"É a sociedade que deve regular o mercado, não o contrário"
Via Rebelion
“Tínhamos suspeitas, e elas se confirmaram. Comprovamos que barbaridades tinham sido feitas, tanto na contratação como na renegociação da dívida, em benefício do capital financeiro. O país ficou espantado. Isso estaria ocorrendo em todos os países do mundo”.
“Em muito pouco tempo, todos esses banqueiros apareceram com seus papéizinhos. Agora estamos liberados, nossa dívida é insignificante, 14% do PIB, algo administrável. Para colocar em números redondos, antes utilizávamos 3 bilhões de dólares para os juros da dívida, e 1 bilhão de dólares em saúde, educação, inclusão social ou moradia. Depois de poucos anos, foram 3 bilhões para o social e 1 bilhão para a dívida”.
Entrevista com Ricardo Patiño, chanceler do Equador
Alberto Pradilla
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
Gara
Nascido
em 1954 em Guayaquil, o economista Ricardo Patiño é um dos homens
fortes do governo equatoriano presidido por Rafael Correa. Em 2007,
depois de ganhar as eleições, o acompannhou como Ministro da Economia,
transformando-se em um dos impulsores da renegociação da dívida. Agora,
encarrega-se das relações exteriores do país latino-americano.
Depois
de participar da Cume Iberoamericana celebrada no final de semana em
Cádiz, Ricardo Patiño acompanhou Rafael Correa em um ato com imigrantes
equatorianos, celebrado em Madri. O chanceler mostra-se cauteloso e
respeitoso com a cortesia diplomática na hora de "dar conselhos".
Contudo, não oculta sua satisfação pelos resultados de uma política
econômica que tem conseguido grandes avanços partindo de uma auditoria
sobre sua dívida externa.
Em um contexto
de crise internacional, a economia equatoriana cresce 8%, enquanto
coloca em prática políticas baseadas na redistribuição das riquezas. Ela
se transformou em uma alternativa a um modelo caduco?
As
políticas neoliberais foram um rotundo fracasso na América Latina. Esse
rotundo fracasso nos despertou. Este é o século do despertar na América
Latina, depois de terem nos feito tantos estragos. Não eram somente as
políticas, mas também seus representantes, que fundamentalmente eram o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Encontramos outra saída
no caminho oposto, baseado na definição de políticas públicas, na
recuperação do papel do Estado, na ação coletiva e na compreensão de que
o mercado não pode ser o amo da sociedade.
As
receitas de austeridade e domínio dos mercados estão sendo aplicadas a
varrer na Europa. Contudo, vocês romperam com o o FMI e com o Banco
Mundial.
O mercado é uma realidade, ninguém
nega isso, mas não pode ser que ele mande na socieade. É a sociedade que
deve regulá-lo. Essa é a compreensão diferente do funcionamento da
sociedade e do papel do Estado que estamos aplicando na América Latina
com tanto êxito. Uma das decisões mais importantes que tomamos para
conseguir o crescimento econômico e a justiça social nos quais estamos
avançando, foi desvincular-nos da ação e da influência absolutamente
desastrosa do FMI e do Banco Mundial. Eu era ministro da Economia e,
inclusive, antes de começar a governar, vieram procurar-me. Depois das
chantagens terríveis que eu já esperava, disse-lhes "vão embora por essa
porta, que não queremos falar com vocês". Deviamo-lhes 15 milhões de
dólares, e os pagamos antecipadamente, para sequer ter que vê-los, e o
FMI nunca mais voltou ao nosso país. Vocês não imaginam como somos
livres agora. Mais tarde, o presidente expulsou o representante do Banco
Mundial. Também não podem imaginar o bom que foi para nós o fato de que
eles já não estejam nos prejudicando e interferindo na definição de
nossas políticas econômicas. Recuperamos o controle dos recursos
naturais, renegociamos uma parte muito importante de nossa dívida
externa, estamos otimizando os recursos que já dispunhamos, apesar de
nos quererem convencer de que não os tínhamos, e que se necessitavam
dívidas e investimentos estrangeiros de qualquer tipo. Cobramos nossos
impostos, por que já não é a oligarquia a que manda, mas sim
representantes do povo. Não temos nenhum banqueiro manejando a rota
monetária ou ao Banco Central. Essa liberdade, com a qual estamos
atuando, tem nos permitido investimentos públicos. E a temos dedicado à
infraestrutura, às obras sociais e às políticas de inclusão. Isso também
permitiu que tenhamos uma economia em crescimento. Ainda é frágil, e
ainda não está suficientemente consolidada, mas está no rumo do
crescimento, tanto sob o ponto de vista quantitativo, como ao reduzir
os péssimos indicadores sociais que tínhamos.
Você
mencionou a questão da dívida. Atualmente, trata-se de um elemento que
está afogando a economia do Estado espanhol. Pôde aproveitar a Cume para
dar algum conselho a Madri?
Não podemos dar
conselhos, mas sim temos comentado o que fazemos, por que pode ser que
essa experiência sirva para qualquer outro governo. Nós realizamos uma
auditoria da dívida externa, por que o endividamento, ao menos no caso
da América Latina, era absolutamente ilegítimo. Tampouco era visível,
por que os contratos eram secretos. Existe um terror em relação ao
sistema financeiro internacional, e tínhamos que nos libertar. Nós, um
país pequeno, mas digno, fizemos a auditoria. Tínhamos suspeitas, e elas
se confirmaram. Comprovamos que barbaridades tinham sido feitas, tanto
na contratação como na renegociação da dívida, em benefício do capital
financeiro. O país ficou espantado. Isso estaria ocorrendo em todos os
países do mundo.
Qual foi a resposta dos
bancos? Na Europa, espalhou-se a imagem de que não existe saída fora das
obrigações da dívida e das políticas de austeridade.
Tomar
essa medida também exigia valentia, por que se você descobre alguma
coisa, tem que agir, tal como o fez Corrêa, que anunciou que não
continuaria pagando. Depois de analisar as circunstâncias, disse: "estou
disposto a recomprar esses papéis ilegítimos por até 35%. Os que me
venderem esses papéis por abaixo de 35%, eu os compro". Também não
podemos deixar de reconhecer que o país tinha certa responsabilidade. Em
muito pouco tempo, todos esses banqueiros apareceram com seus
papéizinhos. Agora estamos liberados, nossa dívida é insignificante, 14%
do PIB, algo administrável. Para colocar em números redondos, antes
utilizávamos 3 bilhões de dólares para os juros da dívida, e 1 bilhão de
dólares em saúde, educação, inclusão social ou moradia. Depois de
poucos anos, foram 3 bilhões para o social e 1 bilhão para a dívida.
Muitos
de seus compatriotas que vieram ao Estado espanhol para buscar trabalho
se viram assediados pelos despejos e pelas hipotecas. Como avalia as
reformas do governo espanhol?
Temos que
respeitar a livre determinação do governo espanhol e reconhecemos que é
um passo positivo, embora não seja suficiente. As decisões que temos
tomado em nosso país colocam o ser humano acima do capital. No Equador, a
lei também dizia que se a garantia (a casa) não cobrisse o valor do
empréstimo, o equatoriano tinha que continuar pagando. Mudamos a lei. As
pessoas devem poder continuar morando em suas casas. Elas não podem ser
culpadas por perder o emprego, nem pela crise financeira, nem pela
bolha imobiliária. Elas não devem pagar as consequências. Se, em algum
momento o capital tiver que pagar pela crise, então que o faça.
Em
fevereiro ocorrem eleições presidenciais. Que efeitos elas terão no
futuro político do país e no processo de integração da América Latina?
A
integração latino-americana vai por um bom caminho. Não digo que ele
seja fácil. Ainda há muito colonialismo ideológico, muita vassalagem
intelectual, ainda que ele seja visto com muito potencial. Temos
entendido que ele deve ir acima das diferenças políticas, que existem.
Contudo, o fato de que haja muitos governos progressistas é favorável,
já que estes tem maior vontade de integração. Sobre nossas eleições, o
povo equatoriano tem nas suas mãos decidir se continuamos com o processo
de transformação revolucionária ou se vamos por outro caminho. Se o
povo decidir tornar a votar no presidente Corrêa, com certeza vamos
radicalizar o processo, por que não demos ainda todos os passos para
conseguir uma sociedade de justiça e de progresso, além de continuar
fortalecendo o processo de integração.
“Assange já está há cinco meses em condições desumanas”
A
decisão do governo do Equador de outorgar o asilo ao fundador de
Wikileaks, Julian Assange, tem motivao os desentendimentos com a
Grã-Bretanha, que se nega a dar o salvo-conduto para que este abandone a
embaixada em Londres. Continuama negociando? Em que situação se
encontra o conflito?
Continuamos
dialogando. Em setembro tivemos uma reunião com o chanceler britânico em
Nova Iorque, na qual nos entregaram sua resposta à nossa solicitação de
salvo-conduto. Essa resposta certamente não nos satisfez, e por isso
respondemos juridicamente, justificando plenamente os fundamentos de
nossa decisão e explicando que não somente há razões baseadas no direito
e nas convenções internacionais para o asilo, mas também humanitárias.
Quando se elaborou a Declaração dos Direitos Humanos, foi o governo
britânico que insistiu na fórmula “todo o ser humano tem o direito de
solicitar e desfrutar do asilo”, e venceram. Agora, que cumpram isso.
Como se encontra Assange atualmente? Já se passaram cinco meses desde que foi acolhido na embaixada.
O
senhor Assange está sofrendo com o asilo e lamentamos que seja assim.
Já está há cinco meses vivendo em condições absolutamente desumanas.
Isso é uma tortura, e não está demonstrado que tenha cometido algum
delito. Outra coisa seria se tivesse deliquido, mas a única coisa que há
contra ele é o início de um processo, mas que ainda não começou a
andar. Seu direito a uma vida digna, ao asilo e a viver com sua família
está sendo conjurado pela decisão lamentável do governo britânico de não
conceder o salvo-conduto. Essa situação é muito grave, e quando mais
tempo se passar, mas grave poderá ficar. Os direitos humanos estão sendo
violados, e isso não é justo nem legal. Através do embaixador
britânico, que recentemente solicitou suas credenciais, tornei a pedir
uma reunião com William Hague para voltar a falar do assunto. A situação
pode agravar-se a qualquer momento. O que vamos fazer então? Por isso,
quero insistir ao Governo britânico, cordial mas firmemente, que é
necessário que reconsiderem sua posição.
*GilsonSampaio
Nenhum comentário:
Postar um comentário