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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 22, 2010

Lições do Brasil de baixo


Histórias de três figuras diferentes, mas igualmente insólitas.


Por Mauricio Dias.

Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), o Patativa do Assaré, poeta cearense, criou e consagrou a expressão “Brasil de baixo” (Talvez ainda aconteça/que o Brasil de baixo suba/e o Brasil de cima desça), uma ousada metáfora de subversão política em um dos poemas de cunho social que fazia. Dois representantes contemporâneos desse pessoal que nasce do chão, do qual Patativa foi um inspirado porta-voz, deram exemplos recentes que podem melhorar a história política e empresarial brasileira.

Um deles, o ex-torneiro mecânico do ABC Paulista, Luiz Inácio da Silva, o Lula, virou presidente da República. O outro, um ex-camelô das ruas do Rio de Janeiro, Senor Abravanel, o Silvio Santos, tornou-se um dos grandes empresários do País. Assim emergiram esses brasileiros dotados de notável determinação, mas cada qual no seu caminho que, como qualquer outro, é também marcado por erros, ambiguidades, contradições.

Essa sintonia não torna o político e o empresário politicamente iguais.

Lula, à frente de um governo qualificado pelo compromisso com o resgate social dos menos favorecidos, foi submetido por correligionários à tentação de buscar o terceiro mandato. Tinha apoio político e social suficiente para alterar as regras do jogo e se beneficiar delas, como fez FHC ao aceitar ser conduzido ao segundo mandato. O operário, ao contrário do sociólogo, recusou. Um raro episódio de desprendimento do poder.

Silvio Santos consolidou-se no setor de comunicação, em 1975, beneficiado por decisão do regime militar, ao qual, pragmaticamente, deu apoio. Cresceu fazendo uma televisão de conteúdo popularesco. Isso alavancou parte de outros negócios dele, como, por exemplo, o Banco PanAmericano, que atua no varejo com empréstimos consignados, entre outros.

Abalado por um rombo na carteira de crédito, calculado em 2,5 bilhões de reais, o PanAme-ricano levou Silvio Santos a tomar uma decisão tão incomum quanto perturbadora no Brasil. O empresário assumiu integralmente a responsabilidade pelos danos e ofereceu seus bens para levantar empréstimo no Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Para sanar o problema, buscou recursos privados e não públicos, ao contrário do que ocorre por essas bandas.

Há pouquíssimos exemplos iguais no Brasil. O mais conhecido ocorreu, em fins do século- XIX, com Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o Barão de Mauá, ícone do empresariado nacional. Empreendedor visionário, foi à falência, em 1887, emparedado pela mentalidade de uma sociedade preconceituosa e escravocrata.

Resignado, vendeu todos os bens para pagar as dívidas. Parece ficção, mas é verdade. Admi-radores mais devotados chegaram a dizer que hipotecou o próprio pincenê. Em seguida, retirou-se para Petrópolis e escreveu um opúsculo honesto e corajoso – Carta aos Credores e ao Público em Geral –, explicando as razões de suas desventuras econômicas.

Há um fio que liga os gestos de Lula, Silvio Santos e Mauá, que começou a vida como caixeiro de um armazém e trabalhava em troca de moradia e comida: o “Brasil de baixo”. Parte do País discriminada e desacreditada pelo “Brasil de cima”.

Em tempo: Mauá tornou-se, na época, referência internacional de empresário ousado e de visão. Assim aparece em um dos livros do escritor francês Júlio Verne. Fato, aliás, ignorado por quase todos, senão todos, biógrafos do Barão. CartaCapital

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