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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, outubro 11, 2012

Serra: o pacto do além com o aquém. Um Termidor de Malafaias para SP

Saul Leblon - Carta Maior





Os primeiros passos de Serra na largada do 2º turno em São Paulo ilustram o ponto a que está disposto chegar para reverter o prenúncio da derrota que nem o Datafolha dissimula mais.

O tucano reuniu-se nesta 3ª feira com um interlocutor cirurgicamente escolhido para reforçar a musculatura do vale tudo na disputa: o bispo radialista, Silas Malafaia, veio diretamente do Rio de Janeiro apresentar armas à campanha. Acompanhado do pastor Jabes Alencar, do Conselho de Pastores de São Paulo, teve um encontro fechado com Serra.

O pacto entre o além e o aquém foi festejado em manchete do caderno de política da 'Folha de SP'. Assim: "Líder evangélico diz que vai 'arrebentar' candidato petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia ativistas gay". 
O título em 3 linhas de 3 colunas, ladeado de um foto imensa de Serra (meia pág. em 3 colunas), empunhando uma criança adestrada em fazer o '45', inspira calafrios. 

Deliberadamente ou não, o conjunto ilustra um conceito de harmonia que envolve arrebentar a tolerância, de um lado, para preservar a pureza, de outro. Concepções assemelhadas levaram o mundo a um holocausto eugênico de consequências conhecidas.

A hostilidade beligerante de Serra em relação a adversários --inclusive os do próprio partido-- incorporou definitivamente uma extensão regressiva representada pela restauração do filtro religioso na política. Como recurso de caça ao voto popular, que escapa maciçamente ao programa do PSDB --liquefeito na desordem neoliberal--, é mais uma modernidade que devemos ao iluminismo dos intelectuais de Higienópolis.

O bispo Silas Malafaia foi importado do Rio de Janeiro exatamente com essa finalidade. Veio dizer aos fiéis de São Paulo em quem votar e a quem amaldiçoar. Os critérios escapam aos valores laicos da independência democrática em relação às convicções religiosas. Mas isso não importa à ética de vernissage de certa inteligência paulista. Faz tempo que certos círculos incorporaram o vale-tudo para vencer o PT, a quem acusam de sepultar os ideais originais de esquerda...

Serra aperfeiçoa, não inova na promoção do eclipse das consciências e dos valores laicos que sustentam a convivência compartilhada. 

Na campanha presidencial de 2010, a água benta da sua candidatura foi o carimbo de 'aborteira' espetado contra Dilma Rousseff. A esposa do tucano, culta bailarina Mônica Serra, pregava nas ruas da Baixada Fluminense, como uma mascate da intolerância: 'Ela (Dilma) é a favor de matar as criancinhas'.

Não era uma voz no deserto. Recorde-se que Dom Bergonzini, um bispo de extrema direita, da zona sul de São Paulo, já falecido, encomendou então 20 milhões de panfletos com o mesmo calibre. 

Os impressos falseavam a chancela da Igreja católica para atacar, caluniar e desencorajar o voto na candidata da esquerda nas eleições presidenciais. 

Um lote do material foi descoberto na gráfica da irmã do coordenador de campanha de Serra.

A imprensa sem escrúpulos teve então, curiosamente, todo o escrúpulo, omitindo-se de perguntar: --De onde veio o dinheiro, Dom Bergonzini?

Tampouco se cogitou indagar se o bispo e os donos da gráfica tinham contato com outro personagem sombrio da campanha tucana, Paulo Preto --que o candidato da hipocrisia conservadora chamava de 'Paulo afro-descendente'. 

Apontado como o caixa 2 da campanha, Paulo, fixemos assim, teria desviado R$ 4 milhões em doações para proveito próprio. Mas compartilhava segredos protegidos por recados ameaçadores: --'Não se abandona um líder no meio do caminho'. A senha era enfática o suficiente para obrigar Serra a interromper a campanha e convocar os jornais, declarando-o um cidadão acima de qualquer suspeita. 

A transformação do eleitor em rebanho, a manipulação do discernimento político pela mídia e o retorno das togas a uma simbiose desfrutável pelo estamento conservador, configuram hoje os requisito de uma sociedade capaz de dar a vitória a Serra neste 2º turno. 

Não se trata de uma denúncia. São os ingredientes mobilizados pelo candidato tucano nos dias que correm. O pacto da intolerância selado com o eloquente bispo Malafaia ilustra um ponto de não retorno.

A intelectualidade iluminista que ainda apoia José Serra tem condições de enxergar essa marcha batida que empurra São Paulo para um termidor de malafaias. 

A intelectualidade iluminista tem, sobretudo, a co- responsabilidade nos desdobramentos dessa distopia obscurantista que a candidatura tucana enseja, agrega, patrocina e encoraja, na tentativa algo desesperada de evitar a derrota que se desenha em São Paulo. A ver

*Mariadapenhaneles

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