Os bancos ocidentais ganham milhões com a cocaína colombiana
Enquanto
a produção de cocaína devasta os países da América Central, os
consumidores dos EUA e da Europa ajudam as economias desenvolvidas a
enriquecerem-se com os lucros dessa produção.
Ed Vulliamy
Os vastos lucros do tráfico e da produção de droga vão para os países
ricos e consumidores – como os da Europa ou os Estados Unidos da América
– numa proporção muito superior do que ficam nos países devastados por
essa produção, como a Colômbia ou o México, revela um estudo recente
[1]
. Os seus autores afirmam que as entidades reguladoras são relutantes
em investigar o enorme processo da lavagem de dinheiro da droga, levada a
cabo pelos bancos europeus e norte-americanos.
A
mais recente análise da economia da droga – no caso específico da
Colômbia – demonstra que apenas 2,6 % do total do valor de mercado da
cocaína produzida fica nesse país, ao passo que uns espantosos 97,4% dos
lucros são arrecadados pelas máfias criminosas do chamado primeiro
mundo, sendo posteriormente submetidos a um processo de "lavagem de
dinheiro" nos bancos desses países.
"A história
acerca de quem realmente lucra com a cocaína colombiana é uma metáfora
para o fardo desproporcionado colocado de todas as maneiras sobre países
"produtores" como a Colômbia em consequência da proibição das drogas"
afirma, Alejandro Gaviria, um dos autores do estudo, aquando do
lançamento da edição inglesa do mesmo na semana passada.
"A
sociedade colombiana tem sofrido imenso e não tem retirado nenhuma
vantagem económica do tráfico de drogas, os verdadeiros lucros revertem a
favor das redes criminosas de distribuição nos países consumidores de
drogas, que os "reciclam" no sistema bancário local, sistema esse que
opera com muito menos restrições do que o sistema bancário colombiano."
O
seu co-autor, Daniel Mejia, acrescentou: "O sistema aplicado pelas
autoridades dos países consumidores de drogas tem como objectivo a
repressão do pequeno distribuidor, ele é o elo mais fraco da rede, estas
nunca procuram atingir os grandes negociantes de drogas ou os sistemas
financeiros que os suportam e é aí que está realmente o grosso do
dinheiro".
Este trabalho, de dois economistas
da Universidade de Los Andes, em Bogotá, faz parte de uma iniciativa do
governo da Colômbia para reformular a política anti-droga global
recentrando-a nos processos de lavagem de dinheiro levados a cabo pelos
grandes bancos norte-americanos e europeus, assim como na prevenção
social e num processo de descriminalização de algumas ou mesmo de todas
as drogas.
Estes economistas tomaram em
consideração vários factores económicos, sociais e políticos, das
guerras da droga que têm devastado a Colômbia. O conflito estendeu-se,
com graves consequências, ao México e receia-se que possa alastrar-se à
América Central. Mas a conclusão mais chocante está relacionada com
aquilo a que os autores chamam "microeconomia da produção de cocaína" na
Colômbia.
Gaviria e Mejía calculam que, ao
mais baixo valor que a cocaína pura produzida na Colômbia pode atingir
nas ruas (cerca de 100 dólares/ 80 euros por grama) o lucro foi, no ano
de 2008, de 300 mil milhões de dólares, dos quais apenas 7,8 mil milhões
ficaram no país.
"É uma porção minúscula do
PNB", disse Mejía, "o que pode ter um efeito desastroso na vida política
e social da Colômbia, mas não na economia. A economia da cocaína
colombiana está fora da Colômbia".
Mejía disse ainda a The Observer: "Na
minha perspectiva a proibição das drogas é um processo de transferência
de custos do problema das drogas, dos países consumidores para os
países produtores".
"Se países como a Colômbia
lucrassem economicamente com o tráfico de droga, ainda faria um pouco de
sentido" afirmou Gaviria". Em vez disso, a Colômbia e o México pagam o
maior preço para que outros tenham lucro".
"Eu
gostava de ilustrar a situação para os cidadãos norte-americanos:
imaginem que o consumo de cocaína nos Estados Unidos desaparecia e se
deslocava para o Canadá. Será que os americanos gostariam de ver a taxa
de homicídio de Seattle disparar para que se evitasse que a cocaína e o
dinheiro fossem para o Canadá? Desta maneira talvez percebessem os
custos desta situação para países como o México e a Colômbia"
Os mecanismos de lavagem de dinheiro foram tratados pelo The Observer no
ano passado, depois de um raríssimo acordo judicial em Miami entre o
governo federal dos Estados Unidos e o Wanchovia Bank, tendo este último
admitido que fazia entrar 110 milhões de dólares de dinheiro da droga
nos Estados Unidos. No entanto as autoridades não conseguiram
monitorizar os 376 mil milhões de dólares que, ao longo de quatro anos,
entraram nas contas desse banco através de casas de câmbio no México. O
Wachovia Bank foi, já depois deste acordo, adquirido pelo Wells Fargo
que cooperava com a investigação.
No entanto
ninguém foi preso, e o banco está hoje fora de qualquer complicação
judicial. "O sentimento geral é o de uma grande relutância em ir atrás
dos lucros reais da droga" disse Mejía. "Eles não se ocupam daquela
parte do sistema onde está a maior soma. Na Europa e nos EUA o dinheiro
está disperso – quando chega a estes países o dinheiro entra no sistema,
em todas as cidades, em todos os estados. Eles preferem ir atrás da
pequena economia, dos pequenos intermediários e das plantações de coca
na Colômbia, mesmo sabendo que essa economia é minúscula".
O
Dr. Mejía acrescentou: "Na Colômbia eles colocam aos bancos questões
que nunca colocariam aos bancos nos Estados Unidos. Se o fizessem seria
contra as leis do sigilo bancário. Nos Estados Unidos existem leis muito
fortes que protegem o segredo bancário, na Colômbia tais leis não
existem – ainda que a lavagem de dinheiro se faça mais nos Estados
Unidos. É um sistema um pouco hipócrita, não?"
"É
uma extensão da forma como operam no seu próprio país. Vão atrás das
classes baixas, dos elos mais fracos da cadeia, do pobre tipo – para
mais facilmente mostrar resultados. Mais uma vez: é a vontade de
transferir o custo da guerra da droga para os mais pobres, deixando o
sistema financeiro e os grandes negociantes intocados, que motiva todo
este sistema"
Tendo o Reino Unido suplantado os EUA e a Espanha como o maior consumidor mundial de cocaína per capita ,
a investigação ao Wachovia mostrou também que muito do dinheiro da
droga era lavado através da City de Londres, onde o principal
denunciante do caso, Martin Woods, estava sediado, no departamento
anti-lavagem de dinheiro do banco. Martin Woods foi posteriormente
demitido depois de ter denunciado a situação.
Gaviria
disse ainda: "Nós sabemos que as autoridades nos Estados Unidos e no
Reino Unido sabem mais do que aquilo que as suas acções fazem
transparecer. As autoridades apercebem-se de inúmeros casos de pessoas
que tentam movimentar dinheiro para o tráfico de droga – mas a DEA
(Departamento Anti-droga dos EUA) age apenas num número mínimo de casos"
"É um verdadeiro tabu perseguir os grandes
bancos" acrescentou Mejía, "seria suicidário neste clima económico
devido às elevadas quantias de dinheiro reciclado"
02/Junho/2012
Tradução de MQ.
*GilsonSampaio