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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 05, 2012

A bomba israelense em Berlim

 

Via CartaMaior

Segundo o Der Spiegel, o governo israelense está equipando submarinos comprados à Alemanha com ogivas nucleares armadas em mísseis de longo alcance. Declaração do ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, equivale a um reconhecimento explícito de que Israel detém ogivas nucleares, coisa nunca reconhecida oficialmente.
Flávio Aguiar
Ainda não houve tempo para verificar a repercussão internacional, nesta segunda-feira, mas já se sabe que a notícia caiu como uma bomba em Berlim. Segundo o semanário alemão Der Spiegel, em matéria de capa, o governo israelense está equipando submarinos comprados à Alemanha com ogivas nucleares armadas em mísseis de longo alcance. O nome dessa cooperação é de “Operação Sansão”.
Causou maior perplexidade o comentário do ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, à revista, de que os alemães deviam se orgulhar por terem assegurado a existência do estado de Israel “durante tantos anos”.
Orgulhos à parte, uma declaração dessas, nesse contexto, equivale a um reconhecimento explícito de que Israel detém ogivas nucleares, coisa nunca dantes navegada ou reconhecida oficialmente. Resta saber se Barak vai confirmar a declaração/reconhecimento.
Como fontes alemãs a revista cita Lothar Rühl, conhecido jornalista, professor e político, que foi secretário de estado junto ao Ministério da Defesa de 1982 a 1989, servindo sob ministros de ambos os principais partidos alemães, a CDU e o SPD, e Hans Rühle, ex-chefe de pessoal do Ministério. Ambos reconheceram que o governo alemão sabia da presença desse equipamento nos submarinos que fabricava para Israel. Rühl admitiu que discutiu o assunto diretamente com militares israelenses em Tel Aviv.
Segundo a reportagem, o governo alemão começou a cooperação militar com Israel em 1957, ainda sob o governo do chanceler Konrad Adenauer. A partir de 1961 ele saberia da capacitação (ou da sua busca) nuclear israelense. E a última evidência dessa colaboração pro-ativa no setor estaria numa conversa em 1977 entre o então chanceler alemão Helmut Schmidt e o então ministro de Relações Exteriores israelense Moshe Dayan.
A Alemanha já forneceu três submarinos a Israel, construídos no estaleiro HDW em Kiel, no norte do país. Tem mais três sob encomenda, para entrega em 2017, e o governo israelense cogita encomendar outros três na seqüência. As condições são muito favoráveis, com o governo alemão pagando por um terço do preço de cada submarino, no valor de 135 milhões de euros, e aceitando que Israel só comece a pagar pelo fornecimento a partir de 2015.
Segundo a mesma reportagem, ao assinar o contrato para a construção do sexto submarino, a chanceler Angela Merkel teria imposto, como condições, a suspensão da construção de colônias irregulares em território palestino, e a liberação do término da construção de uma estação de tratamento de esgotos em Gaza, sem que o governo de Benyamyn Netanyahu tenha se pronunciado a respeito até agora.
Segundo a própria revista o governo alemão reagiu “com reserva” diante da notícia. Dois porta-vozes, um da chancelaria e outro do Ministério da Defesa, deram declarações comentando o direito de Israel assegurar sua defesa, mas sem entrar na matéria específica das ogivas nucleares.
A matéria, que é espinhosa na Alemanha inteira, como demonstra a recente polêmica em torno de poema do escritor alemão Günther Grass, é também particularmente espinhosa para a oposição formada pela coligação SPD/Partido Verde, que esteve no poder de 1998 a 2005, sendo impossível que ignorasse o assunto. O SPD ainda permaneceu no poder até 2009, em coligação com a CDU, quando esta, vitoriosa na eleição, formou uma nova coligação com a CSU bávara e o FDP. De todo modo, líderes do SPD e do PV afirmaram que vão questionar o governo alemão a respeito. A política de exportação de armamentos pela Alemanha está na berlinda desde que o governo de Berlim autorizou a venda de 200 carros de combate para o governo da Arábia Saudita em plena “Primavera Árabe”, enquanto o governo de Riad invadia o vizinho Barhein para sufocar a revolta popular.
Apesar da conhecida política de dois pesos e duas medidas por parte das potências do Ocidente, a revelação e o assunto são complicados para os Estados Unidos, que dão uma ajuda militar bilionária ao governo de Israel, sendo que sua legislação proíbe prestar tal ajuda a países que desenvolvam armamento nuclear em condições irregulares diante da legislação internacional – o que seria o caso, uma vez que Terl Aviv jamais reconheceu sequer a existência de armamento dessa espécie, não havendo, portanto, inspeções pela ONU.
Outra complicação está no curso das negociações entre as potências ocidentais (incluindo neste caso, a Alemanha), mais a Rússia e a China, com o Irã, a respeito do programa nuclear deste último. As negociações, reabertas recentemente em Bagdá, sob o impacto da notícia de que a Agência Internacional para Energia Nuclear da ONU chegara a um acordo comTeerã para inspecionar as usinas do país, eram vistas com cauteloso otimismo. Entretanto essa revelação certamente reforçará a linha mais dura entre o aiatolado iraniano, que vê com reservas qualquer concessão e está em atrito com o próprio presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Last, but not least, fica a preocupação de que alguém, algum dia, vai apertar um gatilho desses.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
*GilsonSampaio

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