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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 22, 2012

Os bancos ocidentais ganham milhões com a cocaína colombiana


Enquanto a produção de cocaína devasta os países da América Central, os consumidores dos EUA e da Europa ajudam as economias desenvolvidas a enriquecerem-se com os lucros dessa produção.
Ed Vulliamy
Os vastos lucros do tráfico e da produção de droga vão para os países ricos e consumidores – como os da Europa ou os Estados Unidos da América – numa proporção muito superior do que ficam nos países devastados por essa produção, como a Colômbia ou o México, revela um estudo recente [1] . Os seus autores afirmam que as entidades reguladoras são relutantes em investigar o enorme processo da lavagem de dinheiro da droga, levada a cabo pelos bancos europeus e norte-americanos.
A mais recente análise da economia da droga – no caso específico da Colômbia – demonstra que apenas 2,6 % do total do valor de mercado da cocaína produzida fica nesse país, ao passo que uns espantosos 97,4% dos lucros são arrecadados pelas máfias criminosas do chamado primeiro mundo, sendo posteriormente submetidos a um processo de "lavagem de dinheiro" nos bancos desses países.
"A história acerca de quem realmente lucra com a cocaína colombiana é uma metáfora para o fardo desproporcionado colocado de todas as maneiras sobre países "produtores" como a Colômbia em consequência da proibição das drogas" afirma, Alejandro Gaviria, um dos autores do estudo, aquando do lançamento da edição inglesa do mesmo na semana passada.
"A sociedade colombiana tem sofrido imenso e não tem retirado nenhuma vantagem económica do tráfico de drogas, os verdadeiros lucros revertem a favor das redes criminosas de distribuição nos países consumidores de drogas, que os "reciclam" no sistema bancário local, sistema esse que opera com muito menos restrições do que o sistema bancário colombiano."
O seu co-autor, Daniel Mejia, acrescentou: "O sistema aplicado pelas autoridades dos países consumidores de drogas tem como objectivo a repressão do pequeno distribuidor, ele é o elo mais fraco da rede, estas nunca procuram atingir os grandes negociantes de drogas ou os sistemas financeiros que os suportam e é aí que está realmente o grosso do dinheiro".
Este trabalho, de dois economistas da Universidade de Los Andes, em Bogotá, faz parte de uma iniciativa do governo da Colômbia para reformular a política anti-droga global recentrando-a nos processos de lavagem de dinheiro levados a cabo pelos grandes bancos norte-americanos e europeus, assim como na prevenção social e num processo de descriminalização de algumas ou mesmo de todas as drogas.
Estes economistas tomaram em consideração vários factores económicos, sociais e políticos, das guerras da droga que têm devastado a Colômbia. O conflito estendeu-se, com graves consequências, ao México e receia-se que possa alastrar-se à América Central. Mas a conclusão mais chocante está relacionada com aquilo a que os autores chamam "microeconomia da produção de cocaína" na Colômbia.
Gaviria e Mejía calculam que, ao mais baixo valor que a cocaína pura produzida na Colômbia pode atingir nas ruas (cerca de 100 dólares/ 80 euros por grama) o lucro foi, no ano de 2008, de 300 mil milhões de dólares, dos quais apenas 7,8 mil milhões ficaram no país.
"É uma porção minúscula do PNB", disse Mejía, "o que pode ter um efeito desastroso na vida política e social da Colômbia, mas não na economia. A economia da cocaína colombiana está fora da Colômbia".
Mejía disse ainda a The Observer: "Na minha perspectiva a proibição das drogas é um processo de transferência de custos do problema das drogas, dos países consumidores para os países produtores".
"Se países como a Colômbia lucrassem economicamente com o tráfico de droga, ainda faria um pouco de sentido" afirmou Gaviria". Em vez disso, a Colômbia e o México pagam o maior preço para que outros tenham lucro".
"Eu gostava de ilustrar a situação para os cidadãos norte-americanos: imaginem que o consumo de cocaína nos Estados Unidos desaparecia e se deslocava para o Canadá. Será que os americanos gostariam de ver a taxa de homicídio de Seattle disparar para que se evitasse que a cocaína e o dinheiro fossem para o Canadá? Desta maneira talvez percebessem os custos desta situação para países como o México e a Colômbia"
Os mecanismos de lavagem de dinheiro foram tratados pelo The Observer no ano passado, depois de um raríssimo acordo judicial em Miami entre o governo federal dos Estados Unidos e o Wanchovia Bank, tendo este último admitido que fazia entrar 110 milhões de dólares de dinheiro da droga nos Estados Unidos. No entanto as autoridades não conseguiram monitorizar os 376 mil milhões de dólares que, ao longo de quatro anos, entraram nas contas desse banco através de casas de câmbio no México. O Wachovia Bank foi, já depois deste acordo, adquirido pelo Wells Fargo que cooperava com a investigação.
No entanto ninguém foi preso, e o banco está hoje fora de qualquer complicação judicial. "O sentimento geral é o de uma grande relutância em ir atrás dos lucros reais da droga" disse Mejía. "Eles não se ocupam daquela parte do sistema onde está a maior soma. Na Europa e nos EUA o dinheiro está disperso – quando chega a estes países o dinheiro entra no sistema, em todas as cidades, em todos os estados. Eles preferem ir atrás da pequena economia, dos pequenos intermediários e das plantações de coca na Colômbia, mesmo sabendo que essa economia é minúscula".
O Dr. Mejía acrescentou: "Na Colômbia eles colocam aos bancos questões que nunca colocariam aos bancos nos Estados Unidos. Se o fizessem seria contra as leis do sigilo bancário. Nos Estados Unidos existem leis muito fortes que protegem o segredo bancário, na Colômbia tais leis não existem – ainda que a lavagem de dinheiro se faça mais nos Estados Unidos. É um sistema um pouco hipócrita, não?"
"É uma extensão da forma como operam no seu próprio país. Vão atrás das classes baixas, dos elos mais fracos da cadeia, do pobre tipo – para mais facilmente mostrar resultados. Mais uma vez: é a vontade de transferir o custo da guerra da droga para os mais pobres, deixando o sistema financeiro e os grandes negociantes intocados, que motiva todo este sistema"
Tendo o Reino Unido suplantado os EUA e a Espanha como o maior consumidor mundial de cocaína per capita , a investigação ao Wachovia mostrou também que muito do dinheiro da droga era lavado através da City de Londres, onde o principal denunciante do caso, Martin Woods, estava sediado, no departamento anti-lavagem de dinheiro do banco. Martin Woods foi posteriormente demitido depois de ter denunciado a situação.
Gaviria disse ainda: "Nós sabemos que as autoridades nos Estados Unidos e no Reino Unido sabem mais do que aquilo que as suas acções fazem transparecer. As autoridades apercebem-se de inúmeros casos de pessoas que tentam movimentar dinheiro para o tráfico de droga – mas a DEA (Departamento Anti-droga dos EUA) age apenas num número mínimo de casos"
"É um verdadeiro tabu perseguir os grandes bancos" acrescentou Mejía, "seria suicidário neste clima económico devido às elevadas quantias de dinheiro reciclado"
02/Junho/2012
[1] Alejandro Gaviria Uribe e Daniel Mejía Londoño, Políticas antidroga en Colombia: éxitos, fracasos y extravíos , Ediciones Uniandes, Bogotá, 2012, 458 pgs., ISBN/ISSN: 978-958-695-602-4
Tradução de MQ. 
*GilsonSampaio

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