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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, novembro 23, 2012

E agora Joaquim? A encruzilhada de um juiz

 


 

Joaquim Barbosa toma posse na presidência de uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileiras.
Monocraticamente, como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor da mídia conservadora, e de seu jogral togado - à exceção corajosa do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente retrógrados da sociedade brasileira - os mesmos cuja tradição egressa da casa-grande deixaram cicatriza fundas no meio de origem do primeiro ministro negro do Supremo.
Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida.
Eficiente no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012.
Fez pas de deux de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçada do procurador geral, Roberto Gurgel - aquele cuja isenção exorou o eleitorado a punir o partido dos réus nas urnas.
Num ambiente de aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o couro no rosto. Era correr para o abraço da mídia nos jornais do dia seguinte, antes até, na mesma noite, no telejornal de conhecidas tradições democráticas.
Provas foram elididas; conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das redações - o famoso 'domínio do fato; circunstâncias atropeladas; personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos, mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de Barbosa, tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido.
O anabolizante midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência e hostil à razão argumentativa - como experimentou na pele, inúmeras vezes, o juiz revisor.
Consumada a meta, o conservadorismo e seu monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada histórica.
Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas das redações e macular a toga suprema com a nódoa do cinismo autodepreciativo.
Arriadas as bandeiras da festa condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz: - E agora Joaquim?
O mesmo relho, o mesmo domínio do fato, o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma pressa condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536 - vulgo 'mensalão mineiro'?
Coube a Genoíno, já condenado, fixar aquela que deve ser a posição de princípio das forças progressistas diante da encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto que tive', fixou sem hesitação, no que é subscrito por Carta Maior.
Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.
Se contemplar ao chamado mensalão do PSDB o tratamento sem pejo dispensando ao PT na Ação 470, verá o relho que empunhou voltar-se contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte.
Tampouco terá o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha - e dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino do procurador -geral.
Ao revés, no entanto, se optar pela indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade, o escárnio do judiciário, o desprezo da história - e o olhar devastador do espelho de cada noite e cada dia, a martelar: 'E agora, Joaquim?'
Saul Leblon
No Carta Maior

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