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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 10, 2010

A imprensa se faz de vítima






Ao mesclar propositalmente as situações da Venezuela e do Brasil, por exemplo, e acusar genericamente outros países de promover a "bolivarização" das comunicações, a imprensa desinforma, confunde e atenta contra os interesses da sociedade cujos direitos diz defender.

Por Luciano Martins Costa
[09 de novembro de 2010 - 12h52]
Mal ou bem, o noticiário sobre eventos para discutir a liberdade de imprensa começa a oferecer algo mais do que os repetitivos e mal fundamentados alertas sobre o risco de volta da censura no Brasil.

Tanto as reportagens a respeito do encerramento da 66ª Assembléia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, que se realizou na cidade de Mérida, no México, quanto o seminário sobre o futuro das mídias, que se inicia na terça-feira (9/11) por iniciativa do governo, em Brasília, estão trazendo um pouco mais de informação sobre um tema que a imprensa brasileira tradicional tem mantido, propositadamente, na obscuridade.

Vejamos, primeiro, o que nos trazem os jornais sobre a assembléia da SIP. A entidade, que congrega mais de 1.300 empresas privadas de comunicação nas Américas, tem conflitos permanentes com o governo em alguns países – cuja natureza varia conforme o país – mas trata a todos esses governos como inimigos das liberdades civis.

Ao mesclar propositalmente as situações da Venezuela e do Brasil, por exemplo, e acusar genericamente outros países de promover a "bolivarização" das comunicações, a imprensa desinforma, confunde e atenta contra os interesses da sociedade cujos direitos diz defender.

Noticiário manipulado

Conforme observa o Estado de S.Paulo, ainda antes de encerrar-se o encontro no México representantes de governos criticados pelas empresas de comunicação faziam reparos aos documentos apresentados durante o congresso. O porta-voz do governo da Bolívia, por exemplo, comentou que "os membros da SIP, que no passado atuaram apoiando até mesmo ditaduras, estão equivocados".

O chanceler do Equador também se manifestou, recomendando que a imprensa de seu país faça a lição básica do jornalismo, de tentar se colocar do outro lado, para sentir a pressão e a manipulação enviesada da informação cometida pela imprensa contra o governo.

A choradeira da mídia, que no Brasil não tem qualquer justificativa, acaba por abrir espaço para algum esclarecimento no noticiário que, embora ainda manipulado, permite ao público tomar conhecimento de que, aqui como em outros países do continente, a imprensa não é simplesmente vítima de ditadores, mas protagonista ativa do jogo político.

Novas alternativas

Para uma abordagem jornalística do problema das relações da imprensa latino-americana com o poder público, é preciso recuar alguns anos e recordar que, no país onde esse conflito chegou ao grau máximo, a Venezuela, tudo começou com uma tentativa de golpe de Estado liderada por donos de empresas de comunicação.

Em alguns outros países, como a Bolívia, houve uma reação preconceituosa de empresários de origem hispânica à eleição de um governante de origem indígena, e parte da imprensa andou estimulando até mesmo aventuras separatistas.

No Brasil, a adesão da imprensa mais poderosa a um grupo político específico é oficial e contamina o jornalismo.

Na maior parte desses casos, ficou clara a dificuldade da mídia tradicional de lidar com contrariedades na escolha democrática dos eleitores e na execução de políticas diversas daquelas que historicamente eram produzidas por governantes aliados ou controlados pelas empresas de comunicação.

A partir do estabelecimento desse viés a priori, pode-se afirmar que quase tudo que se publica vem contaminado por esse desvio no caráter da imprensa.

Ao lado desse fenômeno deve-se observar que o rápido desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e informação oferece ao público alternativas mais abertas, retirando do círculo de influência da mídia até então predominante vastas porções da sociedade.

Só o jornalismo salva a imprensa

Quando se fala do público que consome informações através do jornalismo, já não se pode restringi-lo ao conceito de leitor de jornais ou revistas. De posse de uma informação, o cidadão pode rapidamente se transformar em protagonista do processo comunicacional, reproduzindo uma notícia por meio de seu aparelho eletrônico, acrescentando seu próprio comentário – que eventualmente corrige, completa, contradiz ou desmente a notícia original.

Portanto, o poder de influência da imprensa tradicional sobre a sociedade reduz-se gradualmente e tende a se concentrar sobre as instituições.

Nessa circunstância, não é partindo para o confronto e fazendo denúncias sobre ameaças que não existem que as empresas de comunicação vão recuperar alguma reputação. O que pode ajudar a imprensa não é a ação política direta ou diversionista – é apenas o jornalismo de qualidade.
*revistaforum

Fábio Konder Comparato: ‘O mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por disposições legais’



A falta de regulamentação de artigos da Constituição relacionados ao capítulo da Comunicação motivou o jurista e professor Fábio Comparato a ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de este tipo de recurso não ser muito comum no país, Comparato espera que ele seja aceito e que incentive um debate na sociedade sobre o tema.
A Ação pede que o STF force os parlamentares a regulamentar os direitos de resposta na mídia, os princípios dos meios de comunicação e a regionalização da produção (artigo 221) e a omissão que existe em relação a proibição de monopólio e oligopólio no sistema de comunicação (artigo 220).
De onde surgiu a ideia de entrar com esta Ação?
A idéia foi minha. Ultimamente, tenho denunciado o caráter dúplice da nossa organização constitucional, que exibe muitas normas de excelente sentido republicano e democrático, mas inaplicáveis na prática, por deliberada falta de regulação legal. É como um edifício, que nos deslumbra pela vistosa fachada. Por trás dela, porém, o espaço interior é vazio.
Quais os efeitos práticos da Ação, se for acatada pelo STF?
Dispõe a lei que "será dada ciência ao Poder competente (no caso, o Congresso Nacional) para adoção das providências necessárias". Na ação proposta, que foi registrada no Supremo como ADO nº 9, pediu-se que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal legislassem sobre a matéria lacunosa em regime de urgência, conforme os dispositivos de seus respectivos Regimentos Internos. É óbvio que essa urgência é sempre muito relativa.
Sob o aspecto político, porém, se a ação for julgada procedente, a opinião pública será alertada para o fato de que, em tais assuntos, as empresas de comunicação de massa fazem o que querem, sob o olhar complacente do Poder Público.
Porque a escolha de uma Ação por Omissão? Esse tipo de instrumento legal tem muitos precedentes no país?
Há poucos precedentes. Exatamente, apenas 8.
O senhor acredita que a sociedade deveria acionar mais a Justiça em relação às omissões e abusos existentes no sistema de comunicação do país?
É claro que sim. É preciso entender que a legitimidade especial para propor ações desse tipo, reconhecida pela Constituição a poucos agentes políticos e a algumas entidades da sociedade civil, é um poder-dever, exercido em nome e benefício do povo.
Setores empresariais da mídia costumam reclamar da existência de leis que ampliem o controle social na área. Muitos defendem que a autorregulação do setor seria suficiente. Qual a sua avaliação sobre as leis que existem para a área?
Essa conversa fiada de excesso regulamentar, no setor, é típica da mentalidade capitalista. Até a velhinha de Taubaté sabia que o mercado só é livre quando o abuso de poder é impedido por adequadas disposições legais e administrativas. Sem isto, prevalece necessariamente a lei do mais forte, ou melhor, do que tem menos escrúpulos. As pequenas e médias empresas que o digam. Aliás, os jornais vivem trombeteando que são vítimas de censura. Mas, que eu saiba, nenhum dos grandes jornais do país publicou a notícia do ajuizamento da ação judicial que estamos comentando. Será que o assunto não interessa ao grande público?
Muitas propostas de interesse público para a comunicação não são aprovadas no Congresso porque vários parlamentares defendem interesses empresariais e outros tantos são controladores diretos ou indiretos de meios de comunicação. Ocorre que o artigo 54 da Constituição proíbe que políticos eleitos participem do quadro societário de uma rádio ou TV. Seria esse também um tema importante para uma ação judicial?
Quanto a esse ponto, é preciso agir caso a caso, não só judicialmente, mas também no seio do Congresso Nacional; por exemplo, abrindo-se processo interno contra o deputado ou senador em questão, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar (Constituição Federal, art. 55, II).
[* Fábio Konder Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

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