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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 22, 2011

A maquiagem do Estadão

Impressionante como o Estadão cuidou de suavizar o título original do artigo: "Reconhecendo a mudança tectônica nas relação Brasil - EUA" ("Acknowledging the tectonic shift in U.S.- Brazil relations").
A "mudança tectônica" virou uma "nova relação" na versão do Estadão.
E logo no início do artigo, o autor escreve: "Mas há quase uma década atrás, na esteira das reformas da administração Cardoso" ("But almost a decade ago, in the wake of the reforms of the Cardoso administration"). Como foi traduzido pelo Estadão? "Nos anos 90, porém, na esteira das reformas de Fernando Henrique Cardoso".
Calma lá! Os "anos 90" não foram "há quase uma década atrás". Considerando que estamos em 2011, "quase uma década atrás" seria, no máximo, 2002.
Este é apenas um exemplo, sutil, de como a nossa imprensa distorce a realidade - sendo que "a realidade", pode ser facilmente comprovada no texto original, aqui.


A nova relação EUA-Brasil 
Estadão
Eugênio Issamu
Washington precisa se livrar de preconceitos e reconhecer que o maior país da América Latina já é uma potência global
16 de julho de 2011 - David Rothkopf, Foreign Policy - O Estado de S.Paulo
Durante anos, uma piada muito repetida dizia que o Brasil era o país do futuro - e sempre seria. Nos anos 90, porém, na esteira das reformas de Fernando Henrique Cardoso e, depois, graças aos notáveis mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e à aplicação do povo brasileiro, a piada foi superada pelos fatos. Como investidores, CEOs, jornalistas e as potências mundiais já reconheceram, o futuro chegou para o Brasil.
Embora líderes americanos, como os presidentes George W. Bush e Barack Obama tenham reconhecido a mudança, muita gente na comunidade política dos EUA continua cética e resistente. Sim, o Brasil estava em ascensão, diziam, mas sempre encontravam um modo de qualificar suas opiniões, de estabelecer uma condição após a outra que o Brasil teria de preencher para ser visto como "uma potência de primeira classe".
Enquanto especialistas na Ásia aceitavam a ascensão da China e da Índia e, rapidamente, começaram a refazer a política com base nas relações cambiantes de poder, os analistas de América Latina se aferraram ao passado, às velhas formulações e preconceitos. Aos olhos dessas peças de museu vivas da pequena comunidade de assuntos latino-americanos em Washington, o Brasil poderia ser o país do futuro - poderia até mesmo ser o país do presente -, mas nós deveríamos nos aferrar às políticas do passado até que tenhamos novas informações.
Agora, o Council on Foreign Relations (CFR) divulgou um novo relatório sobre as relações EUA-Brasil que avança bastante para romper com o passado e recomenda que os EUA adotem uma nova posição política com Brasília. O ponto central do relatório é que o Brasil precisa ser visto em separado da política latino-americana e como uma das potências globais mais importantes da atualidade.
O relatório Global Brazil and U. S.-Brazil Relations é o resultado de mais de um ano de trabalho de uma força-tarefa liderada pelo ex-secretário de Energia dos EUA Samuel Bondman, pelo ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn e chefiada por Julia Sweig, diretora de estudos sobre a América Latina do CFR. Eu fiz parte do grupo e as discussões foram um microcosmo fascinante de todos os debates, entusiasmos e frustrações que marcaram as conversas sobre as relações EUA-Brasil nos últimos anos.
Embora não seja nada de mais considerar como um player global um país que é o quinto mais populoso do mundo, que tem a quinta maior área e taxas de crescimento que farão dele a quinta maior economia do planeta, não é fácil desfazer hábitos históricos e velhos arcabouços políticos. É isso, porém, que esse relatório faz ao enumerar as maneiras pelas quais o Brasil terá um papel central em questões que vão do comércio ao clima, da energia à modelagem de uma política econômica global.
No entanto, apesar de toda sua abrangência e extensão, o ponto do relatório que receberá maior atenção é a recomendação de que o governo Obama "endosse plenamente" a aspiração do Brasil de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Embora esse passo, que vai além do apoio oferecido por Obama em sua recente visita ao Brasil, possa ser visto como simbólico, visto que a reforma do Conselho de Segurança, provavelmente, demorará anos, ele provavelmente teria repercussões profundas no Brasil.
Segundo o relatório, "um endosso formal dos EUA ao Brasil faria muito para superar uma desconfiança persistente do governo brasileiro de que o comprometimento de Washington com uma relação madura, entre iguais, é, em grande parte, retórica".
Não é pouca coisa. O tratamento dado pelos EUA aos brasileiros - mesmo durante o governo Obama, que parece sinceramente comprometido com o aprofundamento das relações - refletiu teimosamente as velhas noções sobre qual deveria ser o papel internacional do Brasil. Isso ficou evidente nas reações à iniciativa brasileira e turca para costurar um acordo sobre o programa nuclear do Irã.
Como o Brasil se afastou do script dos EUA e agiu de maneira independente - apesar de ter recebido um endosso explícito da Casa Branca para seguir em frente com seu plano - os EUA ficaram frustrados e ofendidos com a ação brasileira.
Como os EUA sempre acharam que o Brasil deve ocupar um papel secundário em assuntos externos, porém, Washington não tratou essa diferença de pontos de vista da mesma forma que trata as enormes diferenças com outros países do Brics, como China, Rússia ou Índia.
Em vez disso, os EUA tentaram penalizar os brasileiros por sua independência, mais especialmente ao não dar um pleno apoio às aspirações do Brasil ao Conselho de Segurança do tipo que já ofereceram à Índia. Isso apesar de Washington ter tido muitas discordâncias políticas iguais ou piores com Nova Délhi, incluindo uma sobre o programa nuclear indiano.
Esse tipo de discurso duplo, um para potências emergentes da Ásia e outro para a potência emergente das Américas, é a fonte do ceticismo do Brasil até agora sobre a sinceridade com que os americanos estão saudando sua ascensão.
Outra razão da resistência em apoiar o reconhecimento da legítima demanda do Brasil de ser reconhecido como uma potência global provém da velha política americana para a América Latina, que argumenta que os EUA precisam ir devagar com o Brasil para não ofender outras potências regionais aspirantes, como México e Chile.
Entretanto, não há motivos para que esses países recebam um status semelhante ao do Brasil, além de seu saudável orgulho nacional. Alguém acha que houve um grande debate entre líderes da Ásia sobre como a Indonésia (mais populosa do que o México) ou a Austrália (que tem uma economia maior do que a do México) se sentiriam sobre o apoio americano à Índia? Certamente que não. As potências na Ásia já são vistas automaticamente por especialistas políticos americanos como players globais mais sofisticados do que a maioria dos países da América Latina.
Esse relatório, cujos signatários incluem o ex-subsecretário de Estado, Nick Burns, o ex-assessor para a política latino-americana de Bill Clinton, Nelson Cunningham, a ex-embaixadora americana no Brasil, Donna Hrinak, e o ex-presidente do Conselho de Inteligência Nacional, Robert Hutchings, representa a mais recente constatação de como os EUA deveriam rever o papel das potências emergentes. Como tal, o relatório é um grande passo adiante e foi um privilégio estar associado à iniciativa.
Tradução de Celso Paciornik, analista do Carnegie Endowment for International Peace
By: Foo
*comtextolivre

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