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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 26, 2012

O país do passado


Os eleitores de Washington e Colorado aprovaram em plebiscito a legalização total da maconha. Outros dezenove estados norte-americanos permitem o uso medicinal da planta. O maior patrocinador mundial da estúpida política repressiva antidrogas aos poucos adere à tendência descriminalizante que vigora em países como Holanda, Suíça, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai. E o Brasil continua apegado a um entulho jurídico que até mesmo os seus criadores tratam de abandonar.

Antes o provincianismo local justificava nossa adesão através da suposta grandeza civilizatória dos painhos do Norte. Agora essa mesma superioridade ajuda a endossar uma posição contrária: não somos “evoluídos” o suficiente para seguir o exemplo alheio. É uma saída cômoda também para setores profissionais alinhados ao proibicionismo, constrangidos por estatísticas e pareceres técnicos que derrubam suas mistificações alarmistas.

Entre as possíveis críticas às administrações petistas, uma das mais subestimadas pela intelectualidade é a preservação dessa excrescência legal. Três sucessivos governos progressistas, com maioria parlamentar, foram incapazes de promover um avanço tão óbvio, respaldado por juristas, estudiosos de Segurança Pública e organismos internacionais. O máximo a que chegamos são iniciativas como a do movimento É Preciso Mudar, que perpetuam as políticas arcaicas sob uma fachada pretensamente liberal.

No futuro, quando a esquerda brasileira contabilizar seu legado na evolução dos direitos individuais, encontrará pelo menos um bom motivo de orgulho: ajudou a promover o filme do ursinho maconheiro.
*GuilhermeScalzilli

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