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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, maio 20, 2015

maconha foi trazido e herdado dos escravos, como uma vingança da “raça subjugada” por terem lhe tirado a liberdade:

Descobrimento-do-Brasil-
Publicado em 01/09/2014 | por Mary
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As origens da maconha no Brasil (parte 1/3)

Em se tratando de maconha, o cotidiano atual dos brasileiros pode ser resumido em duas palavras: proibição e prensado. O maior país da América do Sul – e quinto mais extenso do mundo – também é famoso pela postura conservadora em relação à erva, além de ser a pátria-mãe de alguns dos mais lendários – e equivocados – proibicionistas do planeta. Mas, se de um lado há repressão, por outro sobressai uma militância canábica cada vez mais heterogênea, criativa e disposta a lutar pela liberação da planta.
Para tentar desvendar um pouco deste imbróglio que nos cerca, fui convidada pela revista Soft Secrets Latam a fazer uma reportagem sobre a História da maconha no Brasil. Publicada na ediçãode julho/agosto, a matéria investiga as raízes do preconceito e da mentalidade proibicionista que insistem em sobressair no país muito antes dele se chamar Brasil. A primeira parte investiga as origens da cannabis em solo tupiniquim. Boa leitura!
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Embora não haja um consenso exato sobre a origem da cannabis em terras brasileiras, botânicos e historiadores concordam que se trata de uma espécie exótica introduzida primeiramente pelos escravos negros – não por acaso, a erva era conhecida no passado por nomes de origem africana, como diamba, pito do pango e fumo d’Angola. “A planta teria sido introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos negros escravos, (…) e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas“, relata o documento oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, de 1959.
Se o uso psicoativo remonta à senzala, as aplicações industriais da maconha são ainda mais antigas do que as as velas de cânhamo da embarcação que possibilitou ao português Pedro Álvares Cabral desbravar o Brasil em 1500. Nos tempos da Colônia, inclusive, a Coroa portuguesa chegou a estimular a produção de cânhamo, que consistia em matéria-prima fundamental para a fabricação de cordas e velas para a indústria naval . “Um exemplo disso é a instalação de algumas unidades da Real Feitoria do Linho Cânhamo a partir da segunda metade do séculos XVIII”, destaca Henrique Carneiro, professor de História da Universidade de São Paulo (USP).
 As origens do cultivo de maconha no Brasil
Destinada ao cultivo de cânhamo, a Real Feitoria do Linho Cânhamo funcionou entre os anos de 1783 e 1789 na região sul do Rio Grande do Sul, onde hoje fica o município de Pelotas. Na época, Portugal pagava caro para importar o linho de cânhamo da Inglaterra. “Por isso, a instalação da Real Feitoria foi uma decisão estratégica da Coroa portuguesa na tentativa de suprir a demanda por esse vegetal que é um dos mais importantes da história da humanidade”, conta Carneiro.
Mas o que tudo indica a história do cultivo oficial de maconha no Brasil pode ser ainda mais antiga: há registros de que, em 1755, o então governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire, escreveu ao secretário de Estado da Marinha, Diogo de Mendonça Corte Real, informando que sementes de linho cânhamo haviam estragado e solicita que se mandem mais uma carga, pois agora haviam encontrado terra propícia ao cultivo
Não seria a primeira vez que os portugueses se arriscariam a plantar maconha em terras brasileiras. Pouco tempo antes, em 1747, o mesmo Gomes Freire comandou uma tentativa de cultivo frustrada na Ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis, que não chegou a vingar.


As origens da maconha no Brasil (parte 2/3)

Na medida em que aumentava o interesse econômico pela cannabis (clique aqui para ler a primeira parte da reportagem), seus diversos usos medicinais também se popularizavam, fazendo com que o consumo da diamba migrasse das senzalas para as casas-grandes.
Maconha nas farmácias brasileiras
São dessa época os primeiros registros da prescrição e venda das Cigarrilhas Grimault no Brasil. Também chamados de “cigarros índios”, consistiam em baseados pré-enrolados importados da França durante vários anos.
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Segundo formulário médico de 1888, o produto era indicado “contra a bronchite chronica das crianças, na asthma, catarrhos, na tísica laryngea, insomnia, roncadura, flatos”.
“Ao que parece, as Cigarrilhas Grimault tiveram vida longa no Brasil, pois ainda em 1905 era publicada em nosso meio a sua propaganda”, afirma Elisaldo Carlini, professor de Psicofarmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), fundador e diretor do  Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas (Cebrid).
O discurso médico proibicionista – ou “reefer medicine”
O ápice da combinação de racismo e proibicionismo – que até hoje encontra-se na raiz do preconceito contra a maconha no Brasil – pode ser verificado na obra do Dr. José Rodrigues Dória. Professor das Faculdades de Medicina e Direito da Bahia, ele também é o um dos mais lendários proibicionistas do país. Não seria exagero dizer que esse médico nascido no Sergipe em 1857 foi uma espécie de “facilitador” para o surgimento do épico Reefer Madness (filme lançado pelos Estados Unidos em 1936 associando o uso de maconha com violência e loucura).
Pois certamente foram argumentos como o do Dr. Rodrigues Dória que ajudaram a construir alguns dos mais antigos e arraigados mitos sobre erva.
Em 1915, Dória apresentou um estudo intitulado “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício” durante o Segundo Congresso Científico Pan-Americano em Washington, nos Estados Unidos. A partir da comparação com os estudos de um médico francês especialista em ópio, Dr. Roger Dupouy, Dória transfere o quadro doentio dos viciados em ópio para os usuários de maconha.
Carregado de preconceitos típicos da época, o autor afirma que o “mal” da maconha foi trazido e herdado dos escravos, como uma vingança da “raça subjugada” por terem lhe tirado a liberdade: “dentre esses males que acompanharam a raça subjugada, e como um castigo pela usurpação do que mais precioso tem o homem – a sua liberdade -, nos ficou o vício pernicioso e degenerativo de fumar  as sumidades floridas da planta aqui denominada fumo de Angola, maconha e diamba”.
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Contemporâneo de Rodriguês Dória, o médico Francisco de Assis Iglesias também fazia coro aos argumentos racistas e mostrava-se preocupado com o uso da maconha. No artigo intitulado “Sobre o vício da diamba”, apresentado em 1918, ele descreve uma experiência em que administrou altas doses de cannabis a pombos e outras cobaias. Como era de se esperar, os animais apenas manifestaram ligeira excitação seguida de sonolência, com completo reestabelecimento dentro de poucas horas.
Mesmo com resultados tão tranquilos, Iglesias concluiu que a planta poderia até mesmo matar um ser humano: “esse vício, extremamente nocivo, determina graves perturbações de saúde, que se traduzem ordinariamente por alucinações, podendo terminar por alterações mentais que levam às vezes ao crime ou ao suicídio”.
(continua…)
*  Reportagem publicada originalmente em espanhol na revista Soft Secrets Latam. Para ler a primeira parte, clique aqui. 

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