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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, outubro 05, 2012

Repórter da Folha relata ameaças depois de denúncia contra a PM


 

Jornalista recebeu ameaças após revelar as apologias à violência policial feitas pelo ex-chefe da Rota e candidato a vereador, comandante Telhada
Após escrever uma matéria sob o título “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, o jornalista da Folha de S.Paulo André Caramante passou a receber inúmeras ameaças dos seguidores da página pessoal do ex-comandante da Rota e também candidato a vereador pelo PSDB em São Paulo, Adriano Lopes Lucinda Telhada.
Telhada vem usando sua página no Facebook para fazer apologia à violência policial nas periferias da capital. Como resultado, seus seguidores têm deixado comentários do tipo: “bandido tem que ir pra cova” ou então “vamos arrancar o pescoço desses vagabundos”. Uma das “pérolas” de Telhada diz sem rodeios: “que chore a mãe do bandido, porque hoje o bote é certo”.
Após Caramante ter feito a reportagem em forma de denúncia, os seguidores de Telhada – dentre eles muitos policiais – começaram a ameaçá-lo, através de comentários como “é isso aí Telhada, vamos combater esses vagabundos” e “esse Caramante é mais um vagabundo. Coronel, de olho nele”.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo protocolou um documento na terça-feira (17) para a Ouvidoria das Polícias, a Corregedoria da Polícia Militar (PM) e órgãos públicos estaduais, além dos diretórios municipal e estadual do PSDB e a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República relatando o problema.
Em um dos trechos do documento, o sindicato solicita às autoridades resguardar a liberdade de imprensa e a integridade física dos profissionais da área jornalística. O Sindicato denuncia também a grave atitude do ex-comandante da Rota de incitar a violência física e moral contra o repórter através das redes sociais.
Em entrevista ao Brasil de Fato, André Caramante diz que essas ameaças não atingem somente a ele, mas sim toda a categoria de profissionais que lutam para levar a verdade até as pessoas.
Brasil de Fato: Por que você optou em trabalhar com esses temas voltados à violência? Você já fazia esses trabalhos antes?
André Caramante: Sim. Eu trabalho aqui no grupo Folha há 12 anos. Eu já trabalhei em todos os jornais da empresa Folha da Manhã. Comecei no Notícias Populares, trabalhei no Jornal Agora São Paulo e hoje estou aqui na Folha. Sempre atuei nessa área de cobertura da questão da segurança pública.
Os jornalistas, em geral, costumam evitar esses temas. Qual a importância de dar essa visibilidade?
Eu acredito que a sociedade tem o direito de saber, por exemplo, que essa questão da segurança pública tem que ser tratada de uma maneira mais séria. As pessoas precisam passar a prestar atenção nisso, não somente quando a violência atinge alguém da sua família, alguém próximo.
Qual é o maior risco para o jornalista quando faz denúncias contra a polícia como as que você fez?
Não sei ao certo quais são os maiores riscos, mas acredito que o trabalho pode desagradar algumas pessoas, mas é um trabalho que precisa ser feito. A gente tem hoje no estado de São Paulo uma guerra entre o grupo criminoso PCC (Primeiro Comando da Capital) e a polícia, mas no meio disso tudo a gente acaba se deparando com um alto índice de letalidade policial, com policiais que também são mortos e, no meio disso tudo, acontece uma ação e reação de ambos os lados em que as pessoas vão morrendo. E a morte não é a solução para nada. Acredito que a polícia eficaz só opta pela morte em últimas circunstâncias, não dá para achar que isso tem que ser o padrão. Essa sim seria uma polícia de excelência. Tem muita gente morta por policiais, principalmente militares, em São Paulo. Ano passado, por exemplo, a gente fez uma matéria aqui na Folha de S.Paulo que a cada cinco pessoas que foram mortas na cidade de São Paulo em 2011, uma foi morta por um policial militar. Então, são números que a gente precisa melhorar. A polícia não tem o direito de matar, a não ser, claro, no estrito cumprimento do dever legal. Entre 2005 e 2011, 3.921 pessoas foram mortas por PMs no estado de São Paulo. Esses são números de guerra.
Sobre o ex-chefe da Rota, o Telhada, você esperava algum tipo de ameaça depois da matéria sobre as postagens dele no Facebook ?
A gente que trabalha nessa área de segurança pública tem os seus poréns, mas isso é uma questão que o departamento jurídico da Folha de S.Paulo já está tratando. A solidariedade que eu recebi dos companheiros de profissão também foi algo muito importante. Não é uma ameaça, não é uma violência somente contra o jornalista da Folha de S.Paulo, é uma ameaça contra a imprensa livre. Nós temos leis nesse país de imprensa livre, então, isso é uma reflexão maior do que um simples fato de um ex-comandante da Rota ter dito o que ele disse. Existe uma categoria de profissionais que lutam para levar a verdade até as pessoas. Ele atinge não só a mim, mas também a todos que trabalham com a informação. Nós temos o direito de informar as pessoas.
Ele pediu, inclusive, no texto que publicou no Facebook, para que as pessoas ligassem no jornal denunciando a sua matéria. Isso de fato aconteceu? Alguém chamou sua atenção por causa disso?
Ao contrário, o jornal tem me dado apoio e está ao meu lado, isso é importante. O jornal pede para que eu continue fazendo exatamente o mesmo trabalho que eu já faço aqui há 12 anos. Isso é a maior resposta para essa tentativa de mobilização que esse senhor tentou fazer. Meu trabalho continuará sendo feito da mesma maneira. Hoje, por exemplo, na cidade de São Paulo a gente teve, infelizmente, a morte de um publicitário de 39 anos que, segundo alguns policiais militares, furou uma blitz da PM, fugiu e acabou sendo morto no Alto de Pinheiros, que é uma região de classe média alta. Então, os fatos por si só têm demonstrado que essa violência, que essa coisa de atirar para depois saber quem era a pessoa, está chegando em pessoas que até então não eram atingidas por essa violência. Isso é para gente refletir bastante.
Qual será seu posicionamento depois das ameaças? Não tem medo de perseguições?
Eu sou repórter há um bom tempo e faço isso para ganhar a vida. Eu não tenho o porquê mudar, eu não fiz nada de errado, além de noticiar o fato. Aquilo que aconteceu e que eu escrevi sobre as publicações do ex-comandante da Rota em sua página pessoal no Facebook, está lá para todo mundo comprovar e ler. Então, não tem o que mudar em nada.
José Francisco Neto
No Brasil de Fato
*comtextolivre

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