado, em vista da realidade que nos salta aos olhos no dia a dia forense, bem como no contato com entidades, oficiais e civis, que atuam com jovens dependentes, a exemplo do Creas, CRAS e associações de moradores, não há mais como defender a punição como solução para o problema da dependência química de jovens pobres e excluídos.
Não são esses jovens, chega-se à conclusão, “clientes” do sistema punitivo ou penitenciário, mas “clientes” em potencial, mesmo que retardatários, de políticas públicas para, primeiro, evitar que se tornem dependentes químicos e, depois, cuidar deles para que resgatem sua autoestima e lhe sejam oferecidas as oportunidades sociais que lhe foram negadas desde a mais tenra infância.
Em consequência dessa política desastrosa e equivocada no tratamento ao tráfico, a chamada “guerra às drogas”, o Brasil tinha em dezembro de 2011, segundo dados do Ministério da Justiça,[5] 514.582 presos e 125.744 por motivo do crime de tráfico de entorpecentes, ou seja, 24,43% da população carcerária. Significa dizer, portanto, que um quarto dos presos do sistema penitenciário não cometeu crimes com violência à pessoa ou ao patrimônio. Ainda segundo os dados do Ministério da Justiça, o sistema possui 306.497 vagas, mas o contingente preso é de 514.582. Em consequência de tudo isso – pobreza, exclusão, falta de oportunidades, prisões desnecessárias, excesso de presos e precariedade do sistema – o índice de reincidência é de mais de 70%, ou seja, de cada dez presos submetidos às mais precárias condições de cumprimento da pena em regime fechado, sete deles voltam a delinquir. 
Assim, a solução punitiva e a política de “guerra às drogas” não tem se mostrado eficientes para reduzir o tráfico ou o número de dependentes, visto que tomando-se por parâmetro as apreensões, a produção e o consumo crescem em níveis galopantes. Da mesma forma, o sistema não tem se mostrado eficiente na recuperação de quem prende. Muito ao contrário, egressos do sistema são estereotipados e, se não eram incluídos antes no mercado de trabalho, pior agora na condição de ex-presidiário.
Em que pese tudo isso, a vontade e supremacia da Constituição devem permanecer como o norte e o esteio do ordenamento jurídico. Neste dilema – combate ao tráfico e respeito à Constituição – é papel de todos que lidam com o Direito buscarem soluções diferentes da simples condenação e encarceramento de milhares de jovens que muitas vezes vendem pequenas quantidades para manter a própria dependência ou que se tornam traficantes de verdade por falta de alternativas e oportunidades sociais.
Por fim, nesses caminhos até então trilhados, a efetividade do projeto constitucional de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalização e desigualdade, fundada na cidadania e dignidade da pessoa humana, parece não ter mais sentido e não ser mais a vontade da própria Constituição. Os que lidam com o Direito e que lhe veem sentido, no entanto,  não podem aceitar pacificamente este fato. É preciso efetivar e fazer acontecer a vontade da Constituição. Não temos alternativa e nada justifica o esquecimento do projeto constitucional brasileiro, resultado de um processo histórico concretizado na Constituinte de 1987/88.
Pois bem, além desses aspectos reais, políticos e sociais, para os quais o juiz não pode fechar os olhos, em termos técnicos jurídicos, são fortemente consistentes os argumentos expendidos nos julgados da 6ª Câmara Criminal de São Paulo e do Juiz Rubens Casara, ou seja, a violação dos preceitos constitucionais da inviolabilidade da vida privada das pessoas e ausência de tipicidade da conduta.
De outro lado, o argumento de que o usuário fortalece o tráfico e que, por isso mesmo, deve ser punido, é frágil e inconsistente, seja em face de argumentos jurídicos ou lógicos. Ora, em primeiro, ninguém poderá ser punido por crime que não cometeu, ou seja, só quem comete o crime de tráfico pode ser punido pela própria conduta; em segundo, a condição de usuário é subjetiva e diz respeito apenas a quem usa, encerrando-se as consequências do ato no próprio usuário.
Por fim, no caso em apreço, trata-se de um jovem usuário de maconha, residente nesta cidade, trabalhador autônomo e com uma única ocorrência registrada no sistema policial: preso por porte de maconha. Ora, o acusado confessou ser usuário, mas é pessoa que trabalha, tem endereço certo e nunca cometeu crime com violência contra a pessoa ou contra o patrimônio de quem quer que seja. Sendo assim, qual o bem jurídico que ofende ao comprar quantidade de maconha para seu uso próprio? Qual o prejuízo que causa à saúde pública ao fumar seu cigarro de maconha em sua própria residência? Finalmente, qual o crime que cometeu para ser punido?
             Isto posto, em face da atipicidade da conduta e inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 11.343/06, exercendo o controle difuso da constitucionalidade, também em face do disposto no artigo 6º da Lei Estadual nº 10.845/07, Lei de Organização e Divisão Judiciária da Bahia (“os juízes togados poderão, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, negar aplicação às leis que entenderem manifestamente inconstitucionais.”), com fundamento no artigo 397, III, do Código de Processo Penal, ABSOLVO o acusado para determinar o arquivamento dos presentes autos.
            Sem custas e sem honorários. Transitada em julgado, arquive-se.
            Conceição do Coité, 17 de maio de 2012
            Bel. Gerivaldo Alves Neiva
                        Juiz de Direito

segunda-feira, maio 21, 2012

Honra aos Jovens lúcidos


Deleite Bee Gees - Blowing In The Wind (1963) / Marisa Monte

OAB-RJ apoia projeto de lei que batiza de Betinho nome da ponte Rio-Niterói


O presidente da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous considerou hoje (21) “ um marco histórico, um legado à cidadania, à democracia com justiça social e ao resgate da verdade e da memória”, o projeto de lei 3388, de 2012, de autoria do deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ) que dá à ponte Rio-Niterói o nome do sociólogo Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho, no lugar de Presidente Costa e Silva. Segundo Damous, a mudança é fundamental dentro do contexto da instalação da Comissão da Verdade, como mais uma forma de “passar a limpo muitos aspectos da nossa história recente, sem revanchismos, mas com senso de justiça e de verdade conosco mesmos, nossos filhos e netos”.
- Costa e Silva lembra o período da ditadura. Lembra o período mais obscuro da história do Brasil. Betinho lembra liberdade e solidariedade, esperança para o Brasil, afirmou Damous. Para ele, é inaceitável que a popularmente chamada Ponte Rio-Niterói seja oficialmente denominada Ponte Presidente Costa e Silva, em homenagem a um chefe de Estado que foi um dos artífices do golpe militar, responsável por momentos dos mais sombrios da história brasileira como o que se inicia com a edição do famigerado Ato Institucional nº 5 (AI-5).
A proposta de alteração da denominação da ponte Rio-Niterói, localizada do Km 321 ao 334, na BR 101, teve origem, segundo o deputado Chico Alencar, na solicitação de vários movimentos de direitos humanos encaminhadas aos membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em dezembro de 2011. Propõe nova denominação à ponte presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) para ponte Herbert de Souza – Betinho (1935 – 1997), que dedicou sua vida à luta pela democracia e pela justiça social.
 A Lei nº 6.682, de 27 de agosto de 1979, dispõe sobre a denominação de vias e estações do Plano Nacional de Viação – PNV, estabelece em seu art. 2º que qualquer via pública “poderá ter, supletivamente, a designação de um fato histórico ou de nome de pessoa falecida que haja prestado relevantes serviços à Nação ou à Humanidade”. Além disso, O terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) prevê que não mais sejam homenageados, a partir do batismo de logradouros públicos com seus respectivos nomes, indivíduos que notadamente tenham cometido crimes e perpetrado violações dos direitos humanos no período da Ditadura Civil Militar de 1964-1985.  
Diante dos fatos apresentados, o deputado Chico Alencar decidiu acolher a argumentação dos vários movimentos de direitos humanos que lutam pela alteração da denominação da mais famosa ponte do Rio de Janeiro. “Homenagear a ditadura é torturar a memória; homenagear Betinho é fazer justiça”!, destacou o parlamentar. A escolha do nome de Betinho, deve-se à sua incansável luta pelos direitos humanos no período ditatorial, e pela sua condição de símbolo dos exilados e da anistia. Retornando ao país, Betinho empenhou-se pela dignidade das populações vulneráveis com a criação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE, em 1981, além do lançamento da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida em 1993, tendo recebido, inclusive, indicação ao Prêmio Nobel da Paz. < span style="line-height: 115%; font-size: 16pt;">
Betinho nasceu em Bocaiúva, em Minas Gerais, no dia 3 de janeiro de 1935 e morreu no Rio de Janeiro em 9 de agosto de 1997. Foi o quarto filho de uma família de oito irmãos, entre os quais o cartunista Henfil e o músico Chico Mário. Sua infância foi marcada por fatos incomuns. Já nos primeiros dias de vida, teve hemofilia, uma doença no sangue que impede a coagulação. Herbert de Sousa começou a sua militância política na Juventude Católica, em Belo Horizonte. Estudou na Universidade de Minas Gerais e formou-se em sociologia em 1962. Depois do golpe militar de 1964, Betinho engajou-se na resistência contra a ditadura. Passou sete meses no Uruguai e depois, de volta ao Brasil, foi trabalhar como operário na cidade paulista de Mauá.
Em 1971, Herbert de Sousa partiu para o exílio. Morou em diversos países. No Chile, deu aulas na Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais e assessorou o presidente Salvador Allende, deposto em 1973 pelo general Augusto Pinochet. Escapando da ditadura chilena, Betinho exilou-se no Canadá e depois no México. Fez doutorado e foi professor na Universidade Autônoma do México. Com a anistia política, em 1979, retornou ao Brasil. Tornou-se um dos símbolos da resistência política. Dois anos depois, fundou o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). Em 1990, o movimento Terra e Democracia, que Betinho liderava, reuniu no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas para lutar pela democratização da terra.
Herbert de Sousa teve confirmado o diagnóstico de sua contaminação pelo HIV, o vírus causador da Aids, em 1985, contraído numa de suas inúmeras transfusões de sangue no tratamento da hemofilia. No ano seguinte, fundou a ABIA, uma associação para lutar pelos direitos das pessoas portadoras do HIV ou dos doentes com Aids. Betinho dirigiu essa organização por onze anos. A doença atingiu também sua família: no período de um ano, Betinho perdeu dois irmãos vítimas da Aids. A maneira de lidar com a doença foi falar sobre ela. Herbert de Sousa iniciou uma grande campanha nos meios de comunicação para esclarecer as pessoas sobre a doença. 
Em 1992, Betinho liderou o movimento pela Ética na Política, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor, em setembro do mesmo ano. Esse movimento plantou os alicerces do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. A partir da participação de Betinho, o problema da fome e da miséria tornou-se visível e concreto para todos os brasileiros. Herbert de Sousa abriu várias frentes de trabalho, principalmente no seu relacionamento com a mídia. Em 1993, foi considerado "homem de ideias do ano", pelo Jornal do Brasil.
Depois de muito lutar contra a doença, Betinho faleceu em 1997, aos 61 anos, em sua casa, no bairro do Botafogo.
*JB

Osama Bin Laden Murió el 26 de Junio de 2006

O cérebro racista

Cerebro Racista

por Silvio Motta Maximino
Recentemente, Hélio Schwartsman publicou em famoso periódico nacional artigo expondo as teses de dois cientistas, Eagleman e Mlodinov, os quais concluíram: "Somos racistas por natureza". O cérebro, inconscientemente, é capaz de agrupar objetos e pessoas em categorias... Logo, isso explicaria o racismo e outros comportamentos questionáveis, como a xenofobia e as guerras nacionalistas ou de religião. De fato, reducionismos desse tipo não são novidade. Desde Freud e mesmo antes dele, várias teses do tipo surgiram: somos vítimas de nosso inconsciente, do ambiente social etc. De lá para cá, inúmeras teorias têm tentado "explicar" ou justificar o comportamento humano. Então, há explicação para quase tudo: desde por que mentimos ou agredimos até por que somos egoístas ou adúlteros, desde por que gostamos de gordura e açúcar até por que nos apaixonamos. Agora, finalmente, sabemos também por que raios somos racistas! Pode parecer consolador ou conveniente saber que somos joguetes, gravetos impotentes nas mãos da natureza irracional, amoral e onipotente. Mas será mesmo bem isso?
Agora confesse! Pensar que nossas escolhas na verdade não são nossas, mas que já foram de antemão predeterminadas em nossos genes ou pela bioquímica do cérebro ou pelas condições sócio-ambientais não é nada reconfortante, não é mesmo? Na verdade, é aterrador. Uma coisa parece certa: pensar que sabemos mais hoje sobre nosso ser ou sobre nossa mente do que sabíamos há 2.500 anos atrás, quando os geniais gregos inventaram a ciência e a filosofia, tem se mostrado um ingênuo engano.
Sabemos que somos corpo, mente e espírito. Nem os mais materialistas negam isso. Porém, estamos longe de saber o que é o corpo, o que é a mente e o que é isso que chamamos espírito. Sabemos que somos influenciados pela bioquímica de nossas glândulas, pelas condições ambientais e históricas, mas até que ponto somos realmente escravos? A quem apelaremos para responder a essas gravíssimas questões? A ciência ou a religião tem as respostas que estamos procurando? Até que ponto todas as nossas respostas prontas não estão contaminadas pela subjetividade, pela ideologia ou simplesmente pela sempre parcial visão humana da realidade?
Pensemos por um momento na questão do "racismo": os cientistas supracitados partem da premissa questionável de que o racismo seja um conceito da biologia, quando, na verdade, trata-se de um conceito muito mais antropológico do que físico-biológico!
Senão, vejamos: ninguém nasce "racista". Ninguém nasce odiando nordestinos, ninguém nasce sentindo nojo de negros ou judeus, ninguém nasce "skinhead", nazista, ou com vontade de surrar homossexuais e "incendiar" indígenas em praça pública! Então, o que é que acontece? Nós "aprendemos" a ser racistas! Aprendemos isso, como aprendemos a ser corruptos, homofóbicos, solidários, honestos, amáveis... Isso jamais deveria ser confundido com qualquer tipo de determinismo biológico ou teológico. Se vamos "aprender" a lição ou rechaçá-la, sempre será uma escolha pessoal. Salvo raras exceções, o ser humano, embora de certo modo condicionado ou influenciado por múltiplos fatores ambientais e congênitos, sempre pode decidir e será quase sempre livre para escolher.
Comportamentos racistas decorrem da educação social (exemplos) que recebemos, aliada ao fato de que todo ser humano tem seu "ser etnocêntrico". Isso não quer dizer que somos racistas por natureza. Essa simplificação é falaciosa e extremamente perigosa.
O problema é confundir comportamento instintivo com "comportamento aprendido", é confundir discriminação cognitiva com "racismo". Essa "naturalização" de um comportamento, que de fato foi ensinado e aprendido, é o mesmo que confundir cultura com código genético. E é triste vermos cientistas fazendo isso.
É um erro grosseiro, portanto, usar a biologia para justificar o racismo, assim como não devemos usá-la para justificar o nepotismo, o sexismo, o machismo, o nazismo ou quaisquer outros "ismos" que o ser humano resolva inventar. Essa simplificação, esse reducionismo do fenômeno humano ao mero aspecto biológico, além de ser uma atitude anti-científica, em nada ajuda a raça humana a resolver seus principais dilemas.
Portanto, esqueçam! Não haverá nunca uma "aspirina contra o racismo", não haverá uma pílula que proteja o homem dele mesmo. Podemos não ser responsáveis pelo que somos, mas seremos sempre responsáveis pelo que fizemos de nós mesmos.
O autor, Silvio Motta Maximino, é professor de antropologia e filosofia da mente da Universidade Sagrado Coração
Fonte: JCNet
Vi no Portal Geledés
*MariadaPenhaNeles

TV KROON-PROGRAMA SEXTO SENTIDO Nº68-2012, SEGUNDO O SINCRONÁRIO DA PAZ.