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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 24, 2010

Depois do Comunismo




Como reza o Manual do Bom Blogueiro, Capitulo 4:
Quando a maioria dos leitores é de esquerda, é estúpido escrever um artigo que menospreza o Comunismo.
Eu sei, eu sei.
Doutro lado, se fosse um blogueiro esperto, nesta altura teria um blog que fala de reality show, com milhares de leitores e publicidade.

A culpa não é minha: ligo a televisão e oiço os representantes da Esquerda que utilizam termos como "luta de classe", "povo trabalhador", "patronato" ou até "Comunismo". É licito perguntar: ainda faz sentido?


Fósseis

Se olharmos para a História recente, temos de admitir que o Comunismo faliu.
A União Soviética já pertence ao passado, a China está em plena transformação.
Sobram a Coreia do Norte e Cuba quais últimos redutos.

Por isso seria simples acabar o discurso com uma simples constatação: o Comunismo foi um fracasso.

Mas não é esta a verdade.

Não é difícil demonstrar que nunca houve um País realmente Comunista, pois nunca houve um governo do povo.
Houve capitalismo de Estado ou oligarquias, como no caso da URSS; e houve (e ainda há) ditaduras militares ou regimes que acabam inevitavelmente num culto da personalidade (Coreia do Norte e Cuba).

Por isso, afirmar que o Comunismo falhou não é correcto: é mais sincero afirmar que falharam os Países que tomaram o Comunismo como próprio ideal.

Em qualquer caso, o facto de que todos os Países que tomaram o Comunismo como ideal falharam (e, com toda a boa vontade do caso, não se pode negar que Coreia do Norte e Cuba não representam sucessos estrondosos) deve fazer reflectir. Afinal falharam porquê?

Provavelmente porque foram ultrapassados pela História.
Uma breve cronologia dá para perceber que houve um período ao longo do qual o Comunismo encontrou a adesão (voluntária ou forçada, como no caso de algumas zonas da Europa de Leste) e uma fase posterior na qual os Países abandonaram o Comunismo.

O primeiro período parte da Revolução de Outubro, na Rússia (1917), e chega até os meados da década dos anos '70.
O segundo período parte com o desmoronamento da União Soviética (1991) e acaba, como vimos, com os últimos sobreviventes: as já citadas Coreia do Norte, Cuba, mais o Laos (que todavia já aceita a liberalização do mercado), o Vietname e a Eritreia.

Acho não ser um mero acaso o facto da cronologia do Comunismo seguir, grosso modo, a do Fascismo. Ambos os movimentos surgiram como reacção perante as condições criadas ao longo do século XIX e que tinham encontrado o apogeu na primeira metade do XX.

Hoje os partidos abertamente inspirados no Marxismo-Leninismo são poucos, mesmo a nível global, e com resultados eleitorais irrisórios na maior parte dos casos.

Uma vez eram centenas, hoje são os seguintes:

Partido Comunista Chinês
Partido Comunista Cubano
Partido Comunista Francês
Partido Comunista Chileno
Partido Comunista Moldavo
Partido Comunista Maoista Nepalês
Partido Comunista Português
Partido Comunista da Federação Russa
Partido Comunista da Eslováquia
Partido do Trabalho (Suíça)
Partido Comunista Japonês

Em alguns Países os partidos comunistas e/ou símbolos do Comunismo são fora de lei:

Estónia
Letónia
Lituânia
Roménia
Polónia
Hungria

O que aconteceu às centenas de partidos que até bem pouco tempo costumavam definir-se "comunistas"?
Simplesmente evoluíram. Perceberam que o Comunismo tinha acabado o próprio percurso e que era chegada a altura de encontrar novos rumos.




O Comunismo? Está na Bíblia

Isso significa que o Comunismo desapareceu para sempre?

Provavelmente não, pois a História gosta de se repetir. O Comunismo não tinha sido inventado por Marx, Engels ou Lenine, os quais estigmatizaram e definiram alguns aspectos que já estavam presentes na sociedade, que tinham sido vislumbrados ou até já aplicados ao longo dos séculos.

Até no Cristianismo são presentes aspectos comunistas. Reparem nesta passagem do Actos dos Apóstolos:
Todos os que se tinham tornado crentes ficavam juntos e mantinham tudo em comum; quem tinha propriedades e substâncias vendia-as e tornava-as parte de todos, segundo a necessidade de cada um. Cada dia, todos iam juntos ao templo e partiam o pão em casa tomando a comida com alegria e singeleza de coração, louvavam a Deus a cada dia e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que eram salvos.
(Actos dos Apóstolos, 2,44-48)
Os mesmos ideias estavam presentes em muitos conventos monásticos, enquanto a ideia de abolir a propriedade privada e outros ideais de tipo comunista foram a base da Deutscher Bauernkrieg (Guerra dos Camponeses) de 1524-26, na Alemanha.

Mais tarde, Tomás Moro com Utopia (séc. XVI) e Tommaso Campanella em Civitas solis (A Cidade do Sol, séc. XVII) descreveram lugares com ideais comunistas.

Nem o Iluminismo fugiu ao chamariz da que hoje definimos como Esquerda: filósofos e não só foram influenciados neste aspecto e podemos lembrar Jean-Jacques Rousseau, o Abbé de Mably, Étienne-Gabriel Morelly e o revolucionário Jean Paul Marat.

Sem esquecer as reducciónes do Paraguai, existentes desde o século XVII.

Fica evidente que o Comunismo não nasceu com Carl Marx e talvez um dia as ideias possam voltar a ganhar novo alento, devidamente modificadas, como escolha ou como necessidade.

Mas não no actual contexto histórico.
O Comunismo, por enquanto, perdeu a própria razão de ser e os irredutíveis Comunistas de hoje são obrigados a viver de lembranças, slogans e dos discursos dos últimos fosseis viventes. O Mundo e a História não pararam, nem para esperar os Marxistas-Leninistas.

Tudo perdido então?
Talvez não.

Rússia e China: recados para o futuro?


Se o Comunismo fracassou, o Capitalismo não está muito melhor.
E Informação Incorrecta nunca se subtrai à tarefa de assinalar os erros, os absurdos, as incongruências, a "podridão" do actual sistema económico.

É precisa uma transformação da sociedade, profunda e de enorme alcance.
E talvez já tenha começado.

Onde? Nos antigos Países Comunistas.

Rússia e China são Países que seguiram caminhos diversos e ambos estão no meio dum percurso de transição.

Os observadores ocidentais gostam de referir os passos positivos que Moscovo e Pequim dão em direcção ao Capitalismo, mas esta é uma leitura forçada e incorrecta.
Na verdade, as elites políticas não abriram de forma inconsciente à economia de mercado, como poderiam ter feito. Pelo contrário, tentam solucionar uma difícil equação, na qual o mercado é apenas um dos dados.

Ainda coabitam traços dos antigos regimes com características próprias do assim chamado "livre mercado", mas neste caso não estamos em presença de "fósseis": esta é uma amálgama que foi procurada e que nenhum dos dois Países mostra desejar abandonar.

É cedo para dizer qual será o desfecho destas experiências, ninguém sabe se no fim o Capitalismo acabará com o tomar conta de tudo ou se Moscovo e Pequim poderão encontrar o próprio rumo.
E nem podemos afirmar que este eventual rumo possa constituir o futuro das sociedades, se apenas um vislumbre disso ou se Rússia e China entraram, de forma diferentes, em realidades sem hipóteses de evolução.

No entanto, são duas experiências que merecem atenção.

Afinal são a única alternativa a um sistema defunto e um em coma profundo.


Ipse dixit.
*infincorret

Nos 75 anos do Levante de 35, vídeo polemiza com "intentona"

Nesta quinta-feira, 25 de novembro, completam-se 75 anos do Levante de 1935, também conhecido como Inssurreição de 35. Apesar de ser chamado por alguns de "intentona comunista", que significa "intento louco", o Levante de 35 passou longe de ser uma loucura. Descubra o porquê no vídeo produzido pela TV Vermelho com a Fundação Mauricio Grabois (GMG) e relembre mais desta história.



*comtextolivre

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