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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, setembro 16, 2011

Mentiras da guerra ao terror não se instalaram na América Latina

Tem que ser muito tapado para cair nesse caô da guerra ao terror


Vermelho


Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 marcaram uma espécie de reação bipolar da América Latina. A princípio, o continente viveu a ilusão da retomada do alinhamento com os Estados Unidos, mas, depois, resistiu às pressões norte-americanas e consolidou na região uma política de defesa própria. Esta é a opinião de Monica Hirst, da Universidade Torcuato Di Tella, que participou nesta quinta (15) do seminário “11 de setembro – o mundo depois de uma década de guerra contra o terror”.


No evento, promovido pela PUC-SP em parceria com o Ipea, Monica analisou as relações entre Estados Unidos e América Latina pós-atentados. Segundo ela, o impacto do 11 de setembro na região não se deu em um só momento, mas foi um processo marcado por quatro etapas.

De acordo com a professora, logo após os atentados, surgiu na região a ideia de invocar o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) e alinhar-se aos Estados Unidos, o que não durou muito tempo.

Outra reação, concentrou-se na Colômbia, que utilizou o momento em que começa a surgir um novo conceito de ameaça no mundo para caracterizar o seu conflito interno como parte da guerra ao terror. Com o objetivo de angariar maior apoio dos Estados Unidos, “o governo colombiano passa a vincular o inimigo interno àquele que seria o inimigo global”, associando as Farc ao terror, relata a professora. 

“Isso teve implicações importantes na Colômbia e também para a região, porque fica muito mais claro aquilo que nós não queremos e como devemos nos posicionar frente a esse novo conceito de ameaça”, diz Monica, em referência à postura de distanciamento que o continente passa em seguida a adotar em relação à “guerra ao terror”.

De acordo com ela, surge então uma tensão entre a “macrossecuritização” defendida pelos norte-americanos e as construções regionais que já estavam em marcha na América Latina. “Isso leva a uma tensão entre o que é a agenda dos EUA e a nossa resposta específica frente à insistência dos norte-americanos de que essa ameaça (o terrorismo) exista na nossa região, em particular na tríplice fronteira”, coloca.

De acordo com Monica, a ”bagagem” do Mercosul – de interação econômica, comercial e política – e a ideia de construir na região uma zona de paz ajudaram a enfrentar de maneira coordenada essa pressão dos Estados Unidos, que se tornou sistemática. 

Ela explica que surgiram alguns atritos no bloco, uma vez que o Paraguai chegou a buscar uma aliança com os Estados Unidos. Mas, aos poucos, foi construída uma resposta regional, com uma agenda de cooperação na área de inteligência e controle de fronteira, “tudo que era necessário para se ter a informação de que essa ameaça não existia na região”, completa.

“A gente sabe hoje o quanto essa guerra foi capaz de construir a mentira como um instrumento de mobilização da ação. O Iraque está aí para mostrar. E o nosso esforço (regional) foi de não deixar que essa mentira se instalasse aqui como uma nova verdade”, avalia Monica.

De acordo com ela, outro impacto produzido pelo 11 de setembro, foi o fim do conceito que estava vigente de segurança cooperativa. “Ficou claro que é preciso começar a construir uma realidade em que políticas de defesa nacionais não sejam uma ameaça interestatal, mas que possam se desenvolver a partir da identificação de interesses nacionais, que não podem ser pasteurizados a partir de um conceito de segurança cooperativa”, diz.

Nesse sentido, a América Latina começa a levar adiante um processo de fortalecimento de suas políticas de defesa, dentro de novos padrões e sob nova configuração, dissociada dos Estados Unidos. “Isso é o que alimenta o Conselho de Defesa da Unasul”. 

“Do ponto de vista das relações com os Estados Unidos, o 11 de setembro amplia a nossa marginalidade estratégica. Nós não aparecemos como uma zona de ameaça e temos outro tipo de resposta”, avalia a professora.

Para ela, a guerra ao terror gerou um forte sentimento antiamericano no mundo, mas, na região, esse sentimento não está associado a isso, e sim ao trauma deixado pelo neoliberalismo da década de 1990. 

“É a resposta que vamos dar ao receituário neoliberal que nos afasta dos EUA e leva à nossa descaracterização como área de influência desse país. Na última década, construímos uma identidade política, econômica e em área de segurança desvinculada dos EUA”, encerrou Monica, afimando que hoje, nada está mais longe de uma consenso sul-americamo que a ideia de que o Tiar poderia ser útil à região. 

Além da professora, também participaram dos debates desta manhã Luis Moita, da Universidade Autônoma de Lisboa, e Rodrigo de Moraes e André de Mello Souza, do Ipea. 

Crime contra a humanidade

Moita defendeu que o 11 de setembro deveria ter sido classificado como crime contra a humanidade, não pelo número de vítimas, mas pelo fato de que “pela primeira vez seres humanos foram usados como projéteis vivos para causar a morte, num evento de tamanha escala,” avaliou. Para ele, a repercussão disso seria uma resposta mais policial e menos militar aos atentados.

O professor português analisou que os ataques explicitaram que mesmo países sobrearmados não são invulneráveis e levaram a questionar o uso da violência nas relações internacionais. Para ele, essa forma de atuar perdeu força. “É possível que a guerra tenha se tornado inútil”, diz. De acordo com ele, a efervescência no mundo árabe, que não usou de fanatismos ou violências, altera o quadro mundial nesse sentido.

Coalizões

Em suas intervenções, os pesquisadores do Ipea fizeram uma crítica à ideia de um suposto unilateralismo dos Estados Unidos no combate ao terrorismo. "Falar em unilateralismo é, no mínimo, uma imprecisão", avaliou Rodrigo. Segundo os dois palestrantes, os norte-americanos não foram à guerra sozinhos, mas, sim, apoiados por dezenas de países.

A opção dos Estados Unidos pela luta dentro de uma coalizão, contudo, não teve o objetivo de reduzir custos e aumentar o poderio militar, agregando a força de outros países. De acordo com os pesquisadores, do ponto de vista militar e financeiro, os Estados Unidos tinham condição de atuar sozinhos nessa empreitada. A coalizão, nesse caso, teve, então, o papel de dar maior legitimidade às ações do “combate ao terrorismo”.

Segundo Rodrigo e André, oito países da coalizão sequer contribuíram com tropas e alguns nem possuíam forças armadas, mas o apoio dessas nações foi útil em outras frentes. “Os Estados Unidos conseguiram ativar uma rede de colaboradores e construíram um certo consenso entre eles de que o combate ao terrorismo era prioritário. E cerca de 50 países chegaram a contribuir diretamente nas guerras do Afeganistão e do Iraque”, disse Rodrigo. 




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