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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 30, 2010

As carpideiras do regime militar





Cynara Menezes
WikiLeaks revela documento mostrando que até o governo americano tratou os acontecimentos em Honduras como golpe de estado, enquanto no Brasil falava-se em "deposição constitucional".Por Cynara Menezes. Imagem: Reprodução/WikiLeaks
Há uma revelação, entre as tantas que estão vindo à tona com a divulgação dos telegramas confidenciais das embaixadas dos Estados Unidos no mundo pelo site WikiLeaks, que me deixou particularmente satisfeita. Trata-se da admissão oficial pela diplomacia americana de que o que viveu Honduras em junho do ano passado foi um golpe de Estado. G-O-L-P-E, em português claro, como escrevemos em CartaCapital. Em inglês usa-se a palavra francesa “coup”. Ninguém utilizou o eufemismo “deposição constitucional” a não ser os  pseudodemocratas locupletados em setores da mídia no Brasil.
É a mesma gente que, quando o governo Lula fala da intenção de regular a mídia, vem com o papo furado de que está se querendo cercear a liberdade de expressão. É o mesmo pessoal que ataca cotidianamente um líder democraticamente eleito e reeleito com palavras vis, mas que, ao menor sinal de revide verbal, protesta com denúncias ao suposto “autoritarismo”do presidente. Jornalistas, vejam só, capazes de ir lamber as botas dos militares em seus clubes sob a escusa de que a democracia se encontra “ameaçada” em nosso país.
Pois estes baluartes da liberdade de imprensa e de expressão no Brasil foram capazes de apoiar um regime conquistado pela força a pouca distância de nós, na América Central. Quando Honduras sofreu o golpe, estes falsos democratas saíram em campo para saudar o auto-empossado novo presidente Roberto Micheletti, que mandou expulsar o eleito Manuel Zelaya do país, de pijamas. Dizem-se democratas, mas espinafraram Lula e seu ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, por se recusarem a reconhecer um governo golpista. Quem é e quem não é democrata nessa história toda?
Não se engane, leitor. Disfarçados de defensores da democracia, estes “formadores de opinião” são na verdade carpideiras do regime militar. Choram às escondidas de saudades dos generais. Quando se colocam nas trincheiras da “liberdade de expressão” contra o governo, na verdade estão a tentar salvaguardar o monopólio midiático de seus patrões, não por acaso beneficiados pela ditadura. Dizem-se paladinos da imprensa livre, desde que seja aquela cevada pelas graças do regime militar. Não à toa, elogiam quem morreu do lado dos generais e difamam quem foi torturado e desapareceu lutando contra a ditadura.
As carpideiras do golpe se disfarçam sob a máscara dos bons moços, cheios de senso de humor “mordaz” (alguns humoristas de profissão, inclusive) e pretensamente bem formados intelectualmente. Mas não é difícil identificá-las: fique de olho em gente que diz que “todo político é igual”, que despreza o brasileiro com declarações do tipo “somos todos Tiriricas” e que prega o voto nulo nas eleições. Repare bem: prescindir do voto é abrir mão de ser cidadão. Na ditadura, não se votava, lembra? As carpideiras do regime militar tentam se conter, mas volta e meia se traem.
É mais fácil reconhecer uma carpideira dos milicos em tempos de guerra do que de paz. Durante as eleições, foi só surgir a polêmica sobre a descriminalização do aborto que elas mostraram a verdadeira face, erguendo a bandeira da ala mais obscurantista da igreja católica. Com a invasão policial dos morros cariocas no fim de semana, a mais “tchutchuca” entre todas as carpideiras da ditadura teve a desfaçatez de postar no twitter: “E se o BOPE, a Polícia e as Forças Armadas, depois da operação no Rio, fossem limpar o Congresso Nacional?” Nenhum respeito às instituições: é dessa matéria que se fazem os golpistas.
Se foram capazes de colocar o presidente Lula, do alto de sua popularidade, em capa de revista com a marca de um pé no traseiro, é de se presumir que as carpideiras do regime militar não darão trégua a Dilma Rousseff. Já começaram por escarafunchar seu passado de guerrilheira. Que ninguém se engane, as carpideiras estão à espreita. Esperam um deslize qualquer de Dilma para tentar defenestrá-la. Estão louquinhas por uma “deposição constitucional” como a que houve em Honduras, porque jamais admitirão ser o que são: groupies de ditadores. Os papéis do Wikileaks deixam claro, porém, que nem os Estados Unidos se enganam mais com golpistas.


Atual livro de cabeceira de Zé Serra




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